Sunday, July 29, 2007

Spinning em Dallas

Uau! Primeira vez numa aula de spinning, e logo aqui, numa língua estranha. Porque não adianta saber falar inglês, o inglês de academia de ginástica é um dialeto só para iniciados. Mas a gente pega logo, olhando para os lados e vendo o que os outros estão fazendo, aparentemente com a maior facilidade e com muita graça. Só eu que parecia sentir a hostilidade da bicicleta de spinning, que se revoltava contra meu declarado sedentarismo e tentava torcer meus tornozelos e quebrar minhas pernas, sempre que eu me atrevia a copiar a leveza dos companheiros de classe, que se levantavam dos assentos, pedalavam em pé, ou deitados sobre o volante, todos eles suando, mas parecendo dançar sobre os selins. Eu nem sequer conseguia respirar -- respirar e pedalar é mais difícil que assobiar e chupar cana! O assento, apesar de protegido por uma capinha de gel, doía em todos os lugares em que tocava o meu corpo, e eu ficava pensando, distraída: como será que os homens conseguem pedalar? O que será que eles fazem para não se machucar? Ou então, olhava para os vídeos que estavam sendo exibidos: Giro d'Italia. Centenas de pessoas pedalando, subindo e descendo montanhas e uma multidão, que certamente já participou de uma aula de spinning, acompanhando, correndo ao lado dos atletas, incentivando-os. Eu precisava daquele incentivo. Olhava para os rostos animados da torcida e dava ainda mais uma pedalada, embora minhas coxas já estivessem parecendo feitas de uma massa sem músculos nem ossos, só nervos estirados. Ao final de cinqüenta minutos, eu já não podia mais, mas a classe, desfeita em suor, continuava subindo montanhas virtuais, materializadas com simples torções de botões. Parei. Enxuguei as duas únicas gotas de suor que tinha conseguido expremer de meu corpo, e obriguei minhas pernas a me levarem para longe dali, para uma poltrona confortável onde pudesse acomodar meu dolorido assento e ler. Fiquei me recompondo uma hora inteirinha, o que me permitiu ler duas revistas de fofocas e me informar sobre a vida feliz e produtiva que a Katie, mulher do Tom Cruise, está levando com a filha Suri. E sobre a outra, cujo nome esqueci, que agora carrega um bracelete que analisa o seu suor e avisa da presença de álcool em seu organismo ( será que ela bebe sem perceber, e precisa de ser avisada?). Também soube que uma fulana já perdeu não sei quantos quilos depois da gravidez. Que a Julia Roberts saiu para comprar livros infantis dois meses após ter seu terceiro filho (ou filha, em inglês não dá para saber). E ainda que uma apresentadora de TV é muito mais feliz com sua obesidade -- já está usando tamanho 20, o que deve ser equivalente a manequim 58, no Brasil, calculo eu.
Pois, é. Lembrei que, nos vídeos do Giro d'Italia, as pistas estavam cheias de cartazes com anúncios de sorvetes, refrigerantes, pães e massas... O que será que importa mais para aqueles atletas? O exercício ou a permissão para atacar todas as gulodices do mundo? Já estava na hora do almoço. Na lanchonete do Spa, diversas pessoas comiam sanduíches e engoliam litros de refrigerantes. Fiquei com medo de tanta mastigação, e vim para casa ruminar...

Wednesday, July 25, 2007

Questionário para comemorar o dia do escritor.

