Há tanto tempo sem ligar, descubro que minha televisão não liga mais. Queimou? Suicidou-se? Eu nem sabia, e ficaria sem saber se não fossem os filhos que chegam e mexem em tudo. Remexem. Reviram. Depois dão uma "ajeitadinha" e se vão, me deixando com um sorriso bobo no rosto. E a casa totalmente desarrumada. Não ligo. Nem arrumo, pois seria como esticar os lençois logo depois de se fazer amor. A gente quer as marcas, só mais um tempinho, para olhar e sorrir, lembrando do que acabou de ocorrer. Os jornais espalhados, a geladeira cheia de guloseimas, as taças de vinho para mais um brinde bobo qualquer. Meus sapatos que ficaram pela sala, junto aos jornais, misturados de ontem e de hoje, quase sem ler. Proponho um cineminha, mas eles não querem: Não tem nada passando, me informam. Eu sorrio, sabendo bem a tradução… eles não querem ver os filmes em exibição, seja porque já viram, seja porque já marcaram com amigos e irão outro dia. Depois debandam. Hoje é dia de futebol, o tempo ficou meio feio, já até choveu muito. Agora esfriou e, de barriga cheia, eles se espalham deitam, rearranjam móveis e perguntam da prateleira que ainda não mandei fazer, do ar condicionado que preciso revisar, da pintura, da mesa, dos detalhes que me esqueço de providenciar. Olhares críticos, atentos, certificando-se de que ainda podem mandar e exigir coisas aqui em casa. Você mudou de lugar as taças? se espantam. Mas eles é que esqueceram o lugar de sempre, e ficam meio assustados com isso. De repente se dão conta de que o tempo passa e de que eu estou cada vez um pouco mais distante. Qualquer hora dessas eles são capazes de chegar aqui e não me encontrar mais. Ou de encontrar uma mãe diferente daquela que eles carregam em suas lembranças. Cada vez que aparecem, fazem questão de olhar as fotos e comentá-las, como se com isso se reassegurassem de que ainda sou aquela das fotos, aquela menina de 20 anos segurando um bebê no colo, a de 24 com os três filhos no colo, todos sorridentes, todos impacientes por sair do congelamento do instante e voltar a brincar de viver. E sempre se admiram de que o Ivan ainda não estivesse ali com eles. Como se estivéssemos sempre presentes, sempre todos juntos mesmo ainda antes de existirmos, e muito depois que todos desaparecermos. E todos curtem as lembranças. A casa de Angra. O mar. O barco. E sonham com o passado, pensando no futuro. E eu me despeço. Aos poucos. Sem que eles percebam. Vão, vocês podem seguir em frente, não precisam parar. É essa a vida, e eu fico feliz por sentir que, mesmo daqui a muito tempo, eles vão sentir, na visita de seus filhos, adultos, a doçura que eu sinto ao recebê-los aqui. Mesmo que seja apenas para me anunciar que não tenho mais TV…
No comments:
Post a Comment