Thursday, December 20, 2012

20/12/2012


Não queria perder a oportunidade de escrever numa data tão engraçadinha como esta. Não sei quando teremos uma outra repetição tão perfeita. Talvez por isso os Maias tenham resolvido acabar com o mundo após essa data. Chegamos ao equilíbrio e… catapum! Tudo desmorona e é preciso reconstruir, como aquelas torres do brinquedo "pequeno engenheiro". Ontem, num delicioso almoço que compartilhei com um amigo de longa data e uma nova amiga, mas que me encanta igualmente, me perguntaram qual a minha mais antiga lembrança. E eu não tinha uma lembrança antiga! Me esforcei bastante e lembrei de quando descobri que sabia ler e fui contar toda contente para minha avó. Ela não acreditou, achou que eu tinha decorado o livro. Agora, no entanto, me lembro da paixão que tinha por esses brinquedos de construção. Equilibrava os retângulos de madeira, os triângulos vermelhos, se fazendo passar por telhados, gostava especialmente dos cones, que faziam minhas torres se parecerem muito com as torres de um castelo. E também gostava dos blocos em arco, me comprazia em construir prédios com pilotis, ao gosto da época. Depois… catapum! Tudo desmoronava, como a perfeita data que, ao passar, nos deixa saudosos de perfeição.
A profecia, tantas vezes desmentida, é de que o mundo vai acabar. Para mim me é indiferente. Mas aproveito a dica para fazer meus votos de final de ano.
Se for para alguma coisa acabar, que sejam a intolerância, a desigualdade, o crime, a violência, o desprezo, a opressão, a miséria, a impaciência, a solidão, a tristeza, a dor… Acabem! Obliterem-se! Desapareçam!
E conservemos os bons amigos, a convivência, a tolerância, o respeito, a delicadeza. E que a Literatura volte a ser uma fonte de prazer e emoção. Que as artes sejam encantamento. Que os abraços sejam calorosos e os beijos, sinceros. Que os amigos se reunam com frequência, que os amores sejam cálidos, que os problemas sejam resolvidos. E que o equilíbrio de hoje, de 20/12/2012, mantenha suas proporções humanas, oferecendo enigmas não muito complicados, valores fáceis de assimilar, sorrisos de esperanças de que nosso planeta possa ultrapassar o 21/12/2012, e o 22 e o 23 e que, depois do dia 31/12/2012 a gente acorde num belo 1º de janeiro de 2013, ano que, para os supersticiosos, vai ser de sorte, muita sorte!
E, para vocês, meus queridos leitores, aqui vai meu conto de Natal de 2012, com carinho e muitos agradecimentos por acompanharem minha jornada.


Conto de Natal – 2012.
Milagre de Natal
Lúcia Bettencourt

Uma lista. Era para ser fácil. “Neste Natal eu desejo”, escrito com letra caprichada, maiúsculas bem desenhadas, depois dois pontos. Mudar a linha. Podia até pular uma linha para começar a escrever, as mesmas coisas de todos os anos, tipo  “saúde”, “paz”, “prosperidade”. Não, essa palavra estava fora de moda, ninguém mais a dizia e talvez ninguém mais entendesse o seu significado.  Melhor colocar na lista essas outras coisas como “dinheiro no bolso”, “amor”, “harmonia”… Taí uma boa palavra, harmonia… Coisa meio musical, e também angelical, isso combinava bem com a época. Mas ele não conseguia, sentia-se ridículo, sem conseguir segurar direito o lápis com a mão que já não reconhecia como sua.  Seu rosto também já não era reconhecível. Além de novas rugas, dos óculos que tiveram de ser substituídos, pois os antigos, levinhos, quebraram-se no acidente, sua boca congelava-se num ângulo estranho, desdenhoso, e o olho direito quase se fechava, a pálpebra emperrada como uma porta empenada.

Uma ironia. Era isso que ela pensava, olhando para o pai cujo rosto sempre lhe fora um pouco estranho. Logo ele, que fizera das palavras seu ganha-pão, agora não conseguia mais usar o lápis. As palavras, para ele, tornaram-se irreconhecíveis.  A página em branco em cima da mesa, o braço inútil, ou quase. O lápis preso num ângulo estranho entre os dedos grossos da mão alheada. Ela olhava para o pai com um misto de preocupação e de curiosidade, mas não sentia amor. Eles eram distantes, incapazes de mostrar afeto. Sua relação com o pai havia começado tarde, muito tarde, quando ela, ingressando na faculdade de Filosofia, despertara nele uma certa curiosidade e algum orgulho. A filha abandonada no berço, visitada apenas no Natal e no aniversário, era um ser formado à sua semelhança, inteligente, culto, esforçado. Mas nunca um gesto de afeto. O beijo protocolar, do qual ambos, desconfortáveis, procuravam escapar. Jamais um abraço. O interesse que passou a existir era intelectual: telefonemas para saber coisas da aula, se as
notas estavam boas, qual seu filósofo predileto: Nietzsche ou Kierkegaard?  E o oferecimento dos livros de sua enorme biblioteca. Ecce homo, pensou. Vencido, derrotado, impotente. O rosto estranho de um homem estranho, incapaz de falar, de escrever…

Uma lástima. Ele agora seria um peso,  e seria ela quem teria de carregá-lo! Isso por amor à sua única filha, pois, se não assumisse os cuidados, a menina seria sacrificada. Olhava para o velho em que ele havia se transformado, com um misto de pena e de ódio. Ele tinha sido, por mais de quarenta anos, irônico, cruel, indiferente. Tinha sido mesquinho e ausente. Nunca tinha oferecido uma palavra de consolo nem de amparo.  Mas dividira sempre seu salário de jornalista e pagara as contas da menina religiosamente em dia. Nenhum presente, é bem verdade. Com exceção da boneca que ele deu no aniversário de 16 anos, e dos livros que, mais tarde, passaram a chegar com insistência, dados ou emprestados, na ânsia de fazer da filha uma projeção de seu intelecto brilhante. Se ela ainda acreditasse em Deus, talvez se conformasse, mas suas crenças haviam sido meticulosamente destruídas pelos comentários cáusticos que ele fazia, pelos raciocínios sempre corretos mas impiedosos e maus. Ele nunca tivera piedade dela, nunca sentira um pingo de remorso por deixá-la sozinha nas noites de febre e de tosses. Nem estendera a mão para ajudá-la a levar a filha, já quase de sua própria altura, ao pronto socorro, com a perna sangrando depois da queda feia de bicicleta. Incapaz, indiferente, ausente… E ali estava ele, um velho, um peso morto, para que ela cuidasse, pois não havia mais ninguém, a não ser a filha, mas isso ela não permitiria.

Um boneco! Margarida reconhecia o avô naquele boneco gigantesco, maior que sua mãe, chegando numa cadeira de rodas para a festa de Natal na casa da vovó. Um boneco de carne e osso! Era feio como o avô, mas ela estava contente, pois era assim mesmo que tinha sonhado aquele presente de Natal. Grande, com cabelos para pentear, roupas para vestir. Podia dar comidinha e água, e, com um pouco de esforço, levá-lo para passear naquela cadeira grande e prateada, com rodas de bicicleta. E podia enfeitá-lo com as guirlandas de Natal, e colocar os bonecos sentados no seu colo. Podia até castigá-lo, virando-o para a parede quando ele não se comportasse como ela queria. Aquele era o melhor Natal de sua vida, sussurrou no ouvido da mãe, que não compreendeu bem a alegria da menina.  Mas que depois reparou na atividade em volta do doente, e acabou entrando na brincadeira. Está na hora da papinha… Venha, vamos ajudar o avô a fazer seu exercício de fisioterapia… Até a avó, a princípio um pouco brusca, entrou no jogo, e as três mulheres, como anjos, fizeram daquele menino Jesus crescido e velho demais, o centro de suas atenções. Na hora do exercício, colocaram a folha em branco em cima da bandeja que lhe servia de mesa, e puseram o lápis entre os dedos da mão quase imobilizada. Faz uma lista de Natal!, a menina comandou. Mas não prestou atenção no milagre que estava ocorrendo ali, na sala, sem estrelas nem cânticos. Um milagre prosaico de vida e inocência.


Sunday, November 04, 2012

Cheiros

Tem dias que parece que a vida cheira diferente: um cheiro de guardado, de passado, que persiste em nossas narinas, insistindo em nos lembrar de algo perdido há muito tempo…
Perambulo pela casa, procurando de onde vem esse cheiro que eu quase conheço, mas percebo que é uma ilusão. Aqui, o que cheira mesmo é a tinta que pintou minha cozinha, em minha ausência, mas que ainda exala seu aroma acre.
Vou procurar frascos de perfume. Este que já não existe mais, mas de que eu gostava tanto… Aquele, vibrante, de cor sedutora… Este que comprei só por causa do nome… E este, de frasco tão lindo, parecendo uma escultura… E aquele… não, nem falo no que ficou por usar!
Desisto. O cheiro ainda brinca em minha memória. Mas não é o cheiro bom de chuva. Nem o cheiro de certas épocas do ano, carregadas de especiarias. É um cheiro antigo, como o de rendas que se desfazem com o tempo. Ou como o que ficava nas mãos depois da brincadeira no parque, cheiro de ferrugem, de madeira, de areia…
Acho que é cheiro de saudade.