Esse negócio de dia sempre me grila. Me lembro da música: todo dia era dia de índio... Agora para lembrarmo-ns deles, é só no 19 de abril. Espero que esse negócio de dia do Escritor não indique que estamos em extinção. Meu amigo/irmão em SESC me passou esse questionário, que vai rolando pelos blogs. Vejam no site dele o que ele respondeu (André de Leones)
Eu respondo aqui:
1. Que livro você está lendo?
O cavalo perdido e outras histórias de Felisberto Hernández
2. Lembra do seu primeiro livro?
Não. Só me lembro de uma cartilha onde aprendi a ler. No dia que me dei conta que já sabia ler, fui contar para a minha avó, que achou que eu tinha decorado a história. Quando ela percebeu que eu sabia ler mesmo, fez a maior festa.
3. No Brasil, sabemos que a leitura não é um hábito da população em geral. Quantos livros, em média, você lê por mês?
Leio pelo menos quatro, ou seja, um por semana. Mas, quando o livro é fininho, leio mais de um por semana. Li o livro da Carola Saavedra e o da Verônica Stigger cada um numa tarde. Mas demorei uns dois ou três dias para ler o do Ian McEwan, Na praia.
4. Você tem um gênero favorito? Qual?
Todos. Só não gosto de auto-ajuda. Mas leio até livros científicos, tipo aquele do Hawkings. Acho que a preferência depende do dia, da situação e da motivação.
5. Alguns escritores, além de grandes artistas, são vistos como "seres superiores" por alguns leitores. Você em ídolos escritores? Quais?
Na verdade, todos os escritores que admiro muito tiveram vidas muito chatas .Vejam, por exemplo, Proust. O cara nunca fez nada de interessante na vida, mas observou o que os outros faziam e isso lhe deu assunto para preencher os anos que passou de cama, doente, escrevendo. Virginia Woolf era doida de carteirinha, Clarice também era meio complicada. Drummond e Machado eram dois funcionários públicos certinhos. Se eu tivesse que admirá-los pelo que foram, não ia ter por onde. Mas o que eles escreveram...Prefiro ter como ídolos alguns personagens. Teve uma época que eu queria ser a Sanseverina, prá citar uma preferência adolescente.
6. Você distingue o escritor pelo gênero -- poesia, conto, romance, etc -- ou acredita que escritor é escritor e ponto.
Escritor é escritor e ponto. Mas alguns se dão melhor em alguns gêneros...
7. A internet pode se transformar em uma ameaça para a leitura de livros?
Tadinha da internet... Tão doidos prá botar alguma culpa nela. Ela ameaça a leitura, estimula a pornografia, aumenta o desemprego, dá unha encravada. Mas ela é uma ferramenta sem a qual já não sabemos mais viver. Adoro internet.
8. Se você pudesse, como acabaria com o analfabetismo no Brasil e como implantaria o hábito de leitura?
Por decreto, para ser bem rápido!
9. José Saramago declarou recentemente que sempre será comunista, embora saiba que este é um assunto ultrapassado. Um escritor deve manter para sempre os seus valores, ou pode mudar de opinião?
Quando a gente não consegue mais aceitar as coisas novas e as mudanças é sinal de que começou a se anquilosar a a envelhecer. O cérebro vivo está sempre aprendendo e mudando, fazendo novas analogias. Não pode continuar sempre parado na mesma opinião. Já valores são coisas diferentes: têm a ver com a ética. Podemos "estar"comunistas, mas temos que "ser" honestos.
10. Uma frase para o Dia do Escritor:
Leia um livro!

Bem. É isso. Espero que minhas respostas não tenham matado os leitores de tédio.

Friday, July 20, 2007

Putz Grila!

Mutatis Mutantes...

Eu sei que a expressão é mutatis mutandis, mas quis fazer um trocadilho. Adoro trocadilho, devem ser aqueles anos todos que passei estudando Derrida e Lacan. Estudei, estudei, e tudo o que consegui guardar foi o gosto pelos trocadilhos. De Lacan fiquei com muita inveja: ele era genial. Ao Derrida fiquei indiferente. Acho que não entendi nada do que li.
Mas, depois de tanta digressão, volto aos Mutantes: eu sempre adorei esse grupo e nada pode me deixar mais contente do que essa comparação Rita Lee e os mutantes /Lucia Li e os inventantes...
Ando meio desligada... Fiz dessa frase meu leitmotif. Sempre andei meio desligada, foi uma maneira de me proteger. Como estar sempre ligada -- e sempre sofrendo? Porque há sempre uma porção de razões para sofrer, quando a gente se liga. E basta ligar a tv para começar o martírio. Quem não sofreu com esse acidente terrível, com jeitinho de atentado? Que horror, um inferno se instalando ali, do outro lado da rua, do outro lado da tela, e a gente olhando, sem poder fazer nada?
Um dos meus queridos inventantes, o Henrique, mandou um emocionado poema sobre esse desastre. Estou copiando abaixo, leiam e confiram.
De resto, vou mudar de lugar por uns tempos. Lá vou eu de novo para Dallas. Escrevo de lá.

CHÃO DE ÍCARO

E subiram sobre a largura da terra,
e cercaram o arraial dos santos e a cidade querida;
mas desceu fogo do céu, e os devorou. (Apocalipse 20:9)

Eu mergulhei na noite e suas sendas trespassadas,
Com a sensação da liberdade sobre os meus martírios.
E tudo o quanto já nos coube nas vivências terrenas
Rendeu-se à travessia vitoriosa para além destes domínios.

Daí que os céus sucumbiram ao clamor da minha angústia
E conquistei-os como um bardo que entoa docemente o seu canto
Tendo a sedução insidiosa com seus sorrisos de lírios.

Abandonei a lua – tão tímida e opaca –, outrora metafórica,
Ao mesmo tempo em que soube das estrelas todas mortas.
E então que essa soberba aniquilou meus infinitos
Enquanto a nódoa mitigava qualquer perfeição dos sonhos.

