Sunday, June 29, 2008

São Pedro e pinguins...

Quem disse que os dois assuntos acima não combinam? A gente pode combiná-los, por exemplo, através do canto do galo -- uma ave, outra ave, e acaba-se por rezar uma Ave Maria, no dia de hoje, que é dia do santo. Ou a gente pode combiná-los, numa outra hipótese, pelas ocupações: São Pedro era pescador, os pinguins são pescadores, e aí a gente sai para uma volta de barco, na procissão lá na Urca, num barquinho de nome...Pinguim. Sou fã de São Pedro. Acho que gosto de todos esses santos que, em suas histórias, conseguem nos transmitir um pouco de sua humanidade. Me lembro de quando era pequenina, minha avó contando histórias da sogra de São Pedro. Um santo casado! Não é o máximo? O primeiro chefe da Igreja católica era casado, e aí resolveram transformar a vida dos padres num negócio meio anti-natural:
"Olha, daqui por diante, como você vai ser padre, tem de abdicar de uma das suas funções biológicas, viu? Escolha: deixar de respirar, deixar de comer, deixar de ..."
"Mas assim eu morro!"
"Bem, sua saída é deixar de transar."
"Acho que prefiro morrer!"
Bem, esse diálogo hipotético, pelos vistos, não acontece assim como eu o imagino. Afinal, ainda existem padres vivos por aí. Mas não era por isso que o santo me agradava: ele era meio covarde, meio teimoso, meio egoísta. Estava sempre objetando alguma coisa a Jesus: "Como, dividir o pão? A gente só tem cinco!" ou "Quem, eu? Mas se eu nunca vi esse maluco antes!" ou "Jogar a rede prá quê? Acabei de passar a noite inteira pescando e não bateu nenhum peixe!"
Pois foi esse mesmo que aprendeu a "transcender" -- deixou de lado esse lado humano pela força de uma idéia, de um amor. Jesus há de saber quantas noites sem dormir, quantos litros de suor frio custaram as resoluções posteriores de Pedro. Mas, homem de bom caráter, ele foi cumprir o seu dever. E por isso ganhou as chaves do céu: ele pode avaliar e perdoar gente como a gente. Um daqueles santinhos feitos com jejuns e êxtases nunca poderá avaliar as dificuldades de quem vive no mundo, tendo que alimentar uma sogra gulosa e exigente! Viva meu São Pedro! E perdão pela minha teosofia?teologia?teolalia?
Guido me mandou um vídeo de um pinguim "amigo da onça", derrubando um coleguinha. O Amir Klink contou uma história de pinguins, que contei para meu marido, e ele adorava: tinha a ver com liderança, motivação, e esperteza. Meu marido dizia que era o exemplo da diretoria executiva. Vou tentar resumir: Observando os pinguins na Antártica, num dia, quando havia muitos predadores nadando por perto, o Amir viu um grupo de pinguins que hesitava em se jogar na água. Olhavam, chegavam perto, voltavam, disfarçavam, e iam ficando. Mas, a fome foi apertando, e, de repente, do meio do grupo de pinguins, uns cinco ou seis começaram a correr em direção ao mar. Os outros se empolgaram e começaram a correr também, de repente, todos os pinguins desabalaram numa carreira e se atiraram no mar, com exceção dos primeiros cinco ou seis pinguins, que, ao chegar na borda, estacaram, esperaram os outros mergulhar, deixaram que os predadores se saciassem e aí então foram à pesca. Espertos, né?
Para finalizar, conto que hoje completaria mais um ano de casamento civil. É que, como casei muito cedo, precisava de licença dos pais para casar, e tive que oficializar o casamento antes da festa, marcada para 19/07. Era o último dia da licença, o dia era de sol, como o de hoje, e eu estava usando um chapéu de palha branco, me achando o máximo, num vestido comprado na Loja das Meias -- a loja mais chique de Lisboa na época. O sapato estava apertando, mas nas minhas fotos ninguém vê o desconforto: só o sorriso nos lábios, e uma ligeira sombra de medo pela responsabilidade, assumida tão cedo, bem lá no fundo dos olhos. O Gui estava sério, pálido, sempre muito mais responsável do que eu. Ainda bem que ele não parou na borda! Nadamos em mares revoltos, mas ele estava sempre junto comigo. Quanta saudade!

