Thursday, July 25, 2013

Tragédias e alegrias

Sempre me espanto com o fato de que nossos sentimentos não são universalmente compartilhados. Se estou triste, como pode o mundo e as pessoas seguirem alegres com coisas que nem sequer têm a ver com eles? Lamento a tragédia acontecida na Galícia, onde tenho amigos e de onde guardo boas lembranças. Como pode um vagão sair voando assim  e estatelar-se, enquanto outros se engavetavam e matavam e feriam pessoas que estavam felizes, prontas para desfrutar um feriado? Indiscriminadamente, inesperadamente, inexoravelmente. E, enquanto isso, porque se alegram aqui as pessoas com o nascimento de um príncipe cujo nome é de arrepiar? George Alexander Louis, que talvez nunca venha a reinar sob o nome de George VII, tem tudo (no caso 3 nomes) para ser estilista.  Griffe denominada "By George!", uma pequena ruguinha sobre seu narizinho preocupado com a roupa que sua bisavó usaria na primeira visita real.
Enquanto tento me certificar de que nada aconteceu com meus amigos galegos, leio notícias sobre o "lodaçal da fé", e me preocupo com o Papa sorridente, mas um pouco chatinho. Se, logo na chegada ao Rio nossa expertise já levou o pobre homem para o meio de um engarrafamento, creio que na ida para o Lodaçal da Fé arrumem jeito de atolar seu Fiat numa poça e iniciarem um flash mob, com as pessoas cantando "vem pra Lama", enquanto se atiram no chão para o papa poder passar.
Espero estar enganada e que o papa não pegue dengue ou malária por conta de mosquitos impertinentes e talvez evangélicos. Espero que nem sequer um resfriado seja levado de herança por este simpático visitante que, sem dúvida, há de perguntar a Deus sobre a tão falada criatividade brasileira. Que fim levou, ó pai? Se em todas as estações da Via Sacra vamos ter uma "estátua viva" ou cadeirantes  empurrados por motoboys. Um espanto isso. Seriam os cadeirantes ex-motoboys? E os enfermeiros que irão alegremente empurrando as macas e, outra vez, as cadeiras de roda? Será que farão uma campanha contra a pólio?
Acho que tudo isso é despeito meu, que, gripada, não conseguirei acompanhar a festa. Mas vou tentar ver pela TV a cara que o papa F. fará ao descobrir que a Cristina K. foi convidada pela Dilma R. para assistir a missa do Envio do Papa. Vão enviar ele para onde? 

Tuesday, July 09, 2013

Quem sou eu, afinal?

Esse negócio de autoentrevista combinou-se com essa coisa de espionagem de meus posts, de minha correspondência eletrônica, e de minhas ligações por celular. Será que sou assim tão interessante? Devo estar na lista das pessoas mais procuradas do planeta, como serial killer: matei de tédio todos os agentes encarregados de ler e escutar os testemunhos de minha vida. Perdão, mil vezes perdão. Sempre me ofereço para melhorar as coisas com minha imaginação, mas as pessoas continuam interessadas na "verdade". Mas qual é a minha verdade verdadeira? As coisas que faço cotidianamente, acordar sempre cedo, escovar os dentes, tomar o mesmo café, puro, sem açúcar?
Ou seriam meus sonhos, minhas lembranças? Sou aquela que tem um jardinzinho, com plantas cultivadas em memória de pessoas amadas, que já se foram. Sou a que não olha álbuns de fotografias, com medo de chorar, mas que guarda as fotos e conversa com elas, nos portarretratos espalhados pela casa. Sou a que sorri quando encontra os amigos, e que os abraça com vontade de transmitir a eles a grande alegria que me dão, sendo meus amigos. Sou a que encontra refúgio entre as páginas de um livro, e a que conversa com passarinhos que visitam seu jardinzinho. Sou a que se entristece quando um bibelo barato se quebra, pois ainda lembra do carinho de quem lhe deu aquele enfeite, e dos olhos que já contemplaram aquelas coisas, e que se fecharam para sempre.
Sou também aquela que plantou algumas árvores, fez alguns filhos escreveu alguns livros. Continuo escrevendo livros na esperança de que alguém os leia. Talvez ainda plante alguma árvore, no futuro, ou mesmo um pequeno arbusto. Mas não farei mais filhos, os que tenho alegram minha vida, preocupam minhas noites e me fazem temer o futuro, que vislumbro ameaçador e pouco gentil. O futuro… devia estar me preocupando com o presente, que é somente o que temos. Aqui e agora, mas conscientes de que a vida se expande por longos anos, e que continua além de nós, portanto, para permitirmos a todos viver e aproveitar, é preciso cuidar e conservar.
Resumindo: sou sem graça, mesmo quando pretendo oferecer uma versão menos chata de mim. E sofro por isso. Mas tento consolar-me, da melhor maneira que consigo.

