Wednesday, October 29, 2008

Boas lembranças

Amauri e Cris, que bom que é lembrar dos nossos contatos recentes. Com a correria dos últimos dias, esqueci de falar de coisas práticas e que me interessavam: Não cheguei a falar, por exemplo, do lançamento do Linha de sombra, que foi no dia 22 de outubro, na Livraria Travessa do Leblon. Quem a conhece sabe que é uma das maiores livrarias do Rio (e não apenas em tamanho) -- por isso, a escolha, que foi feita pela Editora Record, me deixou muito temerosa -- E se eu ficasse sozinha naquele salão enorme? Ia ser a coisa mais deprimente do mundo! Mas foi exatamente o contrário -- muitos amigos foram, meus filhos todos estavam lá, amigos recentes, amigos de outra vida, amigos de sempre. O Márcio Galli me apresentou ao pessoal de teatro que fez a belíssima leitura do conto Ikebana, meus queridos cineastas estavam lá, também, e os filmes foram mostrados no espetacular telão da Travessa: Que coisa mais chique aquele telão! Não entendo muito dessas tecnologias, mas a impressão é que a parede toda é uma tela, e a imagem aparece como que por milagre no centro. É e não é legal, pois muitos de meus amigos não conseguiram ver essas performances, pois o espaço não é muito grande, e não deu para todo mundo. Estou esperando que meu filho tecnológico -- o mais novo, quanto mais novos, mais tecnológicos -- me ajude para poder passar para o computador o filme que alguém fez da leitura. Eu tentei, mas só consegui reproduzir o som, sem as imagens... Faltou alguma coisa, mas é mesmo assim. Estou fazendo uma resenha do livro do Paul Auster, e descobri que ele ainda escreve à mão e depois bate os originais à máquina. Meu mano em SESC, o André de Leones, que aliás, também está lançando seu segundo livro, também gosta de escrever à mão. Eu só escrevo no computador. Até em lan house já escrevi, não tudo, mas uma parte de um conto. Mas lá vou eu de novo, pela ladeira dos assuntos fugitivos! Não quero encerrar esta postagem sem mencionar a noite deliciosa que passei com os alunos do Marcelo Moutinho. Uma turma muito legal, rimos muito, contei histórias sobre as histórias, e espero ter ajudado em alguma coisa. Obrigada, viu, gente? Escrever é uma arte danada de solitária, e encontrar com os leitores, perceber suas reações, descobrir como as histórias estão sendo lidas e como as personagens passaram a habitar outras imaginações é muito gratificante.
Vou à luta, tentando recuperar o tempo perdido. Por falar nisso, nessa quinta e sexta estarei num Seminário lá na UFF, desta vez com um pouquinho da minha produção acadêmica. Falarei sobre Madalenas, calçadas e linho...dentro do VI Seminário Nação-Invenção: Metamorfoses do Moderno. O Scliar vai fazer a abertura, e todos estão convidados.

