Thursday, August 25, 2011

Mamutes e jararacas

Reabilitaram as jararacas, cujo veneno virou remédio. Remédio para pressão, remédio para o cérebro, remédio para a gente pensar melhor. Já estava na Bíblia, como diria Nostradamus. Ou ele não diria, mas um leitor do profeta em questão poderia interpretar a serpente do gênesis como uma jararaca que estivesse protegendo o cérebro tão pouco usado de Adão e Eva. Em que os dois se ocupavam, no paraíso? Em dar nome aos bois, é o que diz a Bíblia. Adão ( e eu assumo que Eva também desse seus palpites) tinha como incumbência nomear todos os animais e vegetais. Toda a criação! Haja imaginação. Não admira que alguns nomes tenham saído feios. Mais que feios, horríveis. Querem um exemplo? Xenartros e suas zigapófises. Bem, esse seria um Adão helênico. Tentemos outros: carduça, deputado. Esse adão brasileiro, depois de inventar girassol, borboleta, cascata, papagaio, inventou mijo, rubicundo, catarro, súcubo. Gastou sua imaginação. E, sentindo preguiça, foi criando uns nomes adaptados, tipo "pé de mesa", "braço de cadeira", "cravo de defunto". Aliás, defunto é outra dessas palavras feias. Outras saíram bem legais. Abracadabra, por exemplo. Ao ouvi-la, a gente já espera alguma proeza, pois ser capaz de dizer abracadabra sem trocar nenhuma sílaba já é um prodígio. Em compensação estupro é uma dessas palavras que não precisavam ter sido inventadas. E que são reinventadas a cada vez que são faladas. Tente dizer estuprada num meio de frase, assim meio corrido. Vai sair diferente. E estupefaciente?! É mesmo um golpe que precisa de uma boa jararaca para ser corrigido! Jararaca, cascavel, jiboia, coral, as cobras possuem nomes sonoros como trinados, que aguardavam a reabilitação das peçonhentas (argh!)
Mamute era uma boa palavra. Pesada, sólida como o animal que designou, impunha-se numa frase. Infelizmente fizeram um filme terrível com esse nome, e o estragaram. Agora, ao ouví-la, vou me lembrar do Depardieu, de suas toneladas de nariz, de seus centímetros de braços, de seu rosto suarento e de seus cabelos ensebados (ugh!). Outro dia vi no facebook uma campanha de salvação de palavras. Quais as palavras que você salvaria? Acho que a pessoa estava se propondo a salvar "inconsútil". Eu poderia ficar com balangandã, mas talvez preferisse azul, ou luar, ou rio. Talvez essa última, com sua plurissemia (aiii!) que deixaria minha palavra ora verbo, ora topônimo, ora acidente geográfico. E a imagem de um rio azulado pelo luar se revesa com a do Rio banhado de luar azul… E, ao fundo, uma jararaca se desenrosca preguiçosa, à feição de um rio entre folhagens.

Sunday, August 21, 2011

Melancolia

Escolhi o sábado chuvoso para ver o filme do Lars von Trier. Fui assim meio de pé atrás, receando ficar deprimida, mas o filme não permitiu: lindo, interessante, com imagens e situações inesperadas, sem melodrama, mas com tantos detalhes saborosos!… Para mencionar apenas um, a figura deliciosa do organizador de festas que não quer olhar a noiva e cobre o rosto. Como no velho truque das caixas chinesas (estudei isso na Faculdade de Letras…) uma história repete a outra: um astro rebelde atrapalhando a festa. E ninguém quer ver.
Mesmo na escuridão, na depressão, nos desentendimentos, tudo o que fica é a beleza. Uma beleza nada piegas, mas sempre incompleta. Sem clichês, sem baboseiras, sem lágrimas desnecessárias, com uma boa dose de agressividade e uma excelente dose de silêncio. Com contundência. Saí de lá com a luz de Melancolia brilhando no meu horizonte e me dando vontade de viver num mundo assim. Assim como, ameaçado? Bem, ameaçado nosso mundo está, claro. Mas num mundo em que ainda encontramos pessoas que sabem o valor da vida. Mesmo que em extinção. E que sejam humanos até o último nanossegundo! Um filme que precisa ser visto e depois digerido, comentado e apreciado.
A semana foi de muita correria, de ida a São João de Meriti e de encontro com almas boas, íntegras, corajosas, cheias de esperança. Adorei. E espero que Sant'Anna e São Joaquim sejam felizes para sempre, mesmo que só no palco, sob a direção de Abílio Ramos. E que os poetas que conheci mantenham sua sensibilidade, sua integridade e sua força.
Visitei, pela primeira vez, a minha editora, Record, em suas incrivelmente simples instalações. Livros por toda a parte, fiquei com a impressão de que as divisórias são feitas por livros, e nada mais. Enchi meus olhos com uma coleção de Jabutis para ninguém botar defeito. O troféu não é lá uma beleza, nem brilha mais do que as estrelas. É pequenino, escurinho, quase uma muiraquitã. Mas segurar um, sopesá-lo, ler o que estava escrito em cada pedestal, me deixou com o que os americanos chamam de "longing". Não sei bem como traduzir: anseio, desejo? Admiração desejosa? O fato é que, de todos os prêmios literários no Brasil, o Jabuti é o que mais me encanta, pois tem aquela coisa modernista de "clã do jabuti", de sobrevivência na adversidade, que é a marca do herói totêmico de nossa nacionalidade. Viva o jabuti! Nosso heroi, esperto e desajeitado, meio lento, mas capaz de colar seus caquinhos e seguir em frente. Começo a entender minha identificação com ele…
E me lembro do poema de Drummond, que sempre me comove até às lágrimas, Elefante:

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
e as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,caio

no meu vasto engenho

como um simples papel

A cola se dissolve

e todo seu conteúdo

de perdão, de carícia

de pluma, de algodão,

jorra sobre o tapete

qual mito desmontado.


Amanhã recomeço.

Saturday, August 13, 2011

Cada qual com a madeleine que lhe aprouver…

Leitores de Proust sabem que a madeleine, aquele bolinho em forma de concha e gosto meio alaranjado, é a chave para as "memórias involuntárias", que a Clarice e outros escritores conhecem como "epifanias". Pois o Bloch hoje fala do seu chaveiro de jabulani como uma madeleine, e lá embarca ele num texto sobre roupas, mordidas de cachorro, Botafogo e Proust. E ainda consegue encaixar mais uma ou outra lembrança e uma e outra homenagem à sua ilustríssima família – isso para não mencionar o grande modelo de correção contra o qual se mede: Dapieve. Eita! Parabéns, seu Bloch, assim não precisa mesmo contar caracteres, você já chegou lá, nas merecidas férias!
Escrevo hoje numa reconciliação com o Prosa e Verso: fiquei de bom humor com a comédia da vida intelectual em quadrinhos. O leão de chácara perguntando se o cara tem carterinha de pedante é muito bom. Mas continuar e exigir que ele pague dois ingressos, um para ele, outro para o Ego, é tirada de gênio! E as outras tirinhas também são legais, como têm sido legais as pequenas vinhetas do Gatão de Meia Idade (no Segundo Caderno), falando dos presentes. Numa o Gatão oferece à sua gata, um livro de Proust. Ela agradece, dizendo: Que bom, a letra é bem grande! Noutro ele a presenteia com um disco (foi o que ele disse) de Chopin, e ela: "Dá para dançar? Adoro dançar!" Não preciso mais fazer assinatura dos paulistas! Mantenho minha esperança.
Mas a leitura continua, e me assusto: A matemática da ficção?! Contar histórias por meio de sucessões de máximas, silogismos e figuras geométricas?! A ficção como um objeto estranho "com o qual não saibamos muito bem o que fazer"?! Bem, se é matemática, talvez possamos acertar contas… Quem tem lucro?
Mas o Prosa fala sobre Versos, mesmo que seja à margem. Nas cartas, Vitor, que se apresenta como tradutor da UFRJ, concorda com PH Britto que afirma que no Brasil existem 300 leitores de poesia. Acho que não precisamos entrar na matemática da poesia, pois a ordem de grandeza é mesmo pequena em termos dos nossos 200 milhões de brasileiros… Na outra página, a chamada para uma exposição poética: TeKnósPoiÉsis – Poéticas do oral ao digital: uma experiência para todos os sentidos. Tudo junto e misturado, assim como seus patrocinadores. Fico curiosa, acho que vou acabar indo, mas desta vez telefono primeiro para evitar o barraco do Mia Couto. O evento foi muito procurado, mas a platéia era só de convidados. Os cidadãos do Rio, que financiam a Biblioteca Pública de Botafogo, são cidadãos de segunda classe perante os convidados da Cia das Letras… seria essa a lição? Espero que não. Hoje estou com um espírito muito magnânimo!
Mas aí a última reportagem me faz estremecer: O futuro do ensino de Literatura no país está prestes a sofrer um golpe?! E logo do desmoralizado ENEM(a)?! Resigno-me a embarcar nas estatísticas. Não tem jeito, para quem gosta de ler, a matemática está virando coisa fundamental. Cito:
"Poesia e letra de canção somadas comparecem em 42% das questões; romance, medíocres 12%; conto, apenas 3%; em contraste, histórias em quadrinhos têm gordos 19%".
Cito de novo:
"Drummond é quem mais aparece, 19 vezes; em seguida vem Machado de Assis e Bandeira, 7; depois, nenhum autor aparece mais de 5 vezes. Graciliano Ramos e João Cabral aparecem 3 vezes cada, menos do que Jim Davis (do Garfield) e Bob Thaves (da tira Frank e Ernest), com 4 vezes cada"…
Acho que é mesmo hora de mudar para os domínios da Matemática. Para mim, é um pouco tarde, mas aconselho aos novos escritores que sigam o exemplo do escritor português, e que usem suas letras para fazerem fórmulas algébricas. Misturando isso com uma tinta oriental, turca, árabe ou mesmo um certo ar africano, o sucesso de vocês estará garantido. Pelo menos até a próxima semana.