Saturday, November 03, 2012

Tamanho e documento

Há uns tempos atrás pretendia escrever sobre o lançamento no novo i-Phone, maior que os anteriores. Minha tese era a de que os "jovens antenados", criadores do i-Phenomenal Apple estavam começando a envelhecer e descobriam a necessidade de telefones maiores e teclados que se acomodassem a dedos artríticos… E que um dia eles chegariam ao meu ideal: um i-Phone do tamanho do i-Pad, a perfeição!
Ledo engano!
Eis que agora eles diminuem o tamanho do i-Pad! Para quê? E o pior é que tem gente que se assanha e corre para comprar este novo objeto que é um i-Phone sem phone, ou seja, não serve para nada…
Acho que perdi mesmo a corrida contra o tempo e a tecnologia, pois não soube responder à pergunta básica de minha filha, quando lhe disse, orgulhosa, que tinha comprado um i-Pad: Dois ou três?
Como é que vou saber? Mas não perdi a pose. Disse que era o último modelo, o mais novo. Mas que não importava, pois em breve sairia outro… E saiu mesmo, o tal do mini.
Com essa demonstração de estar a par do futuro como uma pitonisa cibernética, safei-me.
Mas ontem ela me ligou, perguntando-me se já tinha comprado o tal mini.
Eu? Logo eu, que estou esperando o I-Pad-phone?!
Pois ela se surpreendeu: ué! O seu não tem telefonia? Basta você clicar no ícone tal, e baixar o aplicativo Y que seu i-Pad…
E ela continuou explicando, embora eu já não prestasse mais atenção. Estava pensando em uma amiga, que está apaixonada por seu telefone fixo: Imagine, diz ela, ligo para qualquer telefone fixo em qualquer estado do Brasil, falo o tempo que quiser e no fim do mês minha conta é sempre 49,90! Feliz amiga, que tem amigos que ainda usam telefones fixos. Eu não teria com quem falar. Talvez com ela…
Chega um tempo em que nossos olhos se voltam para o passado, mesmo à nossa revelia. E descobre coisas que são mais confortáveis e baratas do que o nosso presente já quase futuro. No entanto, do século XIX só o que nos resta neste século XXI é a ficção científica, que nos apresentou ao nosso mundo antes que ele existisse. Do meu pobre século de nascimento, o XX, pouco restou. A lembrança de algumas guerras, algumas armas assassinas e a revolução sexual. O que já foi interessante, agora virou uma função corporal. Coisa para ser desempenhada como uma espécie de ritual de higiene. Tomar banho, escovar os dentes, fazer sexo, cortar as unhas…
No programa humorístico de ontem à noite, o comentário da moça: Eu não vou dar, vou é distribuir!
Oh, céus! Quanta generosidade! Que ela encontre pessoas que desejam o que ela tem para oferecer, pois me informam que são poucos os interessados. E eu me lembro do filme boboca que vi da mulher que nunca tinha experimentado um orgasmo. Ela, então, se separou do marido (era do tempo em que as mulheres casavam) e arrumou um vibrador, e, na falta de vibrador, o telefone celular, no "vibracall" quebrava seu galho. Taí, eis uma nova sugestão para os prodigiosos engenheiros/designers da Apple. Quem sabe o próximo lançamento não possa ser um i-Vib? Com fone de ouvidos, cada chamada se transformaria num motivo duplo de alegria. Tesão e comunicação, compartilhados por todos, ao alcance de todos. Vou correndo comprar ações de algumas companhias telefônicas. Quem sabe minha ideia cola e eu fico milionária?

Sunday, October 28, 2012

Discovery Channel no Leblon

Olá, amigos.
Passei muito tempo sem postar nada aqui, mas estava viajando e fui fazendo comentários no facebook. Não dá para tudo, muitos textos para escrever, muitos canais de comunicação, e a gente vai se virando como pode, reclamando das conexões no exterior, reclamando do peso do computador, do dia de apenas 24 horas, mas cada vez mais dependente dessas maquininhas maravilhosas e de sua possibilidades que nem sempre dominamos.
Bem, escrevi textos para congressos e colóquios, viajei, voltei e ontem, de volta ao meu recanto no Leblon, participei de uma cena digna de Discovery Channel. Na hora do almoço, ao sair, já tinha me maravilhado com a beleza do Rio. Paris e Londres são lindas, imponentes, cheias de culturas e charme. Mas o Rio é deslumbrante com essa natureza toda, esses recantos verdes intensos, as montanhas, o mar que torna o ar mais suave para nossas mucosas, e ainda nos diverte com suas cenas. Só que nem eu mesma tinha me dado conta do quão "naturais" somos. Imaginem que tenho uma varanda que é protegida por uma dessas redes de proteção. Quando vieram instalar a rede aqui em casa, o rapaz , que não viu sinal de crianças, perguntou se era para a minha gata. Já não me lembro se respondi o que tive vontade de dizer na época, que era uma garantia contra mim mesma, tentada que podia me sentir pelo abismo. Acontece que a rede aqui está, e acontece que ela virou um local de repouso para passarinhos, que me visitam todos os dias. Não sou daquelas que colocam vidrinhos com água com açúcar, nem nada. Eles visitam porque na varanda tem plantas e eles, aparentemente, gostam de pousar nos fios da rede. Ontem, porém, estava olhando para fora quando vi que um passarinho entrou desesperado pela rede e procurou abrigo na minha biblioteca. Num flash de segundo depois, um falcão se chocou contra a rede, e foi embora, desapontado. Minha filha, aninhada a meu lado, envaideceu-se:
"Viu? Todos sabem que serão protegidos e acolhidos aqui!"
E eu finalmente entendi por que razão existia essa rede em volta de minha casa. Uma rede/"haven" para os mais fraquinhos  e assustados. Mas também entendi que minha biblioteca, por mais absolutamente encantadora que seja, não é o lugar ideal para um passarinho assustado. Eu escutava seus pios agudos e vi que ele ainda precisava de mais ajuda. Fizemos um grande mutirão. A filha buscando a escada e o pano de prato, o filho subindo nas alturas e pegando o bichinho assustado, que não se rendia fácil. Eu dava as orientações. E ainda havia uma plateia, preocupada, torcendo. Finalmente o passarinho foi apanhado e colocado no vaso de plantas. Ainda dentro da varanda, mas sem perigo de machucados por conta de batidas contra a vidraça e aprisionamento no labirinto dos livros... Lá ele descansou, recuperou-se e, quando se decidiu, foi embora. Deixou saudades. Um passarinho que vem cantar de manhã em nossa janela é sempre uma alegria. Espero que ele volte, sempre que quiser. E, por incrível que pareça, fico satisfeita de ter frustrado os planos do falcão, mas espero que ele tenha encontrado uma outra boa refeição. Quem sabe um roedor? Por favor, senhor falcão, não este passarinho que agora quero chamar de meu. Não na minha janela. Mas também não abandone minha vizinhança, e deixe-me ver, de vez em quando, seu belo voo e sua perícia. Gosto de viver num lugar onde a natureza ainda se mantém próxima o bastante para desenrolar-se, ao vivo e a cores, sem câmeras intermediárias...

Sunday, September 23, 2012

Cronistas de domingo

Gosto desta conversa que estabeleço aqui com dois queridos cronistas de domingo, o Ubaldo e o Veríssimo. Este fala do futuro e de seus artefatos, e eu me lembro da reportagem que assisti e que nos ensina de que são necessários apenas 3 segundos (ou seriam milionésimos de segundo?) para que recebamos uma informação e a arquivemos em nosso cérebro. Daí que nossa vida seja totalmente dependente da memória. Sou aquilo que lembro, e, como vocês podem ver, vou ficando cada vez mais imprecisa e difusa, com essas memórias que já não se fixam com a mesma facilidade. No entanto, o Veríssimo fala de artefatos do futuro que invadem nosso presente. Ou não invadem, se esfumam e desaparecem, como o Concorde, que já pareceu, um dia, ser o futuro da aviação e hoje não passa de uma vaga memória que pertence, ainda, a uns poucos. Elege ele, como o único artefato da ficção científica a estar presente no que ainda chamamos de hoje, ao tal radinho de pulso do Dick Tracy. Como não sou muito ligada a quadrinhos, não me lembro deste detalhe. Dick Tracy, para mim, foi um filme com um homem que já foi o objeto de desejo de muitas mulheres lindas e famosas, e de outras sem beleza e fama, também. Warren Beaty! Quem se lembra dele ainda? Quem ainda pode imaginar o ideal de beleza que ele representou? Sic transit gloria mundi… Peter O'Toole,  Robert Redford, Alan Delon, – a impressão que tenho é de que só os feios escapam. Por alguma misericórdia, os feios se tornam atraentes, alguns até melhoram. Jean Paul Belmondo, por exemplo. Yves Montand, não sou muito boa de nomes, vocês bem sabem. Abro aqui um parênteses para lastimar a beleza do Cauã Reymond, que provavelmente vai desaparecer e deixar as jovens de agora, no futuro, com essa mesma sensação de perda que sinto agora. Volto ao assunto da memória, sob o domínio da qual vivemos: O aparelhinho que o personagem dos quadrinhos levava no pulso seria semelhante a um celular de hoje, que podemos levar amarrado no pulso. Só que estes celulares são um dos principais causadores de nossa perda de memória: como, em seus chips, armazenamos todas as nossas pequenas lembranças e identidades (senhas, números de telefones, endereços dos amigos, datas de aniversário dos parentes, vencimento de contas, compromissos assumidos) cada vez esquecemos mais. Logo, vivemos menos.
Enquanto vivemos, no entanto, usamos nossos idiomas para nos expressarmos, e aí é que entra a crônica do Ubaldo. Como estamos nos esquecendo de tudo, até das regras de nossa própria língua esquecemos e vamos adotando, com uma total falta de critério, tudo o que a "globalização" nos impõe.
Paralimpíadas é a mãe, diz ele.  Desse jeito vamos todos acabar como os vira-latas do Nelson… Mas, como não existe uma versão de complexo de vira-latas nos chips do nosso celular, a gente nem sabe o que é isso, e dá de ombros, sem entender bem o que é que esse tal de cronista quer dizer. E é por isso que, talvez, ao fim de suas crônicas sempre apareça uma identificação por escrito "João Ubaldo Ribeiro é escritor".  Por que será que o mesmo não ocorre com o Veríssimo? Talvez porque esse tenha deixado de ser gente e agora seja apenas uma grife. Volta e meia me aparecem com um texto que dizem ser dele. Textos que eu sei que não são, porque atacam assuntos que ele defende, ou porque são de uma qualidade muito baixa. Isso é o que me diz a memória que ainda guardo de outros tempos. Mas as maquininhas atestam a autoria. O melhor é abanar o rabinho e sorrir latindo como dizia… quem, mesmo? Talvez o São Google saiba!