Tuesday, October 28, 2008

Meu glorioso São Judas Tadeu

Tenho uma amiga que me iniciou na devoção a São Judas. Eu nunca fui muito de devoção a santos, mas gosto da maioria deles. Quando era criança fui obrigada a me vestir de Santa Teresinha, por alguma promessa de minha mãe; gosto de ler hagiografias, principalmente quando escritas por bons autores, como Eça de Queirós, mas qualquer uma me satisfaz, como a história de uma ex-pecadora (na época era um eufemismo para prostituta) que virou santa porque nunca deixou de fazer o sinal da cruz ao passar diante de uma igreja -- quem era? quem escreveu opúsculo tão edificante? -- não sei, tudo desapareceu nas brumas da memória, só sobrou a lembrança da história, que quase me fez ficar sofrendo de L.E.R. numa tenra idade, de tanto fazer o sinal da cruz. Alguns santos me fascinam pelo seu ar tão medieval e heróico -- São Jorge e São Miguel (principalmente o Saint Michel que enfeita o boulevard que leva seu nome). Algumas santas me assombram, como Santa Luzia, por exemplo, com aqueles olhos na bandeja... A maior parte dos mártires me espanta: um São Lourenço na grelha, quer espanto maior que esse? Mas vou parar por aqui, antes que essas digressões me levem ao inferno dos assuntos perdidos. Ia falar de São Judas e de minha amiga. Pois foi essa amiga, hoje morando distante do Rio, quem me garantiu que São Judas era "o" santo. Um santo injustiçado, confundido com o traidor, um santo que se esforçava ao máximo para atender aos seus fiéis e provar que ele era digno de estima... Acho que foi aí que o santo me pegou: um santo com baixa auto-estima, querendo provar que é bonzinho, que é prestativo e que nunca traiu ninguém. Fiquei fã de São Judas. Rezo para ele, mesmo quando não tenho nenhuma causa urgente e desesperada para o obrigar a trabalhar por mim e mais uma vez provar que ele faz por merecer nossas orações. Depois que passei a prestar mais atenção nele, descobri que, ao contrário do que o santo acredita, ele é um dos santos mais populares do céu. Basta dizer que a torcida do Flamengo é devota dele -- isso já é quase uma unanimidade. Hoje a Ana Maria Brega revelou que também é devota dele -- ela mesma é um exemplo de milagre: como é que tão medíocre consegue ser uma figura de tanta importância no mundo da mídia? Só milagre do santo, mesmo. Que, para não deixá-la sozinha, deve estar fazendo milagre para outros apresentadores de TV. E também para políticos pelo mundo afora. E para escritores. Aqui vai então minha prece pública a São Judas: por favor, meu santo, proteja meu novo livro, o Linha de sombra. Faça dele um grande livro, digno de atenção e de leitura. Que ele divirta seus leitores, que faça com que alguns, mais sérios, retirem alguma lição de suas páginas; que faça que a maioria, desatenta como os leitores de Machado, se divirta com os textos mais leves, e se comova com os mais sofridos. E proteja a autora, para que ela consiga emplacar mais alguns livrinhos que ela pensa em escrever, e, se não for pedir muito, faça com que ela ganhe algum dinheiro com suas publicações -- afinal, o senhor se gaba de realizar os pedidos impossíveis. E proteja meus manos e amigos escritores, e livrai-nos a todos da subliteratura, amén!
Um beijo a todos os amigos que compareceram ao lançamento no dia 22. Foi bom encontrar com vocês lá. Me senti um sucesso! Mas, realmente, foi uma festa bonita, com os vídeos excelentes e a sensível leitura de um dos contos do livro. Obrigada a Juliana, Debora, Rodrigo, Natália et alii, os meus queridos cineastas. Obrigada ao Ruiz, Márcio, Mitzi e Priscila, atores e diretores responsáveis pela belíssima leitura. Obrigada a cada um que compareceu e me alegrou e me deu estímulo e apoio. Obrigada aos amigos da editora Record que, com sua presença, legitimaram meu "filho". E aos amigos do SESC, que me abriram as portas desse reino encantado... Isso sem esquecer o Marcelo, o Mussa, o Marco Polo e o Marcus -- um time que me acolheu com entusiasmo e que continua me dando força. São Judas, olhai por nós!