Friday, August 12, 2011

O drama da idade

Recebi de uma amiga, L, um email com muitos desenhos engraçados mostrando que o tempo passa para todos, até para os personagens de desenho. Vejam, Piupiu fez 60 anos esta semana, e lá aparecia ele sentadinho em seu poleiro, todo enrugadinho. A Barbie com 50, perdeu suas formas e se deliciava com bombons e TV. O Superman exibia seu barrigão de 72, o Thor e o Hulk, aos 48 anos, parecem aqueles coroas que, inconformados com a idade, se vestem como adolescentes. Batman e Robin aos 70, continuam juntos, só que o Robin, careca e encurvado, empurra a cadeira de rodas do Batman. A Mulher Maravilha, já quase aos 70, insiste no maiô, mas já não sidera mais ninguém, nem mesmo o cachorrinho que ela domina com seu chicote. O Spiderman, com mais de 50, envelheceu mal, e está preso ao soro, muito doente. São brincadeirinhas, e a gente ri, mas se inquieta um pouco. Principalmente quando junta isso à notícia da recuperação de Sininho, a hipopótamo que perdeu a mãe que estava com 53 anos. Segundo informava o jornal, a mãe foi sacrificada na sexta passada pois estava muito velha, já passara dos 48, média de vida dos hipos, e cheia de doenças: artrite, problemas respiratórios, úlcera sei lá o que mais. E a Sininho, com 10 anos, entrou em depressão e deixou de comer. A tratadora, entrevistada, disse que ela já tinha voltado a se alimentar, e que ia se recuperar, que era o processo de luto normal. Fiquei pensando que ninguém acha errado sacrificar um animal que sofre, mas todos se levantam contra a eutanásia. Por que será que os humanos estão condenados ao sofrimento? Por que libertamos apenas os animais? Quero ser "posta para dormir" caso as mazelas cheguem a me incapacitar!
Para terminar filosofando mais um pouco sobre idade, falo sobre Rosa, a peça que assisti ontem, e que não é propriamente sobre a velhice, mas sobre a memória. A memória de uma mulher judia, que se confunde com a história de seu povo. Rosa está de luto, mas um luto muito maior do que se possa pensar a princípio, pois está de luto pela humanidade perdida. É um monólogo muito bem sustentado pela atriz, que vai revelando as perdas sucessivas que não a abatem. Em sua trajetória, desamor e perdas, paixão e sobrevivência, Deus e a vida são avaliados com uma dose de humor, resignação, e encantadora vontade de acomodação. "Por outro lado", o que a sustentou e ao seu povo até então, periga de transformar-se num lado mais sombrio e ressentido, de acerto de contas infrutífero. Muito boa peça. E triste, embora seja engraçada. Como diria Rosa, é o "por outro lado"…