Friday, June 27, 2008

Dia de reza forte

Voltando aos meus santos, que estão se acotovelando lá nos céus, em busca de um espaço, não consigo pensar num céu sem escritores. Pensemos em algo assim como uma gigantesca Hollywood, e os escritores vão virando roteiristas para Deus, que, cansado de sua obra, resolveu fazer greve, ou sair de férias. Então pensem num seriado, em que todo o mundo vai metendo sua colher, e teremos nossas vidas aqui embaixo (porque em baixo? estamos soltos no espaço, afinal!) interrompidas, modificadas, sem coerência, pois as idéias vão se misturando, as tramas vão se esgarçando, personagens se mudam sem explicação, teorias se multiplicam, escândalos explodem... O cenário também começa a decair, os figurinos mudam, algumas coisas parecem ainda perdurar, mas, um exame mais atento, vai revelando suas contradições, suas falhas, os defeitos e os vícios dos roteiristas, nem todos assim tão talentosos. E a mistura, o jogo de vaidades e de personalidades, os estilos diferentes, tudo isso contribui para que não se consiga obter uma homogeneidade. Acho que falta edição! Já que estou alfinetando a criação, aproveito para ver se algum santo ou roteirista me ouve neste momento, e peço-lhe que me facilite a entrevista de visto americano. Lá vou eu ter que me explicar que quero ir para lá, mas que não quero ficar. E que não tenho intenção de modificar o american way of life. Mas que pretendo ir a muitos museus, a muitas livrarias, a teatros e parques de diversão. Que tenho vontade de voltar a Disney, para ver as novidades. Que talvez ainda me entusiasme a descer o Rio Colorado numa balsa, ou que resolva enfrentar os calores do deserto para ver um geiser, quase tão old e tão faithfull quanto eu. Ou canyons, mais profundamente rasgados que o meu coração. Que gostaria de visitar amigos que deixei por lá, e de quem me lembro com carinho. Convencê-los de que meu trabalho não depende da economia americana -- sei lá, talvez até dependa, tudo parece depender daquela borboleta que bate asas lá longe e nos desequilibra o mundo por aqui. Que não vou com intenção de fazer compras, mas que já sei que cairei na tentação e que comprarei tudo o que meu orçamento permitir... Que vou comprar maquiagens que não uso e cremes que me prometem conservar uma aparência que já não tenho. Que descobrirei mais um aparelhinho sem o qual não conseguirei viver nas duas semanas após sua compra, e que depois ficará esquecido numa gaveta, com baterias descarregadas, obsoleto. Que comerei sem reclamar as comidas da moda, sejam elas tailandesas ou africanas, desde que a companhia seja boa e gentil. Que, sozinha, substituirei o almoço por um balde de frappuccino, deliciada com essa maravilha que ainda não chegou até nós.
Bem, estou indo. Munida de papéis e recibos e extratos de banco, atestados de bons antecedentes, sorrisos inúteis, que resvalarão nos rostos treinados dos funcionários, e cairão por terra, agonizantes. Depois, à noite, vou ao teatro, ver a Noviça Rebelde. Será que quer dizer alguma coisa, essa coincidência?

Thursday, June 26, 2008

Dias santos, tantos santos...