Monday, October 20, 2008

Horóscopo

Confesso um vício -- ou seria uma crença? Todos os dias leio meu horóscopo. Mas não sou das mais fiéis, se não gosto do que está previsto, leio as previsões de outro signo, ou as de outro jornal, quando tenho... Hoje, porém, gostei do que li no signo de aquário, que talvez seja o meu signo real já que na semana passada acordei dentro de um aquário, nada metafórico. É que um cano rompeu e minha casa ficou inundada, desde a cozinha até os quartos. Passei mais de três horas, com os dois faxineiros do edifício, passando rodo na casa, retirando tapetes e livros -- muitos irremediavelmente perdidos, para meu desconsolo. O que passou, passou. Water under the bridge, como dizem the americans... O que interessa é que resolvi fazer o que o horóscopo manda para hoje: pensar na cor verde. Claro que imediatamente me vieram os versos de Lorca: Verde que te quiero verde...
Então, para que eu pense acompanhada no verde, aqui vai um trechinho de Romance Sonambulo (que, aliás, pode ser ouvido no YouTube, no mais lindo castellano)
Verde que te quiero verde
Verde viento. Verde rama
El barco sobre la mar
Y el caballo en la montaña
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda
Verde carne. Verde pello
con ojos de fría plata
Verde que te quiero verde,
bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas
....
Ella sigue en su baranda
Verde carne, pello verde
soñando en la mar amarga.
É um lindo poema, sonoro a mais não poder. Creio que esse poema esteve nas mentes dos escritores latinoamericanos quando iniciaram seus romances... Vejam, por exemplo, o início de um que sei quase que de cor, já que é assunto de minha tese.
Concierto barroco, de Alejo Carpentier
De plata los delgados cuchillos, los finos tenedores; de plata los platos donde un árbol de plata labrada en la concavidad de sus platas recojía el jugo de los asados; de plata los platos fruteros, de tres bandejas redondas, coronadas por una granada de plata; de plata los jarros de vino amartillados por los trabajadores de la plata; de plata los platos pescaderos con su pargo de plata hinchado sobre un entrelazamiento de algas; de plata los saleros, de plata los cascanueces, de plata los cubiletes, de plata las cucharillas con adorno de iniciales....

La plata e el verde se tornam palavras encantatórias, e adquirem um significado muito mais profundo que a cor ou o material. Porque o texto ofusca com seus reflexos prateados, porque o poema vibra com o r de verde que toma conta do mundo (mar e montanha) e das pessoas (carne e cabelo)? Talvez nem importe descobrir o porquê, talvez nos baste sentir a beleza das palavras e sabermos que, enquanto elas estiverem sendo lidas, nós estamos a salvo das inquietações que, no entanto, não se distanciam nem no poema nem no romance. A sombra está presa ao cinto, o peso da prata se faz sentir sobre nossas línguas, incapacitadas de correr com tantas "explosões" consonantais. A ameaça, a violência, a dor estão ali, mas por um breve segundo o verde tremula, a prata ofuca e brilha e nós nos sentimos a salvo de tudo e de todos.