Thursday, August 11, 2011

Tempos de minha avó

Saio com a família e o papo é amor. Amor físico, que ontem foi tabu, coisa proibida, e hoje é discutido abertamente nas mesas de restaurantes. Fico escutando, descobrindo novas tecnologias que me fazem rir, graças à maneira que são descritas. Mas hoje, ao sentar aqui para escrever, o que me vem à lembrança são as histórias de minha avó.
Vovó era uma espécie de "terrorista" do sexo, suas conversas eram todas voltadas ao grande perigo de praticá-lo antes do casamento. Era uma história atrás da outra contando dramas familiares solucionados, às vezes, por um bom coquetel de guaraná com formicida. Claro que já existia a pílula anticoncepcional, mas essa ainda não tinha carimbado o passaporte no imaginário da minha avó. E o caso da virgem que engravidara do cunhado, "um sujeito porco, que deixava as toalhas sujas no banheiro!…" era comentado com algumas variações. A porca poderia ser a mulher ou a empregada. Na versão da minha avó, a virgem era sempre uma vítima.
Sua grande aversão era pelas "assanhadas" ou "sirigaitas". Essas eram um horror! Uma sirigaita dessas, apesar da mãe tão cuidadosa, que a acompanhava em todos os lugares, conseguiu "namorar" e engravidar na fila do leite! Era no tempo da guerra, acho eu, quando havia fila para tudo. A mãe devia mandar a filha para a fila bem cedinho, e lá ela encontrou um leiteiro ou outro cliente madrugador e tomou outro tipo de leite.
E haviam histórias terríveis, de moças que se enfaixavam todas para que não se descobrisse que estavam grávidas, e quando os filhos nasciam, estavam deformados porque não tinham podido se desenvolver. Ou histórias engraçadas de mulheres, respeitáveis e respeitosas que, quando grávidas, "enjoavam" do marido e só lhes apeteciam os maridos das vizinhas… Essas eram perdoadas. Afinal, enjoos de gravidez eram coisas que minha avó respeitava.
Uma história atrás da outra, mas agora, relembrando-as, vejo que em nenhuma delas era o sexo o vilão. Não tinha percebido isso, mas seu problema era a gravidez. Já na palestra de ontem, no SESC Tijuca, um dos participantes me contou de seus grupos na Igreja, e dos conselhos do padre: "quando sentirem os sintomas da atração, vocês devem se afastar e rezar até ficarem calmos!" Meu aluno comentou: "nós, com 14 ou 15 anos, se seguíssemos o conselho do padre não pararíamos de rezar!"
Bem, aí a gente fica pensando que, se todos os problemas do mundo fossem a sexualidade dos jovens, estaríamos no paraíso terrestre. O problema começou foi com Deus, ciumento, que não pode admitir aqueles dois adolescentes saudáveis e lindos fazendo aquilo que seus hormônios aconselhavam. Expulsar os dois por conta disso? Uma pequena mordida na maçã?! Mas se é uma maçã gostosa, sumarenta e doce, por que não?
Sábios são os americanos: an apple a day keeps the doctor away. Uma maçã por dia, sem culpas e sem desculpas pode ser o melhor remédio.