Tuesday, July 02, 2013

Autoentrevista 2384

Saiu numa revista espanhola, chamada 2384. Não me perguntem de onde tiraram esse nome, que é um número, para uma revista literária. Há de ter algum matemático infiltrado no conselho editorial. Ou esse talvez seja parte do número do telefone da namorada de um deles. Ou o final do cartão de crédito de outro. Ou um conselho cabalístico de uma numeróloga. Só sei que a revista é bacana, com uma produção visual que nem sempre facilita a leitura, e que tem fotos escandalosamente ótimas. E textos muito bons. E que gostam de que autores se autoentrevistem, talvez para evitar as repetições das perguntas de que se queixa o personagem de Amós Oz em Rimas da vida e da morte.
Julguem vocês, se me saí bem.
Publico em português e depois dou o link, para verem no site da revista, já traduzida para o espanhol.

Fazer uma autoentrevista é como fazer um autorretrato?
(Risos) Acho que não. Num autorretrato o artista tem o espelho como intermediador entre ele e sua criação, que fica em xeque por conta dessa imagem. Na autoentrevista, só existe autor e criação… uma combinação que geralmente leva à fantasia e ficção, a uma imagem sem limites objetivos.

Mas você pode revelar alguma coisa sobre sua vida e/ou sua obra?
Bem… Um autor, geralmente, vive através de suas obras. A vida cotidiana do autor é, na maioria dos casos, muito desinteressante. Sentamos e escrevemos. Ou ficamos de pé e escrevemos, como Pessoa. Ou, até mesmo, deitamos e escrevemos, como Proust. Mas, algumas vezes, lemos. Outras vezes paramos de escrever e é como se nos dissolvêssemos no ar. Pois, mesmo que estejamos mergulhados em atividades, que nossa vida esteja repleta de aventuras e eventos fantásticos, isso só parece existir para nós depois que traduzimos tudo em palavras.  Somos como náufragos, nadamos desesperadamente – não apenas para sobrevivermos –, mas para termos a chance de chegar a algum lugar e podermos criar a mensagem que enviaremos na garrafa. Essa mensagem, é claro, destina-se a alguém, mas não sabemos a quem. E, também, é necessariamente incompleta, fruto de nossa experiência de náufrago, – e que náufrago sabe, com segurança, para onde as ondas o levaram? Portanto, não há muito o que revelar sobre minha vida. Quanto à minha obra, saberei sempre menos que meu mais desatento leitor.

Então, por que dar uma entrevista a você mesma?
Creio que nenhum outro entrevistador seria capaz de me permitir mentir sobre mim ou sobre meus livros com a mesma sinceridade que o faço.

Mentiras sinceras? Você tirou isso de alguma música?
Preciso confessar que sim. Mas essas mentiras a que me refiro são completamente diferentes das da música, pois não são mentiras sentimentais. O autor, ao se analisar, crê sinceramente que está dizendo a verdade. No entanto, a verdade nunca é única e, como não conseguimos ser, ao mesmo, tempo sujeitos e objetos, nossa verdade confessada é subjetiva e imperfeita, portanto, mentirosa.

Falemos, então, de suas obras. Há quanto tempo você escreve?
Desde que aprendi a escrever passei a me relacionar com o mundo através da escrita. Sempre fui tímida e era mais fácil, para mim, escrever e deixar que os meus amiguinhos de escola lessem, ao invés de falar e me fazer notar.

O que você escrevia?
Histórias em quadrinho. Chegava em casa e “reciclava” os papéis usados fazendo caderninhos onde desenhava pequenas histórias. Era minha brincadeira predileta. Infelizmente não guardei nenhum desses meus livrinhos de infância, e meus pais nunca valorizaram esse meu subterfúgio.

Mas você lembra de alguma dessas histórias?
Não. Lembro apenas de minha primeira crítica negativa. Tinha escrito uma história – da qual já não lembro o enredo – mas que tinha uma  (em minha opinião) maravilhosa descrição do por do sol. Falava do astro e de como seus raios amarelos terminavam em formosas pontas de rubi. Meu pai leu a história e me alertou para o fato de que eu não estava descrevendo o por do sol, mas sim um desenho do por do sol. De repente, perdi minha ingenuidade infantil e passei a desejar escrever de maneira que pudesse criar imagens que, embora não tivessem necessariamente que ver com o real, pudessem ser percebidas como “verdadeiras”. Mas a fantasia continuou a imperar.