Porém, no claustro ardeu o grito denso das fatalidades
Por meio de um véu espesso, oriundo da madrugada,
Que me lembrou o peso espesso dessas mãos de chagas.

As vestes nuas sobre o céu cobriram o instantâneo,
Num grunhido de fantasmagoria sobre o jardim esquecido
(À revelia da inocência silenciosa daquelas pétalas,
Em cuja fronte jamais repousaria novamente o orvalho.)

Perdi o vão do tempo e a largura absurda dos espaços:
Na ostentação viril de suplantar o céu longínquo,
Sequer notei que a chuva demasiado fria dessa noite
No espanto desordenado queimou todas as nossas asas.

Tuesday, July 17, 2007

Vã guarda

Gente, será que virei vã guarda?
Nunca esteve nos meus planos sair na frente, agitando bandeiras, como a Marianne (aquela que é símbolo da República Frencesa). Mas, de repente, não mais que de repente, estou aqui como signatária do manifesto 00.
Para vocês saberem do que se trata, leiam abaixo. E riam, pois acho que é o único remédio.

MANIFESTO 00

A literatura nos une. O humor nos desune.

Todas as vozes. Todas as particularidades. Todos os estilos. Todas as ausências de estilos. Somos o que nos falta. Somos o que falta ao outro. Somos o que falta à falta.

Abaixo os manifestos.

Pela despapelização das idéias e pela idealização dos papéis

Não julgue o poeta pela métrica ou pela ausência de métrica.

Pelo silêncio que antecedeu o Big Bang.

Abaixo os romances narrados e/ou protagonizados por répteis, aves, cães, padres, poetas, assassinos em série e afins.

Vá às escolas e fale sobre livros e autores; aprenda e seja apreendido.

Deus não existe.

O futuro a Deus pertence. O futuro, adeus.

Trate o leitor com respeito suficiente para não subestimá-lo – ou superestimá-lo.

Não trate a imprensa com condescendência. Não aceite ser tratado com condescendência pela imprensa.

Incorpore a merda e o sangue derramados. Mas com amplos significados, é claro. E com sutileza, por favor.

Não critique quem aceitar trabalhos sob encomenda.

Aceite encomendas e torne-as algo seu.

Abaixo os bons sentimentos. Bons sentimentos causam câncer.

Abaixo as boas intenções. Boas intenções causam câncer.

A boa literatura é amoral. E o bom escritor, imoral.

Não menospreze qualquer vencedor de concurso, ainda mais se você tiver participado – e perdido.

Não supervalorize qualquer vencedor de concurso, ainda mais se você tiver participado – e vencido.

Em literatura, o acaso não existe. Você descobrirá isso um dia, por acaso.

Chame as coisas pelos nomes. Especialmente quando tratar de sexo.

Abaixo toda e qualquer metafísica.

Contra a metaforização excessiva.

Realidade: menos metafórica, mais metadêntrica.

Abaixo os nefelibatas alcoólicos, os crentes de uma suposta superioridade dos escrevinhadores e literatos, os que se fiam em transes e inspirações divinas ou demoníacas ou lisérgicas ou político-partidárias.

O diabo não existe. Karl Marx está morto.

Não à demagogia travestida de "consciência social", à incivilidade, à barbárie travestida de "contestação", ao movimento dos não-alinhados, aos suicidas frustrados, à invasão das salsichas gigantes, à terceira via, às balas perdidas, à literatura engajada.

Não a quaisquer bairrismos.

Unamo-nos todos na suruba dos diametralmente opostos.


Por ANDRÉ DE LEONES, HENRIQUE RODRIGUES, VANDRÉ ABREU, LÚCIA BETTENCOURT e WESLEY PERES.


Sunday, July 08, 2007

Saudades e saudações

A FLIP acaba hoje, e eu não estive lá. Não ouvi as palestras, não participei das rodinhas de conversa fiada nas filas (tão longas) dos bares e restaurantes. Não exercitei meu voyerismo e minha curiosidade espreitando os autores mais queridos e os mais badalados. Mas sei que meus amigos vão me contar coisas quando voltarem. E, pela minha experiência, as coisas contadas são inevitavelmente mais saborosas do que as coisas vividas. Um bom contador de histórias não precisa mentir para fazer suas experiências reluzirem no texto: é só saber escolher (editar) alguns aspectos e vesti-los com as palavras corretas. Tcharã! Cinderela virou princesa. É simples assim. Já um não-contador de histórias não consegue editar nada, daí que seus relatos são sempre longos demais. E ele, ou ela, se perdem em risadas provocadas pela sua experiência, que não conseguem transmitir, repetem: "você precisava estar lá", ou então, "só vendo pra entender", ou ainda o pior de todos, "não dá para explicar". Enchem nossos ouvidos com desimportâncias, choram e se indignam com fatos que ficam sem sustentação, e partem, nos deixando cheios de fragmentos.