Podemos, assim, esquecer a morte que nos rodeia, e nos colocarmos, como quer o Joaquim Ferreira dos Santos, suburbanamente sentados nas calçadas, admirando o por do sol. Eu, que acredito, se não em horóscopos, no poder mágico das palavras, penso que muito dos males pelos quais passamos são provocados pela imprensa equivocada e sensacionalista. Se não noticiássemos tanto -- não digo calarmos, mas sim transformarmos em foco de atenção -- o mal, talvez ele fosse minorando. Eu morei numa cidade (do tamanho de um botão, como diziam antigamente) cujo jornal noticiava as coisas boas da comunidade. Na primeira página apareciam as vitórias do time, as melhorias da praça, o encanto das flores que voltavam, os aniversários de casamento, as reuniões cívicas. Entrevistavam a motorista do ônibus escolar, que já estava levando a terceira geração à escola. Discutiam a qualidade da merenda. Falavam do sucesso do time de soletração. Dos ensaios do musical que ia ser encenado. Do talento da costureira que tinha criado a nova bandeira dos veteranos. Existia crime, mas este estava sempre na página x, sem manchetes em negrito. Enquanto morei lá houve homicídios inexplicáveis, espancamentos até a morte, roubos, atropelamentos, assaltos, mas tudo estava lá na página x, sem negrito, e todos tínhamos a impressão de vivermos numa cidade tranquila e abençoada. Deixávamos os carros abertos nos estacionamentos, colocávamos as bolsas nos balcões das lojas enquanto olhávamos as mercadorias expostas e nos afastávamos sem medo de sermos saqueados. Ensinávamos aos nossos filhos que não deviam falar com estranhos, nem aceitar caronas ou doces de desconhecidos, mas ninguém olhava para os outros com olhos assustados, sem saber se dali viria a próxima agressão. Parávamos para prestar ajuda quando alguém estava com um pneu furado, ou se alguém caía de sua bicicleta e machucava o joelho. E, quando o fazíamos, podem estar certos de que seríamos notícia de jornal, quase heróis: A senhora fulana socorreu N, de sete anos e meio, que sofreu uma queda da bicicleta ao ir para a escola. E lá estaria a foto da sorridente senhora fulana, ao lado da carinha sofrida da vítima N. E era assim que todos queriam aparecer no jornal, heróis do bem. Ninguém se orgulhava em ser o "rei do gueto", pois este ficaria na página x, sem negrito, enquanto que a senhora F., que todos os anos plantava tulipas no canteiro de sua casa e que fazia a cidade ficar mais bonita graças a isso, não só aparecia orgulhosa, com suas ferramentas de jardinagem, como merecia medalhas da cidade por causa disso. Tinha manchete, foto e medalha. Ganhava placa com seu nome. Sua casa virava atração da cidade, as pessoas diminuíam a marcha de seus carros ao passar em frente aos canteiros radiosos de tulipas, e de outras flores que estufavam suas pétalas orgulhosamente cientes de sua beleza.
Bem, já me estendi demais, e tenho muitas coisas a fazer. Depois de amanhã é o lançamento de meu livro, minha filha chega de fora, durante alguns dias serei o centro das atenções, manchete principal do jornalzinho da cidade -- saibam que, se eu mandar notícias para lá, eles colocarão em destaque, sim : a Senhora B., antiga moradora, lançou seu segundo livro... e estampariam minha foto, para que meus antigos vizinhos pudessem me reconhecer. Se o Paul Newman ainda estivesse vivo, ele olharia as fotos e diria: sabe, acho que cruzei com ela umas duas vezes aqui na cidade... Não, não foi ela a tonta que guardou o sorvete na bolsa quando me viu no Baskin Robbins, até porque eu fui ídolo da mãe dela, e não dela. Mas ela me reconheceu e me sorriu, como uma vizinha simpática, que me ofereceria a pá para retirar a neve caso me encontrasse atolado na estrada, pá que ela, tropicalíssima, sempre carregou no porta-malas, junto de um cobertor, com medo dos invernos e de suas neves...
Nossa! Viajei! Viu no que dá ler horóscopo?

