Tuesday, June 28, 2011

92 primaveras

Chavão, chavões!… Só que no caso da Helena os chavões ganham uma realidade que os justificam. Ela fez aniversário no domingo passado e ontem fiz um chazinho, com bolo e outras guloseimas para aquecer a tarde fria. Ela chegou no seu manteau vermelho (ainda existem "manteaus", com perdão do mau plural) e foi ela quem nos deu presente.
Reproduzo aqui o verso que ela trouxe para nos ensinar a como viver numa perene primavera:

Pour faire le portrait d'un oiseau

Peidre d'abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d'utile
pour l'oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l'arbre
sans rien dire
sans bouger…
Parfois l'oiseau arrive vite
mais il peut aussi bien mettre des longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s'il le faut pendant des années
La vitesse ou la lenteur de l'arrivée de l'oiseau
n'ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l'oiseau arrive
s'il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l'oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l'oiseau
Faire ensuite le portrait de l'arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l'oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l'herbe dans la chaleur de l'été
et puis attendre que l'oiseau se décide à chanter
Si l'oiseau ne chante pas
c'est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s'il chante c'est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l'oiseau
et vous écrivez votre nom
dans un coin du tableau.

Jacques Prévert

Decididamente, Helena pode assinar o retrato do pássaro que é sua alma.

Monday, June 27, 2011

Violência e paixão

Estou abusando dos títulos de filmes aqui no blog. Mas é uma espécie de homenagem que presto. O filme do Woody Allen me agradou, mas foi num nível superficial, num nível de reencontro com amigos numa festa. A gente fica feliz de ter encontrado com eles, mas o papo não é profundo, não existe uma verdadeira satisfação intelectual. Mas é tão bom, que a gente fica querendo ir outra vez à festa, para começar tudo de novo. Portanto, assumo que gostei do Minuit e que quero voltar a vê-lo mais uma vez e que, depois, sempre que o reencontrar por acaso numa tv da vida terei prazer em assisti-lo. E por isso escrevi um conto (está no Histórias Possíveis) chamado Paris, meio dia. Também é um passeio carinhoso, cheio de saudades recentes.
Violência e paixão, do Visconti, é um daqueles filmes que nos atropelam e nos deixam estonteados na beira da estrada, sem sabermos bem o que nos nocauteou. Visconti tem uma característica encantadora: seu detalhismo. A gente pode reassistir seus filmes vezes sem conta, e decidir: hoje vou prestar atenção na trilha sonora, ou no vestuário, ou nos cenários, ou nos diálogos, ou na iluminação, ou… Seja lá o aspecto que escolhermos, vamos ter muito para digerir, e pensar, e nos encantar. Meu favorito de todos os tempos é O Leopardo, onde tudo é perfeito. Me contaram que, dentro das gavetas das cômodas do palácio, Visconti tinha guardado roupas de época que sua produção penou para encontrar. Eram não apenas vestidos e fraques e uniformes verdadeiros, mas roupa de cama, bordada e brasonada, rendas, toalhas de mesa, roupas de baixo, tudo como se o palácio estivesse habitado. Um dos produtores, exasperado com as buscas, desabafou: Para que isso? Afinal, quem vai saber o que está dentro das gavetas? Elas não vão ser abertas! E o Visconti, impávido: Eu saberei!
Ele sabia e nós é que lucramos. A gente quase que pode sentir o fedor do corpo em decomposição, perturbando a reza daqueles nobres em sua hora de angústia. É preciso que tudo mude para continuar a mesma coisa (essa é minha paráfrase), a frase com que Salinas instrui Tancredi é de um cinismo e de uma sabedoria inesgotável. A gente quase que pode escrever um tratado a partir daí.
Este Violência e paixão tem uma outra proposta. Tem um encantamento e uma doçura que tornam a violência ainda mais contundente. Tem essa coisa indefinível que não consigo nunca exprimir bem o bastante, que é o olhar meio alheado do intelectual, que olha de fora mas deseja o que vê, e não percebe que faz parte daquilo tudo. Ele se julga alheio e não percebe que é uma das partes fundamentais do jogo do poder. Acha que sua mente e seu julgamento estético, ou sua racionalização e imparcialidade o protegem. Ledo engano! Ele está envolvido até o âmago, e é cúmplice de tudo. Mesmo quando se retira.
Ao contrário do Il gattopardo, os cenários não são naturalistas: Cada vez que a janela se abre a paisagem mostrada é exagerada, os detalhes barrocos se transformam em monstruosidades góticas e diminuem as dimensões humanas – joguetes. A cópia restaurada, segundo o anúncio do jornal, "resgata a música da iluminação" - frase de efeito meio boba, em minha modesta opinião, mas que serviu para que eu tentasse observar algo sobre a mesma. Confesso que não tenho sensibilidade para tanto. Olho mais o andamento lento da câmera, que contempla amorosamente rostos e corpos, mas passeia rápida e fugazmente sobre os livros e obras de arte colecionadas pelo protagonista. Percebo a proximidade com que ela passeia dentro dos aposentos do professor, e sua distância teatral no belíssimo apartamento moderno e claríssimo da duquesa. Escuto as explosões, repetidas e realçadas, e perco os acordes das músicas clássicas, perturbadas pelas canções modernas. Invejo roupas, tão lindas, meu Deus! Me admiro com os olhares, límpidos ou amorosos, ou absolutamente terríveis. Sinto o gosto do sangue derramado…
Não sou crítica de cinema, mas adoro assistir coisas boas. Esse é um dos filmes mais lindos de Visconti. Tão lindo que não consegui assistir outro durante todo o fim de semana prolongado. Sinceramente, não dá para rever Minuit depois desse. Ontem à noite, dei uma olhada num do telecine, A missão. Belo. Mas parei de me interessar ainda no início. Ainda preciso de tempo para voltar a ver outros filmes…