A última vez que estive na FLIP foi há dois anos, com o Guilherme. Encontramos muita gente querida, e outra gente que se tornou querida por lá. Passeamos pelas ruas da cidade com aquele jeito de turistas com um propósito, e fomos a todos os lugares recomendados, nos deixamos seduzir por todas as exposições, paramos em frente aos camelôs que nos maravilharam com suas artesanias e seus bonecos contadores de histórias. Chovia, e nós saltavamos as poças que se criavam entre as pedras irregulares da rua. Às vezes não havia como escapar da lama, que se tornava uma lagoa, mas nós olhávamos os cachos floridíssimos dos buganviles e esquecíamos os pés molhados. Acho que estou evitando voltar a Paraty para não substituir essas lembranças.

Passei uma semana muito ocupada, mas continuo as leituras. Vou devagar e sempre na Nadine Gordimer (The House Gun), livro denso. Fui de um só fôlego na Verônica Stigger, a promissora. Já tinha lido Toda terça, da Carola Saavedra. Agora me deu vontade de ler toda essa galera, inclusive o Galera, de quem já li Mãos de Cavalo. Quero conhecer o jacaré do Mastigando humanos, quero ler alguma coisa além das reclamações de Berlim da Cecília. Mas preciso de arranjar tempo para isso. Estou na fase final da obra, meio que paralisada com a mudança (ô que coisa mais amendrontadora, meu Deus!) e com um conto começado pelo qual estou particularmente fascinada. Chama-se Nove sultanas. Não é lindo o nome? Pois é. Quero lê-los, mas isso não quer dizer que eu os admire. Mas quero entendê-los, ou malentendê-los, antes de falar neles.

Despeço-me com um poema.

Caneta tinteiro

Uso minha caneta tinteiro

como se fosse um falo.

Acaricio, aperto, estreito,

não deixo que desfaleça

antes que em minhas mãos estremeça

e seu espesso sumo exploda sobre o papel:

estrela, gota, poema

É meu, apesar de eu sempre dizer que não escrevo a mão. Mas, na verdade, tenho um verdadeiro fetiche por canetas, lápis, lapiseiras e todas essas coisas de papelaria. E por hoje é só.

Sunday, July 01, 2007

De viagens e resenhas

Viajei. Fui para Vitória, e conheci gente muito legal. Palestrei, ouvi palestras, bati-papo com gente bamba. Só que, sempre que viajo, meu computador parece que fica com ciúmes e dá tilt. Desta vez, cheguei e ele não queria mais se conectar com a Internet.
Agora ele voltou, que bom, que não sei mais viver sem este vício.
Em Vitória, falei sobre essa nova ferramenta (ferramenta? uma coisa tão sutil, tão diferente dos camartelos parnasianos, como posso chamar meu computador de ferramenta?) e de como essa invenção facilitou a minha escrita. Adoro escrever na frente da telinha. Adoro preparar aulas na frente da telinha. Resenhar, nem se fala. Pesquiso, abro páginas, vejo o que há de novidade por aí. Leio esses blogs literários que são ótimos e variados, vejo fotos...
Amanhã e depois estarei no SESC, ali no Flamengo, escutando as boas falas dos amigos e reencontrando um pessoal que adorei conhecer nas viagens pelo Brasil. Vou encontrar também o pessoal da Editora, com quem já não encontro desde o final do ano passado. Vou estar com o Mussa e o Antônio Torres, vou estar com o Wesley e o Nereu, os novos vencedores do prêmio SESC. Vou estar com o pessoal do SESC de Pernambuco, de Manaus, do Paraná, do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo.
Há um ano atrás eu estava lá na ABL, olhando pela primeira vez meu livro (enquanto objeto) e muito atordoada para poder saborear melhor o momento. Amigos e família estavam presentes, me acarinhando, e eu agradeço muito, embora no dia eu só tivesse a aguda sensação da falta do Guilherme. Esse livro e suas badalações me ajudaram a suportar esse ano. Esse prêmio me abriu uma porta na frente da qual eu hesitava: a publicação. Ano que vem sai meu novo livro de contos: Linha de sombra, também pela Record. Enquanto espero, uma ou outra coisa que escrevo tem sido publicada. Dois contos e três resenhas. E aqui no blog vou publicando um ou outro poema.
E é isso.
Volto quando o computador me permitir.