Ontem à noite fui a uma palestra no Centro Loyola. Não sei se conhecem o local, ali perto do parque da Cidade, ao lado da Escola Parque, uma casa com um belo projeto arquitetônico, mas que não sei de quem é. Tem cara de ser ou do Niemeyer ou de um discípulo dele, com aquelas colunas meio arcos, que parecem uma ilustração de um salto. O Centro pertence a PUC, e antigamente só faziam cursos relativos a teologia, estudos bíblicos, sei lá. Agora querem fazer dali um verdadeiro centro cultural, com atividades de literatura, música etc. Ontem convidaram um poeta que também é músico, mestre e doutor em Letras, egresso de um curso de engenharia. Ele me falou de sua tese, um projeto tripartido sobre Tobias Barreto, de mais de mil páginas. A primeira parte era desenvolvida em forma de romance, onde se contava a experiência do doutorando que, na véspera de sua defesa de tese, vai tomar umas biritas num bar onde todas as pessoas que encontra sabem muito mais de Tobias Barreto que o próprio. Desconsolado, ou bêbado, o doutorando desmaia e acorda na segunda parte da tese, uma peça teatral de época, com personagens contemporâneos a Tobias Barreto. A terceira parte eu me esqueci como era, mas acho que se compunha de textos de pessoas que haviam contribuído para o interesse do doutorando no autor escolhido. O que me levou a conclusão de que devo estar no lugar errado. Acho que na UFF ninguém está se ficcionalizando na hora da tese, e eu vou perder a chance de fazer de mim mesma, uma personagem. Ou será que devo inaugurar uma tradição?
Eu, que tento me esconder como um bichinho assustado, que até hoje tenho ataque de ansiedade antes de aulas e seminários -- embora adore dar aulas-- que escamoteio nomes até em personagens, nunca faria isso. E, no entanto, conforme disse ao Guido, me acho bem corajosa. Corajosa porque conheço o medo e o enfrento. Corajosa porque o que tinha de mais precioso já perdi, mesmo, e agora o resto não importa. Mas, voltando ao título, enquanto esperava que a palestra começasse, fui inspecionar uma folhinha (ainda existem!) pregada na parede, que anunciava o santo de cada dia. Impressionante. Ontem era dia de São Adalberto, e de São Próspero, e ainda de mais um outro, cujo nome já me esqueci. Cada dia tinha uns dois ou três santos, abençoando-os, e clamando seus direitos. Nossa, com essa história de vida eterna, o outro mundo deve de estar mais apertado que lata de sardinha. Quando eu morrer, dificilmente vou encontrar as pessoas com quem gostaria de passar a eternidade. Conforme for, a gente nem vai conseguir encontrar um conterrâneo, ou mesmo um coetâneo. Até que era uma boa idéia, um romance assim na minha tese: vejam -- os autores de que trato estão todos mortos, e assim seria engraçado que eles se esbarrassem na eternidade. Numa eternidade sem religião, ócio puro, sem nem anjinho tocando alaúde, nem trombeta, nem harpa, ou seja lá o que anjos tocam. Mário de Andrade, ansioso por continuar suas pesquisas musicais, encontrando com Carpentier e Lezama Lima, começam a conversar sobre ritmo e ritmos, os vitais e os essenciais, os efêmeros e os eternos. Lezama se ateria ao ritmo da respiração, defenderia o canto, enquanto Carpentier discorreria sobre os tambores e o jazz, a subversão da linguagem musical devolvida ao mundo blasé e existencialista da Europa. Mário, um colecionador, estaria gravando as cantigas e tentando descrever o mato que pareceria sufocá-las com suas gavinhas. Sócrates assistiria a tudo, lamentando a falta de flautistas, que ele havia desprezado em vida. Numa rede, tranquilo e elegante, Callado assobiaria antigas canções de Carnaval, com saudades das lança-perfumes. Enquanto isso, uma doutoranda, esfalfada e provavelmente cheirando a refogado, se esforçaria em servir uma mesa com vários alimentos, servidos em louças que imitavam livros abertos. Pilhas de empadinhas, montanhas de ambrosia, rios de café, peixes e pães metafóricos se espalhariam pelas toalhas que estariam sendo bordadas por nativas americanas, nuas, de corpos pintados e mãos incessantes...
Vou propor à minha orientadora. Quem sabe?
Boa noite, então, aos meus leitores. Peço a São Guido e a Santa Eugênia, a Santa Lúcia e a Santo André, a São Próspero e a Santo Ariel, a São Pedro, São João e Santo Antônio, a São Judas Tadeu e a São Jorge, a São Marcelo e a Santa Marcelina, a Santo Agostinho (gosto dele: dai-me a castidade, mas não agora!) e a Santa Mônica, a São Guilherme, aos santos que conheço e aos que desconheço, que nos protejam a todos e que nos reservem um lugar na multidão da outra vida.