Friday, October 17, 2008

Bobagens e tendências

Começo pela bobagem: Quis colocar a capa de meu novo livro no Blog, mas não consegui. No entando, quando se clica sobre uma das capas, vai-se ter ao site onde está sendo vendido o novo livro. Quando se clica sobre outra, vai-se ao livro antigo, mas num site que já não dispõe do livro para a venda... Bem, tentei consertar um e outro, mas não consegui. Desculpem-me vocês...
Agora, as tendências:
Quem já leu o novo livro sabe que é um livro triste, falando muito sobre morte. Percebo, porém, que não sou a única a estar escrevendo sobre o assunto, no momento: parece ser uma tendência, pois tudo o que tenho lido ultimamente tem a ver com esse assunto. Li O Fantasma sai de cena, do Philip Roth; li Homem no escuro, do Paul Auster; li A elegância do ouriço, da Muriel Barbery; li o último da Inês Pedrosa, A eternidade e o desejo, falando sobre Vieira; li Le Diable Rouge, de Antoine Rault, uma peça teatral; li O animal agonizante, também do Roth. Em todos esses livros a morte se encontra entronada, uma presença que domina a cena e os pensamentos de todas as personagens. Seria porque os escritores estão mais maduros, mais velhos, mesmo? Philip Roth já está com 75, Paul Auster com 61, a Inês Pedrosa e a Barbery já passaram dos 40, só não sei a idade do Rault. A morte. Chega um momento em que percebemos que ela está sempre a nosso lado, ou talvez em nós mesmos. Companheira silenciosa de viagem, de repente ela quebra seu mutismo e começa a dialogar com nossos planos e sonhos. Especulamos sobre ela, ou imaginamos sua chegada, constatamos as pequenas mortes que sofremos a cada dia, olhamos os estragos que seu anúncio provoca no nosso físico, observamos a agonia dos outros e a nossa própria.
Descobrimos que somente duas coisas nos engrandecem: o amor e a morte. Mas, enquanto um é finito, a outra infinita -- nossa única possibilidade de eternidade é não sendo... Que ironia.
Mas não estou para muitas palavras hoje. As datas tristes me emudecem, eu me recolho e digo adeus, ou olá para quem já se foi. Sei que sou o túmulo de mim mesma, de alguém que foi tão alegre e espontânea e que hoje se encerra num labirinto de astros extintos. Aguardo, relembro, recrio.