Friday, September 07, 2012

Possível cenário

Meu amado, hoje eu te chamaria para passear pelas ruas deste Rio enevoado, que misteriosamente esconde suas ilhas e propõe que olhemos para a terra firme. Tomaria tua mão e te levaria a lugares que não costumamos frequentar, à procura de obras de arte semeadas pela cidade, para ver se nossos olhares amorosos as ajudariam a germinar. Com passos despreocupados, quase de dança, relembraríamos o encanto do ballet de ontem à noite. E sorriríamos juntos, no mistério das lembranças compartilhadas. Você e eu, cansados de andar, faríamos uma pausa para tomar uma água de coco e conversar à sombra. Sim, eu sei que você ia preferir uma cerveja gelada, mas o sonho é meu e eu te ofereço algo saudável e natural, cuidando de teu corpo imaterial. Depois, de mãos dadas, quem sabe escolheríamos um museu, onde pudéssemos ver ainda um pouco mais de arte, quem sabe uma livraria, onde você adorava me levar para observar-me, sádico, estorcendo-me nas garras do vício da leitura. Saltando de livro em livro, estonteada, folheando, separando, gemendo a dor de não conseguir ler todos, só encontraria sossego depois que você, com habilidade, me ajudasse a escolher algum livro que acabaria entre nós, na cama, ao fim do dia. Mas a esta hora já teríamos fome, e iríamos almoçar, longe ou perto. A comida seria boa, suave, e nossos olhos satisfeitos, brilhariam de prazer e alegria por estarmos ali juntos, desfrutando a calma do feriado. Iríamos a um cinema, depois. Um filme francês ou português, para usufruir dos festivais. Depois, um café, quentinho, e a nossa interminável conversa seria sobre o filme e a estranheza das imagens ou o intrincado da história, ou a graça das imagens e a força dos personagens. Vamos para casa? Um de nós dois perguntaria, e o outro não conseguiria apagar o brilho malicioso do olhar. Vamos! Você escolheria uma música para preencher a penumbra. Talvez tomássemos um vinho, talvez não. Mas nós nos beijaríamos muitas e muitas vezes. E eu lembraria de uma coisa urgentíssima para te dizer: Te amo, sabia?

Tuesday, September 04, 2012

Ticket to ride

Minha amiga me escreve perguntando sobre um ensaio que eu, supostamente, teria escrito sobre o envelhecimento. Como um dos problemas de envelhecer é o esquecimento, achei que tinha esquecido o que havia escrito e fui procurar, indagar, pesquisar. Não escrevi sobre o assunto, respiro aliviada. Mas resolvo escrever, pois percebo que envelhecer é viver. Só envelhecemos porque temos em mãos o "bilhete de ida", embarcamos na vida e o preço da passagem é esse: o desgaste lento, constante, progressivo.
Já começamos a envelhecer ao nascer? Não sei se é exagero afirmar isso, mas, sem dúvida, já começamos ali com as perdas. Perdemos a união, nos destacamos, e vamos perdendo cabelos, células epiteliais, saliva. Vamos perdendo a graça, perdendo o medo, isso para não mencionar os números incontáveis de chupetas, de sapatos, de touquinhas, de fragmentos que viram coleção de algumas mães: os dentinhos de leite, os cachinhos de cabelo etc.
Perdemos a inocência, perdemos as esperanças, perdemos as estribeiras, perdemos a fé, perdemos amores, mas conservamos algo: nosso bilhete de ida, que seguramos, descuidados e despreocupados a princípio, e que depois agarramos com zelo e atenção. Quando mais se aproxima a estação do desembarque, menos queremos saltar, acostumados que vamos ficando à viagem. Este é um dos males do envelhecer: como só o que conhecemos é a vida, passamos a nos apegar a ela, mesmo quando já não é mais essas coisas.
E, por um capricho do destino, a meio caminho muitos mudam sua posição no veículo. Ao invés de se postarem virados para a frente, e para o caminho que ainda virá, algumas pessoas insistem em se sentar olhando para trás, para o que se distancia em velocidade sempre crescente. Pois o trem da vida está sempre acelerando e os dias, que eram longos na infância, se minimizam e agrupam em semanas e meses cada vez mais fugazes.
Algumas pessoas, tardiamente, resolvem desacelerar o envelhecimento. Acreditam que exista uma idade mental e uma idade corporal, que algumas pessoas podem se conservar jovens toda a vida. E querem ter a aparência de 20 ao chegarem aos 30. E de 30 ao chegarem aos 40. E querem continuar com a aparência de 30 aos 50, 60, 70… E querem continuar pensando como aos 30, mesmo quando já estão na casa dos 80. E pensar não é nada. Querem aparentar, pensar, se vestir e se comportar como alguém de 30 para sempre. E, para isso, se mutilam, se cortam e recortam, malham em academias, esquecem da família, repudiam amigos doentes, adotam filosofias.
Percebo que estou escrevendo estas coisas de fora, como se eu estivesse fora da ciranda. Mas estou lá. Nesta dança macabra, sou aquela caveirinha ali, de peruca rala e óculos de leitura, sorridente, achando que encontrei a fórmula do Shangri-la entre as páginas de um livro.
Meu bilhete de ida já tem o nome da estação de desembarque, mas ainda não posso lê-lo. No meu rosto não consigo ver o que todos os outros já veem, sem muito esforço: a decadência. Como diz meu amigo querido, "O espelho só me ensina a ruína do desejo.
                Sei que é meu este olhar em que eu não mais me vejo."
Eu não vejo, mas os outros sim. Veem aquela que sou agora e que pensa que ainda é de outrora.
Está na hora de saltar deste trem…

Saturday, August 25, 2012

Sem gana que eu gosto…

Acordar sem gana de viver. Decidir passar o dia na cama, esperando a manhã seguinte. Pode isso, com um dia como esse, uma paisagem como essa? Se eu fosse finlandesa, ou russa, ou sami, aposto que uma coisa dessas não aconteceria comigo num dia de sol. Na verdade, lembro-se de minha surpresa ao visitar a Rússia e, naqueles dias intermináveis (e frios) de verão, me surpreender ao ver os bebês passeando com seus pais e irmãos às 11 horas da noite, quando o sol ainda estava iluminando as ruas. A guia, que adorava contar as histórias dos príncipes e czares que tinham morrido estrannnngulados, é que se admirou com minha surpresa: "Quando é que eles vão conseguir apanhar sol, se não aproveitarem o verão?!" Daí que, mesmo sendo inverno, conformadamente me levanto da cama, leio os jornais e agora dou uma passadinha aqui antes de me vestir para ir à praia. Sim, cumprirei meu dever de boa finlandesa/carioca e irei desfilar o maiô novo pela praia. Se o Guilherme estivesse aqui, ia perguntar: Maiô novo? Mas você quase nem usou o do verão! E sorriria com a minha resposta: Este estava tão florido, parecia um buquê, e não resisti. E então eu desfilaria satisfeita, banhando-me no sol do sorriso dele, e criaria coragem para mostrar que também comprei uma saída nova, pois era muito chique. E lá iríamos nós, não para a praia, mas para o barco, o reino encantado que me transformava em sereia e a ele em Posídon. Vejam como é possível passar do mais completo desânimo ao entusiasmo. Aliás, não sei se os leitores sabem o que significa entusiasmo, em suas origens. Numa etimologia mambembe revelo que é possuir um deus interior. Acho que é verdade. Despertei o deus interior e a alma voltou. E agora vamos os três passear. Usando bastante protetor solar, é claro!