Wednesday, June 25, 2008

De mares e de mortes

Ontem morreu Dona Ruth Cardoso. Gostava dela, uma pessoa com brilho próprio que não se deixou ofuscar pelo brilho fácil e o sorriso constante do presidente seu marido. Morreu assim, como os que morrem do coração. Uma morte fácil, se é que a morte é fácil. Um interruptor, esse nosso coração. Apaga e é a escuridão, ou a luz.
O mar, acompanhando esses tempos de tristeza -- morreu um ex-professor meu, Carlos Tannus, de uma geração de professores de Latim que nos faziam gostar da língua (morta) -- tem se mostrado cinzento, escuro e bravio. Mas, quando a gente se aproxima dele, vê sua franja alegre, verde, límpida, brincando de embolar com a espuma muito branca -- uma espécie de consolo.
Enquanto isso, ponho em dia os trabalhos. Estou em vésperas de viagem, preciso adiantar tudo para não ter que andar por aí carregando meu computador. Vou para a FLIP, já estou quase lá.
Desta vez tenho ingresso para a Tenda dos Autores (consegui, depois de ficar horas na fila do telefone), vou assistir a um extraordinário dramaturgo -- Tom Stoppard, que eu conheço desde os tempos de Rozencrantz e Guilderstein. Vou assistir a Roudinesco. E vou mediar a palestra dos vencedores do prêmio SESC deste ano. Estou tão contente! Terminei minha resenha para o Rascunho, só preciso de fazer mais três trabalhos, sendo que um é para terça-feira que vem. Mas vai dar, vou conseguir. E o livro vai saindo, devagar, mas caprichadinho. Em agosto fica pronto, em setembro faço a festa de lançamento. Ótimo!
Mas há mais um motivo de tristeza: um casamento que se desfaz, corações partidos, sonhos que se transformam em pesadelos... Não digo quem, mas sofro pelos dois, que sofrem as dores do mundo. O negócio é apelar para o Deus Janus, e, ao mesmo tempo que vemos o fim, encarar um possível recomeço. Agora me lembrei da Ellis, cantando Caça à raposa, quem lembra? Ah, recomeçar, recomeçar, como paixões e epidemias... Nossa, como eu adorava essa música! Nunca mais escutei. Nem vou escutar, pois não tenho o CD, que pena. E estou cada vez menos musical. Ainda vou aos meus concertos, tento estudar o piano, que está perdendo seu sorriso, por falta de prática, mas quase já não escuto CD's. Nem vejo DVD's, tudo por absoluta falta de tempo.
Guido, em resposta ao seu comentário, acho que sou muito aventureira, mesmo. Não tenho grandes rasgos de coragem, mas sou corajosa, principalmente porque sou orgulhosa e odeio me dar por vencida. Posso escolher não ir, mas, quando vou, vou com tudo.
Para terminar numa nota musical, queria dar de presente um CD bem dançante. Alguém tem alguma sugestão? Dançante mesmo, daqueles que fazem todo o mundo ir para a pista, tipo YMCA e It's Rainning Man. I will survive. É, termino com essa. I will survive.