Thursday, October 09, 2008

Tempora, pontifex, flumen

Três palavras latinas de uma vez... tudo isso para reclamar do tempo, que anda frio e cinzento há muitos dias. Vejam só, lá na França, peguei dias lindos, frios, mas de céu azul, alegria nos canteiros e nos rostos das pessoas. Vou ver se me lembro de como postar as fotos naquele site, como fiz com as de Budapeste, para que meus leitores possam se deleitar com as fotos que tirei em Paris e na Langogne. Modéstia à parte, desta vez tirei umas fotos lindas em Paris. Da cidade, bem entendido. Uns recantos que não são os postais tradicionais, mas que agora me encantam mais do que os velhos chavões. Que, no entanto, continuam me encantando. Qual não foi minha alegria quando descobri que, da janela de meu quarto de hotel, podia ver a Torre Eiffel? Fiquei com água na boca, pois em frente de onde nos hospedamos havia um posto das bicicletas de aluguel. Só que a Renée não sabe andar de bicicleta, daí que andamos mesmo foi de ônibus, ou a pé. Geralmente a pé, mas acabei convencendo a Renée a tomar ônibus, pois adoro andar de ônibus em Paris. Não lmbro se contei dos passeios que fizemos, de nossa ida ao teatro, de nosso pequeno museu Maillol, bem na Rue de Grenelle. Fui lá por causa da resenha da Elegância do ouriço, confesso logo de saída. Pois, se não tivesse escrito sobre a Rue de Grenelle, não teria lembrado do museu de um dos maiores escultores de todos os tempos. Vejam só como a literatura nos enriquece! By the way, o número 7 refere-se a um prédio de esquina onde está a loja-- mega, hiper -- da Prada. Nada a ver com o jardinzinho e a concierge. Esta fui encontrar no prédinho de minha amiga Eliane, na Rue de Surcouf. Ao entrar, lá estava a concierge varrendo o pátio, as flores dando um toque colorido às pedras claras do edifício. Cumprimentei, gentil, mas não passei de um:
"bonjour, madame."
E subi as escadas pensando em que livro ela estaria lendo escondida em casa. Na verdade, o prédio de minha amiga está dividido em minúsculos apartamentos de quarto e sala, bem distantes do fausto descrito no romance. Mas a atmosfera é a mesma, o silêncio, a polida distância entre os moradores, a elegância discreta não do ouriço, mas da burguesia do 16eme...

Hoje, vendo o jornal, descubro que os magistrados que tomavam conta das pontes sobre o Tibre chamavam-se pontífices, e daí veio o nome do título papal: Pontifex maximus. Não faz muito tempo eu estava lá em Roma, atravessando pontes. Aliás, adoro pontes. Se eu fosse romana, minha grande ambição teria sido ser pontifex. Ou, caso o sexo me impedisse, de ser a mulher de um pontifex. Adoro pontes pelo seu caráter de ligação, de união, de mãos estendidas para o outro. Gosto de colecioná-las -- tenho canções, como, por exemplo: London bridge is falling down...; tenho imagens de pontes modernas, esculturais; tenho filmes: A ponte sobre o rio Kwai; tenho fotos de pontes cobertas, de pontes ruídas, de simples pontes e de pontes simples. Pontes de tábuas, suspensas por entre as copas de árvores, pontes largas ou estreitas, longas ou curtas, simbólicas ou banais. Já passei por muitas pontes na vida. Agora uma faz parte de meus planos: a Rio - Niterói. Passo por ela para ir a UFF, que virou minha Alma Mater.