Monday, August 08, 2011

Sem prosa nem verso

Desapontamento: espero toda a semana pelo suplemento literário do Globo e, quando ele chega, tudo vem dedicado à cidade. Cadê meus livros? Será que vou ter que assinar jornal de São Paulo? Ôrra, meu!
Desapontamento II: Mia querido Couto fala hoje às 15:30h na Biblioteca de Botafogo. Por que justo no dia e na hora de minha aula? Será que vou ter que brigar com a Cia das Letras?
Desabafos à parte, não vejo razão para brigar com a Cia, que me proporcionou uma beleza de palestra no sábado passado. Alex Ross falando sobre Chacona, comemorando os 25 anos da editora. Ela vai trazer um time de gente boa, e finaliza com o Amos Oz… Acho que por isso tem ventado tanto aqui no Brasil, para anunciar a chegada do Mágico de Oz. Não, não precisam rir, a piada é mesmo boba, mas me permite uma transição de assunto, ao gosto de Machado, embora sem o mesmo talento. Passo para o vento, do vento ao frio, do frio ao nevoeiro, que pode perturbar a aviação mas que torna minha linda cidade misteriosa e desejável como Salomé. Que prazer andar pela praia e ir acompanhando o desvelamento preguiçoso das montanhas! E olhar o mar impetuoso com suas ondas, cercado pelas placas cautelosas : Cuidado, correnteza.
Fico querendo me transformar num barquinho de papel e me deixar flutuar até ver onde essa correnteza pode me levar… Na falta de coragem de mergulhar nas ondas (que devem estar geladas) flutuo nas ondas do pensamento e vejo a imagem do barquinho retirada do filme Persuasion. Adorei. Assisti encantada com umas coisas disparatadas, que não sei por que chamaram a minha atenção: Atores e atrizes fora dos padrões de glamour, mas dentro do espírito da época de Jane Austen – Sem maquiagem, sem tratamento de uniformização dos dentes, sem branqueamento exagerado.
Homens e mulheres suam, suas peles brilham, a gente quase que surpreende um cheiro de suor ao entrar nas casas junto com as câmeras. Os homens fascinam. Sei que ela descreve o universo feminino como ninguém, mas talvez por isso os homens – tão desejados – sejam extremamente fascinantes. Mesmo os que a gente, à primeira vista descartaria como horrorozinhos, logo se mostram encantadores seja pela sensibilidade, seja pelo aprumo com que envergam suas fardas. E que fardas! Dei por mim imaginando como seria difícil resistir àqueles maravilhosos oficiais de marinha, chegados vencedores das guerras napoleônicas, ricos com o botim de guerra, auto estima elevadíssima pela vitória, e estatura ampliada pelo chapéu. Numa das cenas, em que o grupo passeia pelo molhe e é mostrado em silhueta, era quase que um friso grego, não de meros mortais, mas de centauros. Bem, foi assim que os vi: altos, altíssimos, com suas crinas ao vento…
A história? Sim, sempre legal, um mecanismo de compensação de Miss Austen, que amou e foi amada através de suas personagens. Vingou-se das irmãs comedoras de doces, vingou-se das manipuladoras, zombou com simpatia das mães e tias faladeiras e preocupadas apenas com o casamento das herdeiras. Na sua bem educada compostura e na capacidade de observação e reflexão, as mulheres em segundo plano são premiadas em sua constância e equilíbrio. Viva Jane Austen! Estou quase acreditando que o amor acontece desse jeito, e que não se trata de um furacão que nos arrebata para Oz. Nem de um nevoeiro que torna a noite mais fria e que nos embriaga com seu cheiro de maresia… Embora noites assim possam ser ideiais para o amor!

Tuesday, August 02, 2011

Agosto já chegou

Nos tempos romanos, agosto era o mês mais prestigiado do ano: mês de Augusto, que surripiou um dia do meu pequeno fevereiro, pois não podia ficar com menos dias que o mês de Júlio César, que o antecede. É o mês do signo de Leão, mês do Sol e das honras – isso tudo lá no hemisfério norte–. Aqui é o mês do inverno, da volta às aulas e dos ventos. Também é conhecido como o mês de cachorro louco e mês do desgosto. Esse desgosto, que é uma rima e não uma explicação, talvez se deva ao suicídio de Getúlio, que já foi tão importante e hoje poucos sabem quem foi. (Triste o povo que não conhece seu passado, já disse algum filósofo, com outras palavras.)
Como é época de ventos, também é época de soltar pipa, e esses pedaços coloridos de sonhos sempre me encantaram muito. Hoje já quase não se vê alguém soltando pipa na zona sul. Mas domingo, passando pelo centro da cidade, lá estavam cerca de uma dúzia de pessoas se divertindo e mostrando sua perícia. Lindo! Sugiro um show de pipas, para a abertura dos jogos que se aproximam.
Mês de cachorro louco? Não sei por quê. Mas a loucura dos cachorros deve de estar contaminando os políticos do mundo afora, todos eles enlouquecidos disputando um osso do Estado. Não gosto de falar de política, mas olho com apreensão a derrocada dos EUA. Obama não tem coragem de persistir com seu blefe, pois me parece ser um homem de bem, interessado no país. Seus adversários são jogadores profissionais, e a eles só importa a vitória, mesmo que, vencendo, eles destruam o saloon. E observo com tristeza ainda maior o nosso próprio país, onde todo mês é mês de corrupção, onde todo órgão parece já estar sofrendo com a metástase deste câncer…
O mês é de frio (pouco) e de liquidações (muitas). De encontrar os amigos nas salas de aula, de tratar de estudar pois o ano já-já acaba. Imaginem, já entramos no segundo semestre!
Agosto é mês dos pais, mês de muitos aniversários, portanto, mês de muitas festas. Nada de começar dietas em agosto. Setembro já vem, e aí sim podemos experimentar aquelas dietas da lua, da sopa, do leite, do tipo sanguíneo, seja lá qual for a que estiver prometendo um verão com menos gordura.
Ainda dá tempo de tomar mais uma tacinha de vinho! Se esfriar mais um pouco, quem sabe um fondue na Casa da Suíça, ou um cozido farto, fumegante? Hmmmm, que delícia! Aproveitemos o augusto mês de agosto!