Tuesday, June 17, 2008

Ondas

Saio de casa, vejo amigos, escuto coisas seriíssimas, mas olho o mar e esqueço os problemas. Em São Conrado o mar estava agitado, cheio de ondas, um grande friso de espuma por toda a praia, e aquela coisa linda que algumas ondas sabem fazer, de soltar um véu de gotículas, como uma cabeleira. Me pergunto o que é que as pessoas veem (ai, meus acentos!) nas ondas. Muitas pessoas falam em carneirinhos, mas essas são as ondinhas pequenas, espalhadas por toda a superfície do mar, um rebanho inquieto e apressado.
Os gregos viam cavalos nas ondas. Daí que Posídon, o Netuno romano, tivesse tentado subornar a cidade de Atenas oferecendo o cavalo a seus habitantes. A história é linda: Fundada a cidade, os deuses Palas Atena e Posídon, encantados pela beleza da mesma, disputavam para serem os padroeiros. Posídon ofereceu o cavalo, como presente, e Atena ofereceu a oliveira. Ganhou Atena que, sábia, conquistou os habitantes pela boca. Talvez por isso azeitonas e azeite pareçam ter um sabor especial quando degustados nalguma viela da Plaka.
Já vi quadros em que as ondas se transformam nos cavalos de Posídon, outros em que elas se metamorfoseiam em mulheres. Assisti um programa na TV sobre um pintor japonês que pintou uma onda perfeita, onda essa que ele passou o resto da vida repintando, e que virou paradigma de outras pinturas de outros artistas. No programa, eles identificaram o tipo de onda e quando ela ocorria. Esperaram, então, que ela acontecesse e filmaram a onda real e sobrepuseram sua imagem sobre a da pintura.
Imagino como seria a tsunami: sua velocidade, sua altura, sua cor. O dia devia de estar bonito, as praias estavam cheias. De repente, a água que brincava, morninha, aos pés das pessoas, refluiu, desertou a praia, e como ela voltou? Sombria? Uma parede de água, alta e veloz? Ou veio na forma de torrente, espumosa, imperfeita, maculada de areia e detritos? Como seria a face desta morte? Nas imagens da TV, a gente não via a onda, mas o seu efeito. Quem conseguiu filmá-la estava longe da praia, em hoteis, em restaurantes, mostrava não uma onda, mas uma espécie de lamaçal, uma enchente que não diferia muito das imagens de alagamentos e enxurradas a que estamos, infelizmente, habituados no Brasil.
Lembro de filmes, catastróficos: The Perfect Storm é um deles. Aquelas ondas enormes e o barquinho pequenino subindo e descendo até não conseguir mais resistir. Já enfrentei ondas raivosas, perto de Cabo Frio. Sei como o barco acelera na descida da onda, como parece faltar água ao redor dos hélices, que não conseguem impulsionar o barco, sei do ruído que encobre as batidas de nosso coração acelerado, e da sensação de alívio quando se consegue entrar num local abrigado.
Mas também conheço as ondas que nos embalam durante as noites passadas em baías tranquilas. Essas merecem ser conhecidas por todos. São maternais, protetoras, e nos levam a um sono profundo e repousante. De manhãzinha elas cessam, sua maneira de nos acordar. A imobilidade e o silêncio servindo como despertadores...

Sunday, June 15, 2008

A diarista do mago

Não percam! Grande lançamento! Em Histórias possíveis , iniciativa do mano Dré que já vai em sua vigésima primeira semana, mais um continho brincalhão que publico. Todo sábado vem uma nova safra de histórias, e o pessoal está arrasando. Eu tenho me divertido com essa válvula de escape para o choque de seriedade acadêmica em que me meti. Se gostarem, indiquem para os amigos! Eu até tenho feito amigos, por lá! Agora tenho mais um amigo em Goiania, o Leandro, que também publica no site. Coisa engraçada, essas palavras que a gente vai trocando na tela e que vão se solidificando em pessoas que a gente nunca viu e sempre amou...
Volto mais tarde, depois de uma festa junina...

Saturday, June 14, 2008

Velas brancas

Não, nada de plural. Apenas uma vela branca, fincada no meio do mar, imóvel. Aquele desenho branco, precariamente surpreendido numa implausível imobilidade me obrigou a interromper meu dia e olhar. De repente, o mundo recomeçou a se mover. Perdeu a nitidez. A vela se afastou, escondeu-se atrás dos prédios. Uma névoa desfez os contornos Na ilha, para me consolar, uma onda me pisca, brincalhona. Mas eu digo adeus. Volto às palavras, deixando as coisas...

Friday, June 13, 2008

Terceira margem

Hoje fui assistir à defesa de tese do Guilherme Zarvos. Não fiquei até o final, mas fiquei o bastante para me impressionar com a coragem de alguém que propõe sua vida como tese. As duas primeiras professoras se recusaram a "arguir" (e o trema? como escrever certas palavras sem trema?) a tese. Claro, como é que se põe em julgamento a vida de alguém, sua família, seus amigos, seus sonhos, seu sexo? A academia quer discutir idéias, se encabula de falar de afetos, de falhas concretas. Falam, até bastante, de erotização -- e talvez seja culpa de Freud, que descobriu o corpo erótico dos seres humanos e com isso tornou-o objeto de discurso. Mas o discurso agora já não aparece mais num fluxo: ele é entrecortado, recortado, fragmentado. Há tanto tempo que isso vem ocorrendo, e eu ainda nem tinha reparado nisso. Ou melhor, tinha reparado, sim. Mas agora tenho uma outra postura diante desses recortes. Agudamente consciente da ausência, agora dou valor a essa negação, única possibilidade de chegar aonde desejo estar -- no outro lado, no lado de lá do lado de lá. Minha terceira margem.