Pois é assim que termino o blog, hoje, falando na Universidade Federal Fluminense -- flumen, rio, que dá nome à minha cidade bem amada que, mesmo sob neblina e chuva, é sempre dos meus encantos. Adoro estar de volta ao meu cantinho, sentir o perfume do mar, olhar o desenho das montanhas, perceber que o verde das árvores se mantém mesmo sob a chuva que a tudo deixa acinzentado. Ontem, num passeio pelas praias na companhia de Rachel e Nelly, comentávamos sobre as belezas de um dia de chuva, e eu me lembrei de que no Rio, se não temos as quatro estações, temos as "quatro luzes". A luz de verão, impiedosa e cegante, a luz prateada da primavera, a luz cristalina do inverno e a dourada do outono, que esculpe a cidade e seu cenário de maneiras tão diferentes, a cada visita que fazem.

Agora vou ao meu romance, trabalhar, trabalhar, me aquecer com palavras.

Sunday, October 05, 2008

Campanários, araucárias e carinho

Estive, no dia 3, na cidade de Guarapuava, que significa "lobo bravo". Cheguei lá de ônibus, um ônibus confortável, a bem da verdade, limpo e veloz. Paramos algumas vezes no caminho, uma das cidades chama-se Pitanga, mas não vi pitangueiras por lá. Chegamos -- sim, nós já tínhamos virado uma troupe: Rúbia Romani, Ana Ferreira e eu -- e tomamos um táxi com um motorista surdo. Gritamos nosso endereço e ele, depois de algumas confusões, conseguiu nos deixar no SESC. De lá me levaram no hotel, pois as meninas ficaram para fazer uma apresentação à tarde. Eu passei o dia criando uma apresentação em power point. Fiz duas, para platéias diferentes. Enquanto escrevia, o tempo mudava. Resultado, saímos debaixo de chuva e tivemos uma platéia não muito grande, mas interessada, de olhos atentos e respiração sustida, um prazer! Resultado, resolvemos comemorar nosso sucesso com um jantar de despedida, mas cometemos um erro: pedimos um drink antes, um tal de mogit-coco,que nos nocauteou. Pelo menos a mim, que nem sequer consegui comer meu delicioso linguini ao molho de funghi. Porque o restaurante era muito bom: Via Napoli, acho que era esse o nome, provei e estava muito gostoso, mas os dois goles que dei no meu drinque me abateram. Bem, para quem fica tonta com um molho de vinho, dois goles é uma verdadeira esbórnia!
No dia seguinte, a chuva havia se intensificado. Temporal, tão forte que não me animei a atravessar a praça, plantada de araucárias, para visitar a igrejinha de Nossa Senhora de Belém. Ela, porém, não se fez de rogada: nos acompanhou no caminho até Curitiba, numa estrada tornada perigosa por causa da chuva e da neblina. Ao chegar na cidade, não sabíamos nos orientar. As minhas companheiras, embora fossem daqui, são "pedestres", como disse o motorista que, sendo de Guarapuava, não conhecia nem sequer o caminho para o SESC da Esquina, nossa primeira parada. Depois, até a Av. Batel, conseguimos cometer todos os enganos possíveis, inclusive nos metermos na via exclusiva de ônibus. Cheguei em cima da hora, num Quintana lindo, um lugar charmoso e acolhedor, e fui recebida com carinho pelo meu editor, o Rogério Pereira, preocupado com o meu sumiço. Explico: tinha me esquecido de ligar o celular, que tinha ligações dele e de um amigo dos tempos do Guilherme, o Caldeira. Rogério me apresentou a seus amigos, à sua família, ao restaurante, à bela e encantadora Sofia, com narizinho arrebitado e boquinha pronta para o beijo. Como é linda a Sofia, com seus cachinhos dourados e bochechinhas rosadas, contando do cachorro Lúcio e do tio Borges. E lá estavam as belas rosas do Caldeira, com um bilhete encantador dele e da Maria. Depois apareceu o Amauri, meu leitor há dois anos! Obrigada, amigos. E depois ainda vieram a Cidinha e o Claudinor, e minhas companheiras de viagem, que, muito delicadas, depois de matarem as saudades de seus namorados vieram me escutar ler os contos. A Ana, inclusive, trouxe seu amado, e o da Rúbia, trabalhando, não pode comparecer, mas providenciou minha reserva no hotel e me acolheu quando cheguei, e percebi, espantada, que tinha esquecido minha bolsa no Quintana!
Bem, li os contos. Rogério me estimulou a ler A predadora -- e eu li, mais de uma vez. Na primeira, fiqui encabulada -- o conto é muito explícito, acho que chega a ser gráfico -- mas depois perdi a vergonha e, na segunda leitura, para o pessoal da cozinha, até rimos juntos. Prometi escrever um com o cenário da cozinha... Estou só imaginando as besteiras! Acho que eles também. Gabriela, a chef e uma das sócias do restô, é encantadora. Linda além de cozinhar como um anjo. Comi o melhor acarajé de minha vida, juro! E a feijoada...é perfeita. Pena que não pude provar o resto. Dei uma bicadinha no barreado, mas não é um prato que me empolgue muito, que me desculpem os paranaenses. E nem provei as sobremesas variadas, deliciosas de olhar, imagino só de comer... Também li outros contos: O ovo, O carona, Circo erótico e Noivado. E, a cada leitura, o prazer de perceber que as pessoas gostavam, se emocionavam comigo, ou riam comigo, ou se encabulavam também.
Mas meu dia não havia ainda terminado. Vim com a Rúbia para o Hotel Valentini Di Lucca, um apart hotel gracinha, a dois passos do Quintana, na R. Francisco Rocha. Bem, depois de voltar para pegar minha bolsa, pude relaxar um pouco e ficamos na conversa até tarde. A chuva não nos estimulava a sair do hotel, e ficamos vendo e mostrando fotos, conversando e vendo televisão, jantando no próprio apart, até que chegou a hora da saída de seu namorado e minha amiguinha se foi. Eu dormi logo, feliz com tanto carinho recebido num só dia. Pois, além dos meus amigos, os amigos do Rogério e sua família me cumularam de atenções e gentilezas. Adorei a sua esposa Cris, e sua mãe. Me encantei com a Liz Wood, sua filha e as suas fotografias expostas nas paredes do Quintana, retatando com muita sensibilidade e emoção a performance de bailarinos com deficiência motora. Cunhados, sobrinhos, amigos -- como deixar de falar no Odilon e sua Dorianne, que além de me testemunharem seu prazer em me escutar ainda me deram uma homenagem por escrito, feita ali na hora pelo Odilon, que se desculpou pela letra de médico?
Foi um dia maravilhoso e agradeço, de coração, a todos os que me deram tanto carinho e estímulo. Só posso repetir, mil vezes: OBRIGADA!

