Thursday, May 01, 2014

A revolta dos brinquedos

Viajei. E, com preguiça de carregar o computador, só o telefone me serviu de comunicação pelas ondas da WEB.  Quando voltei, meus brinquedos abandonados estavam revoltados. O computador alegava estar sofrendo de falta de memória e se recusava a abrir. Os outros brinquedinhos estavam descarregados e os carregadores estavam escondidos em gavetas inesperadas, o que me obrigou a andar pela cidade me fazendo de "incomunicável". Até o controle remoto da TV tinha se escondido entre as almofadas da poltrona. Dei de ombros, chamei o meu filho, que me aconselhou a comprar um novo computador. Dei de ombros outra vez e, lembrando a ele que o dia das mães está chegando, ele tinha a opção de me dar um computador novo ou consertar o desmemoriado. Venceu a segunda opção, ainda bem. Tenho grandes ataques de ansiedade quando me vejo obrigada a trocar de computador, com a certeza de que nunca mais vou encontrar os arquivos que vão se escondendo em pastas que se multiplicam e aparecem dentro de outras pastas, num jogo de caixinhas chinesas que me deixa enlouquecida! Foi assim que perdi os poemas que escrevi para o meu querido Gui, e não consigo recuperá-los de jeito nenhum. Mas tenho a esperança de que um dia, ao abrir uma pasta qualquer, lá estejam eles, me aguardando.
Enquanto isso, vou-me aclimatando com a cidade que ainda chamo de minha: Trânsito caótico para chegar ao Municipal. Compensado, depois, com o ótimo concerto de um pianista lindo como um príncipe, mas frio como um boneco de neve. Techné, porém, é um dos nomes da Arte, e eu aceito essa lição de proficiência.
Tal como aceito as lições dos acadêmicos João Ubaldo Ribeiro e Antônio Torres. Um me oferece "medidas para a produção literária": um GG, um Conrad, um Woolf. O primeiro parâmetro corresponde ao número de palavras que Graham Greene escrevia por dia, 500. Já Conrad escrevia 800, enquanto que Virginia, mais prolixa, escrevia 1200. Isso me deixou satisfeita. Talvez eu consiga encontrar um método para minha produção. Vou fazer como meus amigos que agora usam uma pulseira eletrônica que conta seus passos: vou arrumar uma pulseira que conte minhas palavras escritas. Se usar as dos e-mails, comentários no Facebook, torpedos no telefone acho que alcanço um limite razoável. Ou será que esse limite só se aplica para a ficção? Aí estou encrencada, pois vou ter que parar de escrever as outras coisas todas. Ou terei que aprimorar minha técnica e transformar meus dedos em maquinistas velozes como as do pianista Nicolai Lugansky… Talvez minha salvaçnao esteja em seguir os conselhos do Antônio Torres: escolher uma música bacana, adotar um ritmo e deixar que o romance se escreva por si mesmo. Poderei, assim, fechar os livros que estou lendo sobre Freud, escrever um belo título e deixar que as palavras se reproduzam, lúbricas, na tela do computador, num novo tipo de selfie que me deixe só como uma daquelas pessoas que obtêm seu prazer ao ver os outros engajados em atividades amorosas. Isso, caras palavras, crescei e multiplicai-vos enquanto eu fico por aqui limando as unhas e depois assino meu nome  no texto.
Vai ver que é por isso que os brinquedinhos me sabotam e modificam até meu nome. Toda vez que assino tenho que corrigir o escrito, pois o corretor automático substitui meu nome por Lucinda.
Então termino por aqui, cantando, com Jacques Brel – ou talvez com a Maysa, que tinha tanta paixão – "ne me quite pas", para ver se meus brinquedos revoltados voltam a ser amigos e colaboradores.