Santos Juninos e de todos os dias

Adoro as festas juninas. Desde pequena que acho um grande encantamento nestas festas de muitas musiquinhas, de encenações que aceleram os corações infantis, com um arraial inteiro embandeirado, com pescaria, capelinha, cadeia, fogueira e fogos de artifício. Acende a fogueira, iaiá!
Lembro-me de umas noites mais frias do que agora, de corre-corre para escapar da cadeia, de churrasquinho coberto de farinha, que grudava nas boquinhas pintadas de batom vermelho vivo, boquinhas que pareciam sangrar nas noites embaladas por sanfonas. Lembro-me da atrapalhação das quadrilhas, quando os dançarinos se atropelavam ora fugindo da chuva, ora passando pelo túnel formado pelas mãos dos casais. Ah, também tinha a hora do casamento: a noiva feia, o noivo relutante, o padre pândego, o delegado, o pai da noiva -- eu vivia a commedia dell'arte sem o saber!
As bandeirinhas se agitando no ventinho que levantava fagulhas de uma fogueira sempre fora de proporções; as lanternas e os balões que levavam os pedidos para São João, Santo Antônio e São Pedro. Havia as simpatias e as adivinhações, com a clara de ovo formando desenhos de navios ou de igrejas, com papeizinhos se desdobrando e revelando o nome dos futuros maridos, meio apagados pela umidade e incerteza.
O cheiro das batatas doce assando, o gosto do milho se desdobrando em bolos, canjicas e curaus, era de se admirar que São João não acordasse atraído pelas delícias. E as músicas continuavam, ensinando meu primeiro triângulo amoroso: Com a filha de João, Antônio ia se casar, mas Pedro fugiu com a noiva, na hora de ir para o altar. Tempos depois, na emoção teatral de Bodas de Sangue, do Lorca, era esse o fundo musical que eu imaginava durante a leitura de versos ardentes que diziam que a culpa era da terra e "do cheiro que desprendem teus peitos e tuas tranças" -- e o meu peito arfava, enquanto eu desfazia as tranças de meus cabelos quase tão longos quanto os de Rapunzel...
Sentei-me aqui no computador um pouco antes da meia noite, ainda lembrando os festejos do dia 12, comemorando, com a prova de meu livro no colo, as lembranças do amor passado. Agora já é hora de saudar santo Antônio, que ganhou fama de ser casamenteiro, mas que também é santo afeiçoado a uma batalha. Me lembro de uma charge do Ziraldo, antiga, antiga -- Um sujeito que vai caindo num abismo e grita: Valha-me Santo Antônio! Nisto uma enorme mão o segura e uma voz pergunta: De Lisboa ou de Pádua?... Grande dilema! Eu peço a bênção aos dois, e aos que mais existirem, ao Santo Antônio das brincadeiras infantis, dos festejos ingênuos, das saudades imensas dos trajes caipiras, dos olhos lacrimejantes de fumaça e de sono, do sorriso que persiste infantil num rosto marcado pela tristeza...

Saturday, June 07, 2008

Às vezes eu acerto...