Monday, August 13, 2012

Fim de festa

Acabou. Já não temos mais Olimpíadas em Londres, agora o Rio é que já é cidade olímpica. Não assisti aos jogos, não vi TV esta semana, com as retinas queimadas pela minha própria imagem na TV Senado, no programa homenageando o Antônio Carlos Secchin feito pelo Maurício Melo Jr.
Odeio me ver na TV, detesto minha voz, tenho vergonha de minha imagem. Creio que isso se deve à minha timidez, reajo muito mal a posições de destaque, e estou tão encabulada que sumi. Não apareço por aí, não tenho saído de casa, a não ser para as coisas mais urgentes, e esta semana foi cheia de coisas urgentes. Festas de aniversários – e não estou errando no plural: é que foram várias festas e vários aniversários. Velório de amigo querido, aula nova no Midrash, tantas coisas, tantas… E tudo o que eu desejava era ficar escondida debaixo da cama, esperando que tudo passasse e que eu mesma me esquecesse de que tinha me visto na TV. Não consegui rever o programa, apesar de ter sido re-exibido no sábado e no domingo.  Neste próximo sábado e domingo vai voltar a aparecer na TV e depois creio que poderei voltar a viver um pouco menos escondida. Por enquanto, não contem comigo para andar pela praia, passear pelas ruas do Leblon, visitar exposições e ir ao cinema. Fico em casa, lendo. Mas tenho que aparecer na Bienal. Vou para SP na terça, mediar a mesa do SESC e na quarta vou ao espaço de leitura infantil para ler A cobra e a corda.
Ontem não resisti e fui ao Municipal assistir o Neschling regendo a OSI (Orquestra da Suíca Italiana). Deslumbrante. Ele ficou tão emocionado que chorou, as lágrimas correram soltas pelo seu rosto, mostrando bem a emoção que o entusiasmo do público lhe causou. A interação entre maestro e orquestra foi muito espontânea, todos pareciam estar fazendo música com prazer. Eu confesso que esperava um pessoal mais "burocrático" com aquele espírito de relógio perfeito em seu funcionamento, mas sem mais animação, e fiquei agradavelmente surpreendida. Por algumas horinhas me esqueci de mim mesma. Ô coisa boa, esquecer que a gente existe!…

Saturday, August 11, 2012

Dia dos pais

Amanhã é dia dos Pais.
Nem ia falar nisso se não estivesse conversando com uma amiga, outro dia, sobre as novas famílias: com múltiplos pais e mães, por diferentes razões. Nem sempre isso acontece por conta da orientação sexual, mas por casamentos desfeitos e refeitos ou situações bem tristes de perdas familiares quando irmãs e amigas, pessoas mais próximas, se acomodam e incorporam os filhos de vizinhos, os netos, os sobrinhos, etc.
Conheço uma família de três irmãs, e apenas uma delas teve uma única filha. Essa menina passou a ser filha das três irmãs, pois o pai da menina morreu muito cedo. Uma das irmãs nunca se casou, a outra está casada até hoje, mas seu marido é um artista razoavelmente famoso, passa muito tempo fora do Brasil, apresentando seus filmes em festivais. Mas ele gosta da menina, e sempre que pode leva-a com as três "mães" para viagens encantadoras a Disney ou a resorts deslumbrantes.
Tudo o que essa menina quer, ela obtém. Tudo que ela diz, é motivo de encantamento para as suas "mães", ela cresce, linda e saudável, esbanjando auto confiança. Mas ela não é uma menina feliz. Não tem amigas de sua idade, por exemplo. Ninguém vai com ela ao teatro ou ao cinema, e ela não vai a festas de aniversários, pois sempre tem algum programa maravilhoso para fazer com alguma de suas "mães": um dia vai andar de balão com a mãe 1, no outro vai à noite ao ballet com a mãe 2, depois de passar o dia com a mãe três numa visita guiada ao Jardim Botânico em que o guia é nada menos que o ministro da Agricultura ou seu equivalente…
Amanhã as três mães estão competindo para fazer coisas mirabolantes, para que ela não note a ausência de seu pai, e do tio, que está montando uma exposição no Kwait...
Talvez de noite, escondida, ela chore baixinho, escondendo o rosto no travesseiro, imaginando como sua vida seria mais divertida se seu pai estivesse vivo e ela tivesse tempo para brincar com as outras crianças.
E também me lembro do caso de meu amigo, que morreu nas vésperas do dia dos Pais, deixando uma ausência insuportável. Sei como é isso. Quando meu marido se foi, eu não suportava reunir a família, pois era quando a ausência dele se fazia mais notável. Passei alguns anos fugindo de Natais e aniversários, dia das mães e dia dos pais, com o coração em carne viva. Mudei? Não, continuo tentando me esquivar, embora agora esteja mais forte para poder estar presente sem ele nas festas. Afinal, não é justo com meus filhos deixá-los sozinhos tendo que lidar com suas perdas. E vou, reúno e faço questão de mostrar que o pai muito amado está em nossas lembranças, em uma expressão de um de seus filhos, mas, sobretudo, no carinho e no cuidado enorme que fazem de meus filhos extraordinários pais e mães. Isso eles aprenderam e herdaram do pai.
Mas, quem nunca teve pai, teve que ser "pai" de si mesmo. Cuidar-se. Fortificar-se. É para essas pessoas que não conheceram seus pais, ou que tiveram pais ausentes, que desejo um Feliz Dia. Sejam fortes. Sejam compassivos consigo mesmos. E aceitem-se como os heróis que são. Heróis porque sabem perdoar.

Sunday, August 05, 2012

TV ou não TV

Há tanto tempo sem ligar, descubro que minha televisão não liga mais. Queimou? Suicidou-se? Eu nem sabia, e ficaria sem saber se não fossem os filhos que chegam e mexem em tudo. Remexem. Reviram. Depois dão uma "ajeitadinha" e se vão, me deixando com um sorriso bobo no rosto. E a casa totalmente desarrumada. Não ligo. Nem arrumo, pois seria como esticar os lençois logo depois de se fazer amor. A gente quer as marcas, só mais um tempinho, para olhar e sorrir, lembrando do que acabou de ocorrer. Os jornais espalhados, a geladeira cheia de guloseimas, as taças de vinho para mais um brinde bobo qualquer. Meus sapatos que ficaram pela sala, junto aos jornais, misturados de ontem e de hoje, quase sem ler. Proponho um cineminha, mas eles não querem: Não tem nada passando, me informam. Eu sorrio, sabendo bem a tradução… eles não querem ver os filmes em exibição, seja porque já viram, seja porque já marcaram com amigos e irão outro dia. Depois debandam. Hoje é dia de futebol, o tempo ficou meio feio, já até choveu muito. Agora esfriou e, de barriga cheia, eles se espalham deitam, rearranjam móveis e perguntam da prateleira que ainda não mandei fazer, do ar condicionado que preciso revisar, da pintura, da mesa, dos detalhes que me esqueço de providenciar. Olhares críticos, atentos, certificando-se de que ainda podem mandar e exigir coisas aqui em casa.  Você mudou de lugar as taças? se espantam. Mas eles é que esqueceram o lugar de sempre, e ficam meio assustados com isso. De repente se dão conta de que o tempo passa e de que eu estou cada vez um pouco mais distante. Qualquer hora dessas eles são capazes de chegar aqui e não me encontrar mais. Ou de encontrar uma mãe diferente daquela que eles carregam em suas lembranças. Cada vez que aparecem, fazem questão de olhar as fotos e comentá-las, como se com isso se reassegurassem de que ainda sou aquela das fotos, aquela menina de 20 anos segurando um bebê no colo, a de 24 com os três filhos no colo, todos sorridentes, todos impacientes por sair do congelamento do instante e voltar a brincar de viver. E sempre se admiram de que o Ivan ainda não estivesse ali com eles. Como se estivéssemos sempre presentes, sempre todos juntos mesmo ainda antes de existirmos, e muito depois que todos desaparecermos. E todos curtem as lembranças. A casa de Angra. O mar. O barco. E sonham com o passado, pensando no futuro. E eu me despeço. Aos poucos. Sem que eles percebam. Vão, vocês podem seguir em frente, não precisam parar. É essa a vida, e eu fico feliz por sentir que, mesmo daqui a muito tempo, eles vão sentir, na visita de seus filhos, adultos, a doçura que eu sinto ao recebê-los aqui. Mesmo que seja apenas para me anunciar que não tenho mais TV…

Sunday, July 29, 2012

A virada

Estou lendo o Stephen Greenblatt e de repente me vejo roída de inveja. Inveja? Que coisa feia, D. Lúcia, que sentimento horrível, a ser evitado! – dizem as vozes internalizadas de censura. Dou de ombros. Não estou nem aí. Esta inveja que me acomete é legítima, tem toda a razão de ser.  Ela tomou conta de mim quando li o trecho que fala da conquista da Macedônia feita por Emílio (será esse mesmo o nome?) e do Rei Perseu (deste nome estou segura, é mitológico) um descendente de Felipe e de Alexandre. O autor diz que de acordo com a "cleptocracia"(termo que adorei) romana, o vencido Perseu foi mandado junto a fabulosos tesouros, num navio para Roma. Após o desfile, o butin iria para o SPQR – Senatus PopulusQue Romano – mas o general tinha reservado para si mesmo uma parte dos despojos: uma biblioteca! Foi aí que a inveja me atacou. Não do fato do Emílio ter ficado com a biblioteca, mas do prestígio que uma biblioteca tinha naqueles tempos romanos. Tá certo, eles ainda não tinham eletricidade, não conheciam a penicilina nem a anestesia, seus colchões não eram de molas, mas, apesar de tudo, os romanos sabiam valorizar uma biblioteca. Era chique ser dono de uma. E, por muitos anos, Roma foi expandindo suas fronteiras e seu amor aos livros, semeando bibliotecas públicas por onde se estendesse o poderio de seus exércitos. Augusto só ele, mantinha duas bibliotecas públicas, a Otaviana e a Palatina.  Embora tivessem copiado a ideia dos gregos, eles a ampliaram, multiplicaram, e até bolaram cadeiras confortáveis e maneiras práticas de ler e enrolar os manuscritos.
Fico eu aqui com uma inveja boa, sonhando com uma cidade em que, quanto mais poderoso, mais o indivíduo se sentia compelido a ler, a estudar e a discutir o conhecimento. Retorna, Roma! Voltem, livros, a ser o objeto de cobiça, a razão do desejo!… E, já que estou nessa de pedir benesses ao universo e seus átomos, eles bem que podiam dar uma virada repentina e me transformar na Isis Valverde. Linda, simpática e, descubro eu, filósofa! Acho quem nem Epicuro sonhou com uma coisa dessas. E me despeço, invocando, sonene: Ó átomos! Virai-vos! Sacudi-vos! Ponde alguma azeitona em minha empada!…                                                                                                                              