Thursday, October 02, 2008

Umuarama

Hoje de manhã, quando a Mauriza estava vindo nos trazer até aqui, fiquei sabendo que Umuarama quer dizer: lugar quente onde os amigos se reúnem, e que a cidade se auto-intitula capital da amizade. Bem, só posso dizer que Umuarama deu uma refrescada para me receber. Já falei da chuva e dos trovões e, como esperava, o plano B da Gislaine funcionou perfeitamente e tivemos um evento sem susto, mas com muito menos público do que o aguardado. Culpa do tempo, que hoje, aqui em Campo Mourão, já desanuviou e está quentinho, com sol aberto. Dei uma passeada pelo centro da cidade, mas estou muito preguiçosa, nem tirei retrato. Há uma enorme igreja, com duas torres, numa grande praça; bastante comércio -- a cidade é grande e próspera--, e belas casas, alguns edifícios, tudo com boa aparência. Meu hotel, embora com Palace no nome, é xinfrim. Mas meu quarto tem ar condicionado e, à frente da janela, uma árvore hospeda um passarinho que deve ser lá de Umuarama -- ele está deliciado com a minha visita e já veio na minha janela um monte de vezes, cantar para mim.
Os jacarandás e as sapipucaias providenciaram um tapete de flores roxas e amarelas daqui até o SESC, para eu passar. No caminho, encontramos o XAXIXÃO : lanche é isso, o resto é sanduíche! Refiz toda a palestra (não consigo repetir todos os dias a mesma coisa), fui ao cabeleireiro, andei bastante, para descontar os últimos dias em que só tenho ficado sentada em carros, trens, aviões, aeroportos, e mais carros e saguões de hotel. Esse é o resumo de minhas atividades. Encontrei com a Daniela do SESC, lindinha, com duas covinhas enfeitando seu sorriso, e um enorme entusiasmo pela primeira feira de livros que ela está organizando. Tuso me pareceu tão bem, que achei que ela era veterana!
Mas, o que mais tem me encantado é a coleção de histórias de amor que tenho escutado. Coisa mais deliciosa, estar no meio de gente que ama e é amada! Olho para os sorrisos, os olhos sonhadores, escuto os suspiros e as histórias, e sinto um grande encantamento. Gislaine, e Mauriza, de histórias tão diferentes, mas igualmente felizes. Ana e Rúbia, uma de casamento marcado, a outra no primeiro mês de namoro. Bira, avô de pouquinho tempo, netinho recém -nascido na distante Maputo, reclamando dos braços vazios, mas com o coração transbordando! E eu falando da morte de Machado de Assis, informando a uns e outros que as últimas palavras de Machado foram (provavelmente) A vida é boa! Tenho que concordar com esse meu velho e querido mestre. Machado, meu querido Machado, engraçado, inteligente, instigante...Receio que não esteja fazendo jus a você! Queria tanto que todos os que me ouvissem saíssem de minhas palaestras com um desejo louco de te conhecer! É só o que desejo, não procuro glórias para mim, mas gostaria de facilitar o encontro das pessoas com a sua obra. Fico contando os enredos dos romances, provocando, seduzindo, fazendo meu papel de serpente às avessas, acreditando piamente que quem morde o fruto que ofereço encontra o caminho do paraíso. Mas nem todos mordem. Percebo, quando falo, que algumas pessoas nunca escutam as outras. Sinto minhas palavras escorrerem e cairem no chão, desaproveitadas. Mas, aí, olho em outra direção, e vejo que minhas frases estão sendo absorvidas como água de chuva.
E agora paro por aqui. Meu vizinho passarinho está de novo em frente à minha janela, me fazendo uma serenata de um dos galhos. Um coro de bentevis faz contracanto, mas fora de minhas vistas. Vou escutar meu concerto, e assistir o balé das folhas, animadas pelo vento que começa a soprar.

Wednesday, October 01, 2008

Ventos, raios e trovões

Umuarama, a terra dos ventos uivantes. O sol dos últimos dias transformou-se numa grande tempestade, que se anunciou com um trovão que mais parecia uma bomba explodindo. Nossa. A bela paisagem que eu podia descortinar da janela do hotel, o Caiuá, desapareceu, numa nuvem cinzenta. Até agora recebi a hospitalidade da Laíde, em Maringá, da Marina e do Bira, em Paranavaí e aqui fui recebida pela Gislaine. Gislaine vai casar no mês que vem, no dia 29 de novembro. Cheia de planos e de entusiasmo, ela vai vir nos buscar daqui a pouco, para nos levar à sede do SESC, que tem magníficas instalações aqui na cidade. Tenho a certeza de que, mesmo com toda essa chuva, tudo vai dar certo, pois poucas vezes encontrei uma pessoa tão "administradora"como ela. Sei que até a chuva vai obedecer a sua organização. O SESC de Maringá também é grande e bem instalado. Já o de Paranavaí é pequenino, e as atividades da feira do livro estão ocorrendo na Casa de Cultura. Lá fizemos nossa palestra/espetáculo num teatro com palco, iluminação, mesa de som, todos os trique-triques. É palestra espetáculo porque estou programada junto de duas atrizes, jovens e belas, que estão fazendo uma interpretação artística de Capitu e de O cortiço. Antes de mim apresenta-se a Ana Ferreira, uma Capitu com jeitinho de Ofélia e suas flores... Aí eu falo e terminamos com um balé-cortiço, interpretado pela Rubia Romani e seus slides.
O tema da feira de livros é Literatura e Tecnologia, e até que combinou bem esse nosso coquetel, improvisado, de aula e teatro.
Bem, agora vou me vestir, para ir ao encontro da platéia de Umuarama. Até amanhã.