Você algum dia quis ser “escritora”?
Em verdade, nunca quis ser escritora, mas sempre me defini assim, pois escrever era e ainda é, minha expressão favorita. Gosto de falar e de estar com os amigos e a família, mas as coisas importantes que consigo comunicar são através de textos. Todas as minhas frustrações, todos os meus medos, tudo o que me incomoda, as coisas que me faltam, os desejos insatisfeitos, tudo isso eu resolvo em narrativas. Olho para o mundo, cada vez mais agressivo e incompreensível, e procuro um sentido para ele. As palavras são meu consolo e minha salvação. Através delas posso ser violenta ou suave, posso ousar ou temer, posso consertar ou destruir.

Esse seu aspecto demiúrgico é sua principal característica?
Não, muitas vezes, ao invés de criar mundos, prefiro brincar com a própria literatura. Sou uma leitora voraz, e algumas histórias que leio ficam germinando dentro de mim, crescendo e exigindo que eu reaja a elas criando alguma coisa diferente, algum tipo de resposta. Na verdade, é uma espécie de “leitura por escrito”, pois sempre que lemos um texto, nos apropriamos dele. A história que leio é necessariamente individual, pois ela se realiza na minha imaginação, na minha psiquê. Esse é o milagre da literatura: um bom livro viverá em seus leitores e sera único a cada leitura. Existem livros que são bem escritos, interessantes, mas que se esgotam numa única leitura, nunca mais voltamos a eles, nunca mais eles terão nada a nos dizer. Outros são livros a que voltamos sempre, e com o mesmo interesse. Mesmo sabendo o final, mesmo conhecendo a história, precisamos revisitá-la pois tornou-se parte de nossa própria experiência: essas, em minha opinião, são as grandes obras literárias.

O que você está escrevendo agora?
Estou terminando um romance sobre a morte de Rimbaud, pois, ao preparar umas aulas que estava dando sobre ele, li sua biografia e fiquei muito sensibilizada com o final de seus dias. A vida dele, um grande redemoinho, me parece exigir uma morte menos cruel, e menos escondida. Pensar que no enterro deste poeta extraordinário só a mãe e a irmã compareceram me  dá dor no coração. Então, escrevo e convido a todos para esse novo funeral. Acontece que estou escrevendo um romance, e não uma biografia, daí que posso criar de acordo com minhas interpretações e meus desejos.

Este projeto me parece bem triste. Você é sempre triste assim?
No fundo, no fundo, sou bem sombria. Mas tenho um lado solar e alegre que aparece mesmo no meio de minhas grandes depressões e é o que me “salva” de mim mesma. Meu romance anterior, O amor acontece, é muito divertido e com personagens mais doces, menos complicados. Trata-se de uma história de amor escrita por uma pessoa que não acredita em amor. Ela é contratada para ir à Veneza e escrever um romance ambientado nesta que é uma das cidades mais românticas da Europa.  Mas ela só vê os aspectos negativos, a umidade, o cheiro de mofo. Ou, quando seu humor melhora, ela só vê a Veneza dos livros:, a que foi contada por outros autores que fizeram da cidade seu cenário.  Ela é incapaz de ver o que está acontecendo ao seu redor, mas acontece que existe alguém que  consegue romper esse seu véu de descrença/fantasia e ensiná-la a se entregar às surpresas da vida. Só que a autora é teimosa e a história que ela escreve é um desencontro atrás de outro. Temos, então, um romance dentro de outro; passar de um plano a outro da narrativa é bastante agradável e provoca um diálogo entre as diferentes opiniões sobre a possibilidade de se amar no mundo moderno.
Você falou em romances, mas sua carreira se iniciou com contos, não?
Os primeiros livros que publiquei foram de contos. Durante muitos anos escrevi apenas poesias, mas essas estão guardadas, não sei se algum dia virão a prelo. Os contos também estavam engavetados, mas, em 2005, tomei coragem e mandei um para um concurso. Trata-se de “A cicatriz de Olímpia”, que ganhou o I concurso Osman Lins de Contos. No mesmo ano meu marido pegou os originais de um conjunto de histórias e os enviou para o SESC:  graças a iniciativa dele ganhei o Prêmio SESC de 2005 com o livro A secretária de Borges. Em seguida publiquei Linha de sombra, outro livro de contos. Mas as editoras não gostam de publicar apenas contos e acabei me aventurando na narrativa mais longa, embora eu prefira trabalhar com a forma mais sucinta e muito sofisticada do conto. Cortazar nos ensina que no romance existe espaço para divagações, mas no conto precisamos ser absolutamente essenciais e surpreendentes como um nocaute. Além dessas obras já mencionadas, escrevi e publiquei mais três livros infantis (O sapo e a sopa, A cobra e a corda, Botas e bolas), um livro de ensaio (O Banquete: uma degustação de textos e imagens)  que acaba de ser premiado pela Academia Brasileira de Letras, e colaborei em algumas antologias, revistas e jornais. E ainda ganhei o prêmio Josué Guimarães na 12ª Jornada de Literatura de Passo Fundo, com os contos “A mãe de Proust”, “A caixa” e “Manhã”, que só este ano estão sendo publicados pelos organizadores.