Friday, July 27, 2012

Eu é um outro

Fui ao Rimbaud, ontem à noite, e gostei.
Dividido em 3 partes, mas as três funcionando juntas, ainda comporta um 4º nível, no qual os atores dialogam com a plateia e entre si.
Temos uma vida, bem simplificada, de Arthur, com destaque para alguns poemas e o caso com Verlaine. Um episódio, verídico, que retrata a censura à publicação de Uma temporada no inferno, por represália ao Ênio, que na peça é chamado de Henrique. E um caso passado na França de 2005, o caso Thierry, homossexual abandonado pelo parceiro e que dá guarita a um jovem de origem argelina, que entra em sua casa para roubar 90 euros. E as discussões entre os atores e a plateia, e um inflamado manifesto pela educação. O que costura os episódios? Num dos casos, a censura, noutro o homossexualismo? Seria tão simples assim? Fiquei achando que perdi alguma coisa…
Gostei muito dos atores e em certos momentos achei o jovem Rimbaud muito bom. Ele peca por ser muito simpático, no entanto. Rimbaud provocava, exasperava, obrigava todo o mundo a reagir. O que a gente não entende é quando ele fica quieto. Pois esse comportamento irritante inicial é muito similar aos jovens com algum tipo de distúrbio mental, que insistem, invadem, perturbam nosso cotidiano. Quem já teve um parente ou amigo com um determinado tipo de depressão, dessa que exige um público para sua infelicidade agressiva, sabe o que estou falando. Nem sei se o nome certo é depressão, para este tipo de doença, mas sei que existe e que leva as pessoas a fazerem bobagens, como geralmente se diz. A jovem que engravida, por exemplo, e que é forçada pelos pais a abortar, e depois foge de casa, vai viver numa comunidade hippie, se droga, anda com gente "abaixo de sua classe social", escuta rock, é presa, etc (essa é a descrição de uma personagem secundária do romance Serena, do Ian MacEwan, que estou lendo). Os roqueiros como Jim Morrison seguem este padrão. Viver no limite, afrontar costumes burgueses, experimentar outros níveis de realidade. E insuflar lendas. Alguns acreditam que Morrison não morreu e desapareceu numa vida misteriosa. Claro que, depois de dez anos de sumiço, o Morrison, para fazer juz à lenda, deveria ter voltado para morrer verdadeiramente (de câncer ou de AIDS) e provocar pena e lágrimas e muitos mea-culpas. Pelos vistos, o sonho acabou mesmo em 81…
Volto à peça. Minha amiga me perguntou: Por que é que Rimbaud está na moda? Será que é uma questão de moda? Ou atemporalidade? Personificar os tormentos e as incompreensões, a arrogância da juventude com sua vida até os 19 e depois personificar o arrependimento, a aceitação, a conformidade da vida madura? Ou, no enigmático silêncio, salvar-nos a todos da mediocridade?
Sei lá. O que me atrai nele é a injustiça divina. A punição e o aniquilamento implacável, seu sofrimento de oferenda, inimaginável.
Bem, volto ao trabalho.

Tuesday, July 24, 2012

Adiamentos

A peça do Rimbaud ficou para quinta-feira. Os filmes vão ter que esperar. Aulas de piano? Estou de férias, mas ainda preciso estudar. Os planos de viagem? Encaminhados. No fim de semana retomo. O romance? Volto ao Rimbaud, cheia de encantamento.
Poesia? Sempre, mas só curtindo, de longe. Prosa? Não, estonteada de sono, pois as preocupações têm me mantido acordada. Novela? Eu não. Romance do Ian MacEwan, e uma pilha de outros à espera.
Tempo? Escasso. Aulas? A preparar. E o mar lá fora? Lindo, e me chama, mas preciso resistir. Facebook? uma só vez por dia, rapidinho. Música? Não, uma tacinha de vinho Malbec, delicioso. Coisas para fazer? Um milhão, mas esqueci.
Sim, um autorretrato singelo e sincero.

Sunday, July 22, 2012

Déficit de atenção

Será que depois de uma certa idade a gente pode desenvolver déficit de atenção? Ou isso é coisa que só criança de colégio tem, para justificar as notas baixas e o comportamento ruim?
Fui criada com rigor vitoriano, o que significa dizer que eu existia para ser corrigida. E como eu era imperfeita! Entre castigos e tabefes para meu aperfeiçoamento, me lembro de ter ido uma vez ao parque da esquina, andar de patins, onde, por absoluta falta de prática, ou pela falta de manutenção do espaço que exibia rachaduras no cimento, levei um tombo que me fez expelir todo o ar dos pulmões. Horrível, pois a gente não consegue enchê-los de volta, parece um afogamento a seco. O pior é que, em vez de chorar assustada e procurar o consolo dos "mais velhos", como se dizia na época, ou dos adultos, como se diz hoje, tratei foi de esconder o tombo e o pavor, para não ser castigada e nunca mais voltar ao parque, onde já era raro ir mesmo sem acidentes.
Para mim a vida era "estudar"; infelizmente, não era muito afeita a essa atividade. Me diziam que fosse estudar e, como não eram obedecidos, me levavam para meu quarto e me deixavam trancada até que eu fizesse a lição de matemática. Algumas vezes, chorava e batia na porta, implorando por liberdade. Outras, já mais esperta, ficava lá dentro brincando com lápis, apontadores e borrachas. Fazia ponta nos lápis e com as aparas de madeira, fazia um guardarroupa (é assim, agora?) de sainhas de boneca. Com a borracha, que era uma rodinha com um pincel, modelo hoje desaparecido,  "apagava" a mesa, que era a casa das bonecas. A ação gerava uma série de filamentos, a "sujeira", que devia ser varrida, cuidadosamente, para que o baile pudesse começar. Depois de tudo pronto, as sainhas, que agora faziam as vezes de princesas completas, rodopiavam no baile, em volta do príncipe, que podia ser o apontador, ou o próprio lápis, reduzido a um pequeno cotoco, não muito maior que as tais saias. Depois de algumas horas, vinham me libertar, e pasmavam por ver que eu ainda não tinha feito nem sequer uma conta. É um verdadeiro milagre que eu tenha aprendido as 4 operações. Ninguém me disse que eu tinha déficit de atenção, eu era apenas preguiçosa, nos melhores dias, burra nos piores.
Hoje, porém, acho que estou ficando com o tal déficit. Ou, como eu prefiro chamar, com síndrome de borboleta. Me rodeio com tantos projetos atraentes que depois não sei qual escolher. Tenho dois, não, três romances começados. Ou melhor, três romances e uma autobiografia cômica. Tenho dois livros infantis também começados. Um curso em andamento. Outro curso prestes a começar, sobre Jorge Amado, de quem nem sou muito íntima. Tenho três palestras para preparar, um monte, não uma montanha de livros para ler, peças de teatro para assistir, aulas de piano, uma família, cinema, TV, concertos, ballets, óperas, jornais… E o meu dia continua com 24 horas, apenas. E o blog, e o facebook, e os joguinhos de paciência, e o imeio, e o celular, e a família … Apenas 24 horas. E as viagens, e Angra, e o mar…A semana só tem 7 dias e os meses, em sua maioria, 31 dias. Tudo isso, e ainda todos os sonhos do mundo… OK. Vou tentar trabalhar. Mas o mar está tão azul, e hoje é domingo, dia de família, e preciso de acertar os detalhes de minha viagem a Poitiers, e tem uma peça sobre Rimbaud que quero assistir, mas, se for à peça, não vou poder ir ao…
Tchau! Fui!

Friday, July 20, 2012

R$ 212,00

Fiquei chocada.
Eu não sabia, e não queria saber.
Todas as horas passadas aqui em frente ao computador, todas as tentativas e erros, horas e horas de minha vida, pensamentos e divagações sem fim, fotos, sonhos, viagens… Minha vida, enfim, foi avaliada em meros R$ 212,00.
Será que tudo tem preço?
Ou peso? Quem se lembra do filme 21 gramas, falando do peso da alma?
Quem se lembra de quantificar a vida?
Pois respondo com o poeta:
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." (A.C.)

E, por isso mesmo, não vou deixar que um Esteves sem metafísica venha atrapalhar o meu sonho.
Eu o saúdo, caio na real por um instante, mas depois me lembro que não importa. O Esteves nem vai saber que sobrevive graças a um verso qualquer, citado num blog que ele avaliou como uma ninharia.
Sorrio, com a superioridade do artista desconhecido, mas sonhador.