Hoje fui ler os comentários de meus amigos, e agradeço. Suspeito que a sereia, por falar francês, seja Eugênia. Acertei? E, no entanto, a figura é cara à Nina, que não escreveria...Outro dia volto às sereias, seres que me fascinam por híbridos. Gosto de compará-las com o Minotauro... O homem híbrido, que é único, mas incapaz de pensar, versus a mulher híbrida, múltipla, pensante e, talvez por isso mesmo, escorregadia. Belas e atemorizantes, soltas nas ondas, versus terrível e atemorizante, preso no centro mesmo do labirinto do eu.... Todos esses seres mitológicos, quando com cabeça humana, portanto dotados de pensamento, recebem também alguma marca da liberdade -- sejam asas, ou um corpo veloz de cavalo, ou patas de bode que lhes permitam galgar as mais altas montanhas... Realmente, o pensamento e a imaginação nos levam longe... Tão longe como estou agora de meu desejo de ruminar a indiferença olímpica do Obama. Híbrido também, meio americano meio africano, meio ocidental meio oriental, como ele seria representado pelos homens mais perspicazes do passado? Que traços o representariam? Sua indiferença olímpica, própria dos deuses que jamais se importaram com os humanos, cientes de que eles nada poderiam fazer já que o destino humano não lhes pertencia, será motivada pela consciência de se saber um títere? O perfeito boneco, bem articulado, para agradar aos interesses de um Destino cujo nome verdadeiro desconhecemos? Isso num ano de Olimpíadas, de jogos, de disputas, de ânsias e medos...
Deixo o resto para vocês ruminarem. Volto aos meus pensadores, mas antes lembro aqui o nome de um livro: O voo (saudades do acento) da Guará Vermelha, falando de como a leitura liberta. Conheci a autora na Bienal do Livro, em 2007. Freira, trabalhando com pessoas destituídas no interior do Brasil sob a capa da clandestinidade, pois Maria Valéria Resende era perseguida política, ela se dedicou a alfabetizar pessoas e, segundo elas, libertá-las. Esta seria a verdadeira teologia da libertação, pelo que eu entendi. Gostei tanto das palavras dela, e, no entanto, não consegui ainda ler seu livro. Mas hei de lê-lo. Acho que o mano Dré já leu, e gostou. Eu gosto da imagem e das palavras da autora...
E agora, depois de uma última e furtiva olhadinha para o mar, pintadinho de ondas travessas, vou a Benjamin.

Friday, June 06, 2008

Seis e meia dúzia

O que diferencia o seis da meia dúzia? Nada, dirão os mais práticos ou os menos detalhistas. Tudo, digo eu -- toda uma indagação filosófica pode ser levantada de uma coisa básica assim. De um lado o indivíduo, do outro o social; de um lado o absoluto, do outro o relativo, de um lado Portugal, do outro Brasil.... De um lado a solidão, do outro o grupo; de um lado o dia, do outro o mês, e é assim que revelo as voltas que o pensamento dá.
Resolvo escrever para guardar aqui, e talvez ruminar depois, uma inquietação que plantaram em mim, via TV. Falando do Obama, e aqui aproveito para fazer uma digressão: que diferença faz uma letra! -- o repórter dizia que ele não demonstrava emoção com as grandes vitórias que vinha conseguindo. Um homem que não se emociona será um homem? -- pergunto eu. E o repórter continuava: ninguém sabe o que pode esperar com ele. Um candidato sem programa pode ser levado a sério? -- pergunto eu. Mas porque eu deveria me preocupar com as eleições americanas? Na verdade, não ligo muito, apesar de saber que o que acontece por lá nos afeta aqui. Mas me interessei por algumas razões, e aqui vai uma delas: minha xará me disse que não sabia por que, mas estava torcendo pelo Obama. Outra: essa indiferença olímpica que ele demonstra. Mais uma: o relançamento de O presidente negro, de Monteiro Lobato, livro em que ele fala da disputa entre um negro e uma branca para a presidência dos EUA.
Como disse, deixo aqui as inquietações para ruminar depois. Agora vou voltar para Bauman, para Benjamin, para a difícil tarefa de compreender o presente sem esquecer o passado.