Qual o significado dos prêmios na vida do escritor?
Sem dúvida os prêmios ajudam na construção de uma carreira, e abrem algumas portas. Claro que, como em tudo na vida, quanto mais prestigioso um prêmio, mais portas ele abre. Eu mesma só comecei a ser publicada a partir dos prêmios que recebi, pois sou tímida e muitas vezes acometida de crises de autoestima. Os prêmios recebidos funcionam como estímulos e reconhecimento. Reconhecem o nosso esforço e nos estimulam a produzir e a continuar insistindo numa arte que é solitária e demorada. Vivemos numa época em que se procura gratificação imediata e o processo de publicação tradicional é necessariamente demorado. Esta é a razão pela qual acredito que o futuro vai ver cada vez mais publicações eletrônicas, embora convivendo com alguns livros tradicionais, que não desaparecerão completamente.  Voltando aos prêmios, algumas vezes, nos trazem tesouros inestimáveis. Por exemplo, quando recebi o prêmio Josué Guimarães, recebi também um convite da Universidade de Santiago de Compostela. As lembranças do local e as amizades que fiz por lá são motivo de grande alegria. E as coisas que aprendi, são inestimáveis! Com o prêmio SESC, seguiu-se uma série de viagens pelo interior do meu país, e foi como se eu tivesse ganhado um certificado de “brasilidade”. Ganhei a minha própria terra de presente, ganhei raízes mais profundas, uma injeção de seiva.

Escrever em português é mais ou menos difícil?
Que pergunta tão mal formulada, mas creio que entendo o que você deseja saber. Algumas vezes lemos sobre o isolamento imposto aos escritores por conta de suas línguas de origem. Falamos de um Conrad que abdicou de seu idioma natal para escrever apenas em inglês, por exemplo. Ou discutimos a questão de idiomas como o galego, que durante anos foi uma língua “clandestina” devido à prepotência franquista. Ou lamentamos a escassa repercussão de um autor que escreve apenas em português, imaginando que ele poderia ter muito mais público caso escrevesse em outra língua. Mas podemos pensar na literatura mundial em termos de uma orquestra: cada idioma é um instrumento maravilhoso, com sua sonoridade própria e sua personalidade.  Um Scholem Aleichem, que escreveu em íidiche, um Chinua Achebe, nigeriano cujos livros foram capazes de “dissolver as paredes da prisão” de Mandela, são autores que nos ensinam que nosso local de origem e nossa língua materna nos enriquecem e são nosso maior trunfo, ao invés de nos prejudicar. Lembro da escolha de Dante que, ao escrever sua Comédia, optou pelo dialeto florentino ao invés do prestígio do Latim e, com isso, transformou o mundo literário. Escrever, seja no Brasil, na Etiópia ou na Ucrânia, ou mesmo na França, nos Estados Unidos ou no Japão é um ato de coragem e um trabalho delicado.  E, em cada idioma, há força e significação para recriar o mundo a cada história.

Para terminar: você se comparou a um náufrago, disse que os escritores são como náufragos. Isso não seria uma imagem negativa?
Não, um náufrago é um sobrevivente, uma pessoa normal que, por alguma circunstância, se vê transformada em herói. É aquele que tem recursos e criatividade para sobreviver, e é aquele que pode contar sua história. O mar a que me refiro é o que carregamos dentro de nós, e que nos isola do mundo, embora seja nossa única possibilidade de nos ligarmos aos outros. Somos como Ulisses, sabemos que dependemos desse nosso mar para chegar a um bom porto e que nossos naufrágios é que moldam nossa identidade. Somente no mar somos grandes, porque enfrentamos o incomensurável. Mas é só quando contamos nossos fracassos que encontramos nosso sentido e podemos, enfim, vencer a morte. Narramos, logo, somos.