ABL

Estive lá hoje, na premiação do querido Alberto Mussa pelo seu O senhor do lado esquerdo. Feliz por ele, feliz pela Elaine, feliz por estar entre amigos. O prêmio de poesia foi para o Manuel de Barros. O de roteiro foi para o Marcelo Rubens Paiva, cujo Feliz Ano Velho até hoje me comove. Mas ele ganhou foi por ter roteirizado Malu de bicicleta, seu próprio romance. O de tradução foi para um colega da UFRJ, o Rubens Figueiredo. O de ensaio foi para um autor do Maranhão, falando sobre a Atenas brasileira. Pelo parecer, descubro que Gonçalves Dias era um dos atenienses. Vejam que continuo resistindo à tentação de falar de poesia, mas é um esforço, visto que o prêmio da literatura infantil foi para Marisa Lajolo com seu livro sobre a vida de … Gonçalves Dias! Vejo que o poeta, que chamei de demodé, está mais na moda do que nunca. Fico feliz por mais essa razão. Teve um prêmio para um historiador, também. E discursos, muitos discursos. Ana Maria Machado abriu a sessão lendo o discurso de Machado de Assis por ocasião da fundação da Academia. Pudera! Estavam comemorando os 119 anos de sua fundação. Depois um dos acadêmicos contou em detalhes a história da academia. Fundiu Machado com Nabuco e falou em Machuco. Outro falou da obra de Dalton Trevisan, pois este recebeu o prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Os acadêmicos liam os pareceres para cada categoria e depois entregavam o diploma aos vencedores calados e emocionados autores.  A sobremesa, porém, foi o discurso enviado pelo Dalton Trevisan, em agradecimento. Delicioso, ele retirou as personagens dos romances do "bruxo do Cosme Velho", levando-as todas para a fria Curitiba e transformando-as em vampirescas criações, com uma mistura de humor e amor que nos encantou a todos. Os elogios se multiplicaram e foram sendo ecoados pelos salões e ruas, até chegar ao Vilarino, onde parei para fazer um brinde ao Mussa, que ele merece.

Thursday, July 19, 2012

Veríssimo, hoje.

Será que está havendo uma conspiração universal para impedir que eu pare de falar de poesia? Muito mau gosto do Universo, mas sou uma peixinha gulosa, mordo qualquer isca que me atirem…
A crônica do Veríssimo está primorosa, mas remete ao poema de Dylan Thomas, e também ao tema de meus pensamentos da noite passada: a morte. No entanto, antes de falar nisso, como fui assistir à palestra do Ubaldo na terça, mordi outra isca, a da digressão. Sendo assim, aproveito para me desviar do caminho e passar, antes de tudo, na casa de uma amiga gaúcha, na Gávea. Fomos almoçar por lá, comemorando seu aniversário. E, para combinar, falamos de Veríssimo, o pai deste que aí está, e de seus romances maravilhosos, de seus personagens encantadores. Confesso aqui que fui apaixonada por Rodrigo Cambará, não o capitão Rodrigo, mas o Rodrigo urbano e imperfeito. Mas isso foi há tanto tempo que já não sei bem porque eu preferia este ao heróico e pirotécnico capitão. Vou me conter e não embarcarei na palavra pirotécnico, que me levaria ao Zacarias e às leituras feitas na universidade. Continuo no Veríssimo, que li menina. Naqueles tempos a gente graduava de Monteiro Lobato e ia diretamente para Alencares, Machados, Veríssimos e o que mais houvesse na biblioteca dos nossos pais.  Era essa a conversa do grupinho de convivas, sobre leituras juvenis. Fico tentando me lembrar das obras e autores que me chamaram mais a atenção. A cada hora lembro de um, esqueço outro.  Sei que li muitos poemas, por causa de minha tia, que se dizia "declamadora". E ela me obrigava a decorar os poemas e a recitá-los no próximo domingo, mas nunca cheguei a alcançar a perfeição que ela almejava. Os poemas eram aquilo que os americanos chamam de "cute" e deveriam ser ditos – ou declamados – com trejeitos que hoje reconheço nas minhas idas a alguns eventos no NE, onde as pessoas ainda leem e recitam poemas. Essa nega Fulô, do Jorge de Lima, por exemplo, precisa ser interpretado com gestos amplos, paradas, suspiros e gemidos. Claro que minha timidez de filha única e de menina sem auto-estima me fazia mastigar as palavras, engolir frases e isso acarretava reprimendas e correções que contribuíam ainda mais para minha insegurança. Não foram poucos os poemas que terminei com lágrimas verdadeiras escorrendo pelo rosto. Resultado: nunca mais decorei um poema. Sou incapaz. Sei um ou outro verso: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada", por exemplo. Por isso recorro ao copiar e colar, milagre que o São Google , por enquanto, ainda não se nega a fazer. Antes eu ia até os livros, copiava só os versos que me interessavam, preguiçosa. Agora posto aqui o poema todo do Dylan, Do not go gentle into that good night.

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on that sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light. 
Tímida, não ousei criar um caso ontem à noite, quando a luz se apagou. Nem sequer permiti que minhas lágrimas rolassem no escuro. Soltei um lamento, uma frase no Facebook. Depois fechei os 
olhos e tentei dormir, ainda vestida.

Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.



Não lembrei do Dylan Thomas, mas sobrevivi à loucura e à pequena amostra da morte oferecida pela falta de luz no meu prédio.  De olhos fechados, como se o escuro fosse minha escolha, embarquei no barco ébrio de enredos possíveis, de narrativas passadas, e, quando vi, estava acordando hoje de manhã neste dia cinzento, e com um interlocutor, Veríssimo, que me emocionou. Também encontrei mensagens de amigos que leram meu lamento no Facebook e me consolaram. E agora tenho aula de piano, o que demonstra minhas acentuadas tendências sadomasoquistas… Mas um dia tocarei o Concerto de Tchailowsky sem muitos erros, e me sentirei realizada. 
Apago o que acabo de escrever sobre epitáfios e quetais. Hoje é dia de festa. 19 de julho de 1970 - 19 de julho de 2012… Though lovers be lost love shall not. E eu saúdo o amor, não no pretérito, sempre presente. Plus, encore! À vida! Death shall have no dominion.

Tuesday, July 17, 2012

Falha de leitura.

Não ia mais falar de poesia, mas eis que a Celina me telefona ontem. Sua antologia ainda está ao meu lado e é natural que, depois de trabalhos e assuntos vários, a conversa se encaminhe para comentários sobre a obra. Ela cita os versos iniciais do soneto do Secchin, que a assombram:

Revejo a luz gelada de manhãs perdidas
e os sonhos que eu mandei para o endereço errado.

Qual de nós não mandou ao menos um sonho para o endereço errado? Ou não recebeu um sonho que não lhe pertencia de direito? Mas se à Celina chamou atenção o "endereço errado", fiquei encantada com "a luz gelada de manhãs perdidas". Essa inusitada luz, que rege todo o soneto e que desapropria o lugar dos sonhos, não mais reclusos no sono, tornando-os conscientes, voluntários e por isso mesmo mais dolorosos, é antecedida pelo verbo rever, no presente. Sísifo, suspeito. E julgo ter acertado quando, ao final, um outro verso vem surpreender-nos: "rolando sem parar pela memória acima."

Adoro o poema, mas a estudante de literatura cede lugar à amiga, que fica refletindo em coisas paralelas, tais como a multiplicidade destas sombras à beira do quarto: fantasmas ferozes, com desdenhosas garras de rapina. Imagino meu amigo, tão contido, tão discreto, homem do silêncio farto,  em confronto com esse poeta, todo sentimento, incapaz de parar de amar, colocando sonhos em garrafas que ele atira pelos bordos de seu barco sóbrio e que não se dissipam nem flutuam para longe, encravadas no lodo seco que paralisa sua viagem. Um soneto de amores passados, de amores infelizes que se repetem mesmo que só memória acima. Na luz gelada do espelho, sua lição é amarga, embora o olhar ainda seja seu ele não pode se rever. Só encontra a luz gelada de manhãs perdidas.

Quem fala aqui? A leitora, falhada, de poesia? A amiga? Sem dúvida a amiga, que se preocupa ao notar os signos de dor, sofrimento e por sentir, em sintonia, a ferocidade das emoções. À leitora treinada não caberia preocupar-se com os motivos do poema, pois ela saberia que o poeta é um fingidor, e que o leitor só poderá conhecer a sua própria dor.

Celina me desqualifica, diz que não mandei sonhos para o endereço errado. Mas talvez tudo tenha sido obra do acaso. Talvez eu tenha jogado minha garrafinha sem endereçá-la, e ela tenha alcançado a praia correta, de águas amnióticas, que me tenha ajudado a renascer. Mas nem por isso deixo de ter fantasmas que me venham revisitar. Na luz gelada das manhãs, tudo se materializa.

Eu disse, eu avisei. Sou péssima leitora de poesia. Mas amo os poemas, pequenas jóias que rebrilham nos cabelos da Sereia Literatura.

Sunday, July 15, 2012

De novo?

Poesia, outra vez?
Mas como não copiar algo do adorável Antônio Gonçalves Dias, autor de poemas inesquecíveis como Leito de folhas verdes, Y-Juca Pirama, Ainda uma vez adeus! e este lindinho, que se pretende ingênuo mas que é todo espertinho, confessando seu amor apesar de não saber o que é amar?


Se te Amo, Não Sei!


Amar! se te amo, não sei.
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Que não sei o que é amar.

Se amar é sonhar contigo,
Se é pensar, velando, em ti,
Se é ter-te n'alma presente
Todo esquecido de mim!

Se é cobiçar-te, querer-te
Como uma bênção dos céus
A ti somente na terra
Como lá em cima a Deus;

Se é dar a vida, o futuro,
Para dizer que te amei:
Amo; porém se te amo
Como oiço dizer, não sei.

Sei que se um gênio bom me aparecesse
E tronos, glórias, ilusões floridas,
E os tesouros da terra me oferecesse
E as riquezas que o mar tem escondidas;

E do outro lado a ti somente, e o gozo
Efêmero e precário e após a morte;
E me dissesse: "Escolhe" oh! jubiloso,
Exclamara, senhor da minha sorte!