Monday, June 02, 2008

vida líquida

Contas para pagar, textos para ler, trabalhos... E, no entanto, o mar lá fora me chama para me dar lições de azul. Como não parar e refletir um pouco sobre essa beleza que se oferece a quem para ela tiver olhos? Olho para o azul e descubro tons desconhecidos, que se improvisam no momento mesmo em que olho. Aprendo.
Ontem o mar parecia congelado, uma faixa de gelo próxima ao horizonte, imobilizando ilhas e barcos. Hoje ele amanheceu líquido (e certo). Um navio se equilibra na linha do horizonte e as ilhas se aproximam, curiosas, arrastando suas mantas verdes para secar ao sol.
Meus olhos dançam nas águas enganadoramente calmas. Sei, marinheira que julgo ser, que as diferenças das cores se traduzem em correntezas. Desejo me deixar levar por uma dessas e é isso mesmo que faço, abandonando tarefas e me deixando arrastar pelos pensamentos, ora mergulhando nas ondas, ora embarcando nos navios. Convido. Querem vir comigo? Levantem os olhos, vejam o que está a seu redor. Tudo é tão fugaz. Agora mesmo acaba.
O navio que passava desapareceu de vista. Outro chegou. Mais longínquo, e, no entanto, no mesmo horizonte, agora também distanciado. Este também se vai, mas um outro volta, sustentando meus sonhos.
Boa semana para todos. O azul os acompanhe.

Sunday, June 01, 2008

Junho chegou!

Dia um de junho, dia primeiro de junho, dia inicial do sexto mês do ano. Já estamos quase na metade de 2008 e eu me espanto não com a rapidez do tempo, coisa de que todos estamos cientes, mas da indefinição desses dias já passados, que se misturam na minha lembrança sem nitidez. Já não sei se foi ontem ou mês passado que fiz isso ou aquilo, já não tenho certeza se disse ou se apenas tive a intenção de dizer, já não lembro se faltei ou não ao compromisso. Não se trata de doença, trata-se de indiferença, mesmo. Mais um dia, menos um na corrida do tempo, e assim eles se perdem na mistura de livros e palavras caladas para sempre.
Ontem estive conversando com uma amiga que falava de seus netos, descobrindo o amor: Ela sorria, deslumbrada: Como eles se apaixonam, como sofrem e se emocionam! admirava-se. Eu sorri, também, pensando que chega uma idade em que a gente já não é mais capaz de se apaixonar. Ou será que estou errada? Drummond tem aquele poema em que diz algo como "Na curva dos cinqüenta derrapei neste amor..." Fui conferir no google e vejo que me engano: várias são as confissões de quem, aos cinqüenta, cinquenta e poucos, sessenta, se descobrem amando de novo -- geralmente homens, geralmente apaixonados por alguém na inconseqüente curva dos vinte e poucos. Mas eu me pergunto, desapaixonadamente: será o mesmo clarão? Será a mesma sensação que avassala, nos toma de assalto, retira todas as reservas? Acho difícil, depois que nos ferimos, que adquirimos experiências e passamos por dores e desamores a entrega sem cautela, o mergulho no abismo. E todos os temores que nos assaltam, todos os receios -- como entregar esse corpo já cansado, do qual conhecemos os limites e as falhas, ao olhar e cuidado de pessoas que nunca chegaremos a conhecer bem? Por que aos cinqüenta a gente descobre que nunca se chega a conhecer o outro inteiramente, que passamos uma vida ao lado de desconhecidos íntimos.
Nem sei como embarquei nestas reflexões, talvez porque tenha passado a tarde escutando as angústias de uma jovem que não quer sair pensando se vai ou não beijar a boca de alguém. Sinceramente, nem sei -- e não tive coragem de perguntar -- se esse beijo era eufemismo ou não. Mas me admiro de pensar em pessoas que saem, não se perguntando se vão conhecer alguém interessante, mas em busca de um prazer imediato e perigoso, nestes tempos que não são do cólera, mas de outras pestes. Junto tudo com os dois dedos de filosofia que estou batalhando para aprender, e me ancoro em Baumann, no seu "amor líquido" -- imediatista, egocêntrico, de onde foi banida qualquer possibilidade de compromisso. Descubro, impressionada, que estou antenada com esses tempos pós-modernos, ou líquidos, ou até mais etéreos, tempos em que tudo se desmancha no ar, como fumaça, até a comida que comemos.
Meus dias se desfazem na indefinição de minhas memórias. Não guardo lembranças, pois não quero tê-las mais. Vivo assim, gota a gota, e, mais adiante ainda que esta geração, nem procuro o prazer, que sei fugaz. Só desejo o atordoamento, o vórtice.