"Que tesouro na terra há i que a iguale?
Quero-a mil vezes, de joelhos sim!
Bendita a vida que tal preço vale,
E que merece de acabar assim!"

E aqui fico eu, me perguntando: O que é amar nos dias de hoje? Nos de ontem era essa coisa delicada, essa ansiedade, essa chama alimentada no voraz segredo, provocando medo aos Casimiros ou renúncia aos Antônios. E hoje? Continua chama, mas uma chama controlada, como a do pequeno maçarico que prepara o creme brulé. Pode até queimar, mas todos já manipulam com tanta destreza que é difícil ver-se alguém sofrendo.
Amor, passageiro, fugaz, sem importância? Amor, eterno, profundo, primordial? Será que ainda se sonha, se pensa, se cobiça e se deseja morrer de amor? Ou talvez a satisfação imediata do desejo impeça que o fogo que arde sem se ver vire um incêndio de grandes proporções.
Será que alguém ainda passa suas horas e seus dias nublados esperando que chegue uma mensagem no e-mail, um recado na secretária eletrônica, um torpedo no celular que lhe faça ver o dia sem nuvens e a noite de luar? Ou apenas guardamos meia hora para que o amado entre pela porta dizendo que nos adora e mudando nossas vidas?
Seja como for, se tiver um pouquinho de poesia, o amor valerá a pena! E bendiremos a vida e pagaremos o preço, pois só se quer amar, se quer amar, se quer amar…

Thursday, July 12, 2012

Desejo - Gonçalves Dias

Continuando a veia poética,  lembro de Drummond
O amor bate na porta
O amor bate na aorta…
pois a coletânea organizada pela querida Celina Portocarrero está aqui ao meu lado e me chama, insistente.
Leio poetas de hoje, leio poetas de ontem, decido por Gonçalves Dias, demodé, mas bem amado.

Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;

Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!

Vejam só como o desejo de ontem se apresentava descorporificado. "Um anjo … uma mulher… uma obra tua". A mulher figura entre duas abstrações, se evola em essência, vira uma alma. Fala-se em voo, na amplidão dos ares, em céus. Do desejo do título, sem dúvida, sobra o silêncio. Nele só se pode falar fora do corpo do poema. Mas não sigo adiante. Analisar poemas, com minha falta de tato e elegância, equivale a matar a Mosca azul conforme me ensina Machado:

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.

Calo-me para continuar a desfrutar as emoções. Modernamente, vejo como o amor carnal se apresenta sem véus, direto.  É possível experimentar em nossa própria boca o mastigar de corpos, sentir os cheiros pungentes, o calor de uma neve que, ardente no século XVII, agora umedece as calcinhas de ontem. Viro páginas e me delicio com os ecos de Casimiro. Admiro! Depois me despeço, citando:
Sei que é meu esse olhar em que eu não mais me vejo.
( E cito assim, sem aspas, abraçando o verso com meu texto só para mostrar que desejaria tê-lo escrito).
O remorso do plágio me faz voltar atrás e proclamar que o verso é do poeta Antônio Carlos Secchin.

Monday, July 09, 2012

De Ítaca e outros sofrimentos


ÍTACA 
Konstantinos Kaváfis
(Trad. 
José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca, 
faz votos de que o caminho seja longo, 
repleto de aventuras, repleto de saber. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o colérico Posídon te intimidem; 
eles no teu caminho jamais encontrarás 
se altivo for teu pensamento, se sutil 
emoção teu corpo e teu espírito tocar. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o bravio Posídon hás de ver, 
se tu mesmo não os levares dentro da alma, 
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo. 
Numerosas serão as manhãs de verão 
nas quais, com que prazer, com que alegria, 
tu hás de entrar pela primeira vez um porto 
para correr as lojas dos fenícios 
e belas mercancias adquirir: 
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, 
e perfumes sensuais de toda a espécie, 
quanto houver de aromas deleitosos. 
A muitas cidades do Egito peregrina 
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente. 
Estás predestinado a ali chegar. 
Mas não apresses a viagem nunca. 
Melhor muitos anos levares de jornada 
e fundeares na ilha velho enfim, 
rico de quanto ganhaste no caminho, 
sem esperar riquezas que Ítaca te desse. 
Uma bela viagem deu-te Ítaca. 
Sem ela não te ponhas a caminho. 
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre. 
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, 
e agora sabes o que significam Ítacas.

Pronto! Esta Flip despertou minha veia poética, que andava calada, batendo devagar, "sem alarme", como no poema Áporo de Drummond. Ontem foi Adormecida, do Castro Alves. Hoje é a vez de Kaváfis e de sua Ítaca, um poema maduro, pois só mesmo a vivência nos permite aconselhar a não apressar a viagem.
"Uma bela viagem deu-te Ítaca", diz ele. Olhe a viagem, faz votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras e de saber… Que diferença da fala da jovem Luísa, que confessou que, ao ler Os sofrimentos do jovem Werther (de Goethe), perdeu o interesse logo na página 20. "Ele ia se suicidar, por que demorou tanto"? – perguntou, perplexa. Ora, senhora dona romancista, o final, Ítaca, é sempre pobre. É a jornada para Ítaca que interessa, é a jornada que é a narrativa de que precisamos. E, se a história é a história de um morto, esta é sua única forma de vida…
Depois de ter falado numa das duas sessões em que tive a palavra, uma pessoa da plateia levantou-se e veio me dizer: "Adorei o que você disse. Não sei bem o que foi, mas senti que me tocava". Um outro poema me vem à mente:
"Ora, direis, ouvir estrelas!  
[…]Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
 

Falta-lhe amor, senhora! Ame que me entenderá. Pois o poeta revela:
"Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor".

Amar o quê? Amar a quem? Meras Ítacas, razões para sofrer. Mas é assim, de sofrimento em sofimento, nesta viagem amorosa que nos vem o entendimento… Ou talvez apenas as ilusões…

Sunday, July 08, 2012

Adormecida


Uma noite, eu me lembro... Ela dormia 
Numa rede encostada molemente... 
Quase aberto o roupão... solto o cabelo 
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste 
Exalavam as silvas da campina... 
E ao longe, num pedaço do horizonte, 
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados, 
Indiscretos entravam pela sala, 
E de leve oscilando ao tom das auras, 
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago 
Mesmo em sonhos a moça estremecia... 
Quando ela serenava... a flor beijava-a... 
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante 
Brincavam duas cândidas crianças... 
A brisa, que agitava as folhas verdes, 
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se... 
Mas quando a via despeitada a meio, 
P'ra não zangá-la... sacudia alegre 
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia 
Naquela noite lânguida e sentida: 
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas! 
"Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."

Recém chegada de Paraty e da Flip, não é de estranhar que venha com a cabeça cheia de poesia. Da poesia de Drummond e de retalhos de poesias que a gente vai esquecendo pelo caminho. Tropeço aqui e encontro a lua irônica do poema de sete faces, claudico ali e as mercadorias, melancolias me espreitam e zombam de meu titubear. Entre as pedras do caminho, reconheço versos de João, na luz balão de cada manhã entretecida. No barco ancorado me julgo transportada ao Recife e sorrio nesta Pasárgada que existe para mim e seduziu Manuel.  E mesmo o Shakespeare que se insinuou entre as palestras, metamorfoseia-se nos Tupis or not Tupis que vendem seus artefatos pelas ruas. 
Poetas amados, alguns quase esquecidos, seus poemas me aguardavam nas estantes e agora me surpreendem em sites de pesquisa. Armo minha rede, do jeito que posso, e adormeço minha sede infinita. Bicho da terra, pequeníssimo, entre criaturas me resigno a amar minha falta, minha secura, na cidade que me ilude, e me deslumbra.
Hesito. O corpo veio, a mente se recusa a chegar. Entre o ontem e o hoje a saudade se insinua, se instala e me faz perder o compasso e a ordem gramatical. Ainda há Rimbaud, talvez seja possível resgatar seu barco e partir. Ou deixar-me desfazer no mangue seco, sonhando com as ondas e com as flores do mal, mas… ninguém me chama de Baudelaire, ninguém me quer! E, no entanto, eu me deixo tentar numa rima, numa dissolução. É quase que um delírio, e meu vai e vem me embala e, finalmente, minhas retinas fatigadas desistem de ver o que lá não está.
Adormeço tarde. O sonho chegou primeiro.

Tuesday, July 03, 2012

Felicidade, clandestina?

Depois da postagem anterior, meu tempo se acelerou de tal forma que não tive tempo de passar por aqui. Perdi a chance de falar de tantas coisas que me sucederam e agora a memória fraca e o tempo exíguo deixarão para trás esses assuntos. Vou direto ao ponto, a coluna do Jabor, que fala em felicidade.
Fe-li-ci-da-de, seria assim que os personagens de O amor acontece se refeririam, grifando a palavra, um pouquinho irônicos, dando a entender que sabem que felicidade é utopia, mas nem por isso deixando de, no fundo, acreditar que ela existe e pode ser alcançada. Em meu grupo de leitura falo muito sobre isso, a tal da felicidade, "mercadoria" cuja posse nos torna especiais. O problema é essa questão de ter felicidade, de acreditar que alguém possa nos dar felicidade, ou que possamos comprar a felicidade "escondida" num vestido, numa caixa de bombons, no carro mais possante, na motocicleta brilhante…
Felicidade assim é prazer e o prazer é a satisfação de um desejo. Acontece que, para que exista desejo, é preciso que haja "falta". Não se deseja o que já se tem. Isso está em Lacan, mas antes de estar em Lacan, já estava em Platão. E nos tornamos, assim, insaciáveis. Queixamo-nos dos outros que não nos fazem felizes, mas é impossível que o Outro nos faça felizes, pois somos Hidras famintas, seres de mil bocas desejantes, quando uma é saciada 999 outras clamam por alimento.
Felicidade é processo, então? Uma dinâmica? A máquina que nos faz seguir vivendo e desejando? Aquela cenourinha inalcançada atrás da qual corremos até chegarmos ao ponto de repouso?
O que é a tal da felicidade? Hoje em dia, quando perdemos ideais e a capacidade de renunciar, a felicidade já não chega nem mais à categoria de prazer, perdendo-se no processo quase instantâneo de "gratificação". Descalçamos os sapatos na festa: Ah, que felicidade! Damos uma dentada no chocolate: quanta felicidade! Encontramos lugar para sentar no ônibus: uma verdadeira felicidade! E por aí vai.
Clandestina nos pequenos acontecimentos que atomizam nossa vida, a felicidade se reparte, humilde. Mas nos discursos, ela se apresenta como Felicidade, e, exigente, se diz impossível de alcançar. Escraviza, se coloca sempre num outro patamar e diz aos magros que, se tivessem um corpo mais voluptuoso, seriam felizes. Diz aos gordos que, se fossem mais magros, seriam felizes. Aos de cabelos lisos, sussurra que os cachos lhe dariam felicidade.
Mudo de assunto e penso naquele jogador italiano/ganês, que fez o gol da Itália e tirou a camisa, mostrando um belo corpo. Ele obviamente já não estava feliz naquele momento, pois nunca poderá ser feliz. E, no entanto, naquele momento era o herói de uma nação, exibia um corpo bonito e saudável, estava jogando na seleção, o que significa que faz parte dos melhores jogadores da Itália, tem audácia bastante para exibir um ridículo corte de cabelo. Tudo para ser feliz? Quanto mais se tem, mais difícil fica alcançar essa felicidade…
Melhor aproveitar o dia e dar uma caminhada pela praia. Talvez, no inesperado espetáculo de golfinhos alegres a gente descubra uma felicidade clandestina, mergulhando e rindo de nossas caras angustiadas,
saindo da água, como Vênus, correndo para outro lugar, longe, e nos acenando para segui-la…

Thursday, June 21, 2012

Nel blu di pinto di blu.

E é assim, tudo azul, que o blog vai ficar pelo momento.  O queridíssimo Guilherme, que não perco de vista aqui pela internet, me tranquiliza e diz que se trata da configuração do computador do Ernane. Pelo sim, pelo não, facilito a leitura, embora já tivesse me habituado ao abraço, sempre acolhedor, dos livros. Vai que outro leitor (viram, tenho 2! Posso ter um 3º…) também tem esse problema de configuração?
Beijocas, meus amigos. Prezo muito a visita de vocês e quero torná-la sempre acolhedora.
Infelizmente, não vou comentar coisas alegres, hoje. Uma notícia de jornal me deixa acabrunhada: a volta das sacolas de plástico nos supermercados. Estamos em plena Rio +20 e os manda-chuvas mostram bem que não estão nem aí para tudo o que se debate à volta deles.  E o Brasil, anfitrião relapso, mostra bem que não se importa. Vamos às sacolas plásticas! Sua proibição não beneficiou o público. Como, cara pálida? Será que vocês não são capazes de enxergar à distância? O benefício de centavos hoje será uma condenação à morte para os filhos e netos deste público!
Como diz a menina, Brittany, o tempo se escoa: tic… tic… tic… Ainda temos 72 horas, mas talvez não tenhamos 72 anos… Tic.. tic.. tic.. Talvez, em 72 meses, meros 6 anos, já tenhamos enfrentado mais catástrofes naturais do que possamos aguentar. Tic, tic, tic, o relógio se acelera e em 72 semanas, um ano e pouco, é possível que a gente já esteja com combustíveis racionados, água racionada, comida escassa. Tictictic, a hora é agora, não podemos sentar despreocupados por mais 72 dias, há que acordar nestas 72 horas em que ainda podemos acreditar que dá para fazer alguma coisa. Tictic, o despertador já tocou, é preciso agir, deixar de lado a cobiça míope e olhar o panorama que se descortina nestes 72 minutos. Tic, o tempo é pouco, 72 segundos. T. de tragédia.

Monday, June 18, 2012

E agora? O que fazer?

Meu leitor, ( Ernane, o primeiro, talvez o único) se queixa de que está impossível ler o meu blog. O "abraço dos livros", que escolhi para enfeitar minha página, se sobrepõe ao texto e impede a leitura. Ele me pede que conserte isso e venho, obediente, verificar. Acontece que minhas habilidades são muito poucas e eu descubro que o cabeçalho que me permitia experimentar novos formatos desapareceu de vista. O que fazer? Vou tentar descobrir e vou procurar consertar a página rebelde. Ou seria uma página ciumenta? Esse amante de papel que me quer só para si, e esconde meu texto?
Bem, enquanto isso, Aproveito que estou aqui para falar de minhas leituras de fim de semana, que só fiz hoje de manhã: O jornal cheio de coisas interessantes, autores da FLIP, autores do passado debatendo educação e a bela cidade de São Sebastião oferecendo ao mundo exposições e atividades que alarmam, ao mesmo tempo que dão esperanças ao mundo. Será que vai sair alguma coisa sólida e concreta destas reuniões? E nos jornais, o debate sobre educação, retomado depois de tantos anos de descaso. Que isso não fique "encantado" por mais 50 anos, que as pessoas acordem e ajam, enquanto ainda há tempo.
Olho lá para fora e penso que é impossível não ter fé no futuro num dia lindo como esse. O Rio capricha com suas belezas, seduz. Pode ser que, tocados, os participantes se coloquem mesmo como paladinos das boas causas e mudem seus pensamentos e atitudes.
Em tempos de Mágico de Oz, o negócio é calçarmos nossos sapatinhos e criarmos nosso próprio caminho. Os magos são todos fake. A fada boa do Norte perdeu o brilho e a magia. E, se a bruxa morreu, temos que enterrá-la antes que comece a cheirar mal… Vamos encontrar nossas próprias soluções, fazer das latinhas corações, dos fiapos de pensamento, um balaio de ideias e com a coragem que inventarmos, vamos à luta!

Tuesday, June 12, 2012

Lapiseira e Canetinha

Me diverti com a crônica do João Ubaldo no domingo passado. Mas sofri, também. Sofri bastante, pois, ao contrário do que se possa imaginar por aí, o retrato que ele pinta da vida de escritor é muito realista. Quantas vezes me vejo indo para um e outro lado, mais ou menos distante, tentando cativar um público com minhas habilidades, não de xaxado pois, como não sou comadre Sebastiana, não tenho habilidade nesta dança, mas repetindo o A, E, I, O, U, Psilone. Então, frente a uma plateia geralmente inadequada, em feiras de livros que não vendem os meus livros pois os organizadores ou a editora não se interessaram em providenciá-los, subo no palco e, sem nenhum vergonha, exibo despudoradamente meu amor pelos livros e me deixo levar, encantada, pelas histórias que relembro, pelo prazer que me proporcionaram tentando, pelo exemplo, fazer que alguém na plateia descubra o grande barato que é a literatura. Outras vezes, em regiões tão pobres que sei que a única chance de lerem o que escrevi será através de uma biblioteca, se houver, me sinto esmagada pela vontade que essa plateia tem de ler, de conhecer, de escapar  do "nada e a nossa condição". E, por umas poucas palavras, já embarco em outra canoa, ao rememorar o conto de Guimarães Rosa. Adoro o Rosa que conheci nas páginas dos livros que li. Com que emoção descobri que Grande Sertão era, não apenas legível, mas uma grande história, absorvente, lírica, cheia de aventuras e de pathos, com a história de amor mais comovente que já li até hoje! Quantas estórias e histórias do Rosa se aninharam no mais fundo de mim, me fizeram compreender o mundo e suas gentes e nossa cotidiana loucura. E Buritis, outra grande história de (des)amor, até hoje me provoca lágrimas de pena da bela princesa encantada… Não, eu sei que não existe nenhuma bela princesa encantada na história, mas a personagem me evoca uma. Solitária, tão especial, mas sem alternativa, seu príncipe fraco não foi audaz e ela acaba presa na lama, com o sapo, se odiando. Nossa condição, o nada… E, já que voltei ao assunto, essa história de dor, de perda, uma dor maior do que as palavras e o entendimento podem suportar me comove e me intriga. Seus contos são difíceis de compreender racionalmente, apelam a um outro tipo de conhecimento, ainda não estudado pelos sábios.  Como se manter indiferente à Terceira margem do rio? Ao próprio Nada e a nossa condição? Às emoções de Soroco, sua mãe, sua filha? Contos lindos, que se instalam diretamente na alma, e que passamos a vida tentando esclarecer, mas sabendo tudo de antemão?
Meu caro João Ubaldo, sei que você nunca vai ler este meu desabafo, mas li o seu e assino embaixo, com lágrimas (embora rindo). Adoro sua dupla caipira, aguardo ansiosa a revelação de seu parceiro, e desde já fico pensando numa dupla em que eu pudesse me encaixar. Embora adore uma lapiseira, já estou viciada demais em computadores para adotar este instrumento. Quem sabe Teclado e Telinha não seja o meu futuro? Já me vejo, como no filme de Mel Brooks, dançando com um andador  e obtendo mais de um milhão de acessos no YouTube. Acessos…Cliques… Os novos nomes do prêmio Nobel de Literatura…