Monday, June 13, 2011

Minuit à Paris

Não vou falar do filme, vou falar dessa minha passagem para o último dia, e minha ansiedade em determinar o que fazer nas últimas horinhas. Bem, de manhã, vou precisar arrumar os livros. Sim, os livros, pois vim com uma malinha de mão de roupas e volto com a mesma malinha de mão de roupas. Em compensação, tenho um saco daqueles enormes cheios de livros. E de um jogo de cama, pois assim poderei "dormir em Paris" quando desejar. Espertinha, né? Meu quarto vai ficar lindo, muito parisiense! Vou borrifar o ar com um cheirinho de lavanda e pronto! Sonharei que estou em Paris. No entanto, já contei e já repeti que não sonho. Eu sei, sonho, mas não lembro, portanto é como se não sonhasse.
Depois, já decidi: Vou passear pela Île St. Louis e pelos Champs Elysées. Ainda não consegui passar pelo Rond Point, para checar as flores! Depois volto para pegar as malas e vou para o aeroporto. O voo sai tarde, acho que 11:20 da noite. Vou ter que jantar no próprio aeroporto. Se eu tivesse um remédio para dormir, eu tomaria, para ver se consigo dormir. Mas não tenho. Vamos ver se consigo descansar um pouco. Sinceramente, prefiro os voos diurnos. Leio, vejo filmes, converso, escrevo e, ao chegar em casa, posso ir dormir numa posição confortável, deitada, banhada, cheirosa e vestida com roupa de dormir. Um luxo!
Bem, agora que já decidi, vou ver se consigo dormir.
A gente volta a se falar no Brasil.

E viva Santo Antônio!

Esqueci de comemorar o santo, que de tão poderoso virou o "santo casamenteiro"! Mas, como diz minha querida amiga Cris Nadruz, bom mesmo é São Gonçalo do Amarante, que não arranja marido e sim…amante.

E lá se vão os dias…

Os dias passam, mas a chuva não. Ela vai, mas volta e, quando cai, é gelada. Não tem jeito, o verão em Paris é muito frio, mesmo! Nisso os dias vão passando. Ir a museus, desistir de ir a museus por causa das filas extraordinárias, caminhar pelo Marais e ver o incessante vai e vem de pessoas, ficar sem coragem de passear pelos Champs Elysées, imaginando "la foule", passear pela beira do Sena, passar e repassar pela Tour Eiffel, que acaba se tornando um objeto de reflexão. Quando a gente se aproxima dela, suas proporções impressionam, as torções impressionam, as fundações enormes nos obrigam a pensar: como é que construíram isso pensando que seria provisória? A ideia desses homens do passado era diferente da nossa, ou o tempo era diferente do nosso, de outra qualidade, mais denso. Estou como Clarice, sem saber como dizer as coisas, tateando. Ontem, passei em frente à Trinité. Enorme, com sua torre central, escadarias, jardins, estátuas, nichos, decorações, e, surpreendentemente construída em 1860 - o que a faz muito nova em comparação com as outras igrejas de Paris. As dimensões impressionantes a aproximam da Torre, que foi construída unas décadas depois. Mas essa é a época da Paris que nos impressiona: Haussmann, derrubando tudo e abrindo largas avenidas e boulevares, nos lugares das antigas muralhas. Napoleão, com seus arcos de triunfo e os obeliscos trazidos de "souvenir" do Egito. Acho que mais de metade das ruas de Paris (é um chute exagerado) tem nomes de batalhas: Iéna, Marengo, Austerlitz, sei lá que mais. Ou de generais, os herois do tempo de Napoleão. O Champs de Mars, com sua Escola Militar, enorme, rodeada de praças e de bistrots ( dos oficiais, da escola, da batalha etc). Paris se sustenta entre a luta e a fé. Existe a Sorbonne, é verdade, que nasceu católica. Mas a Sorbonne não tem a monumentalidade dessas outras construções, está imprensada entre as ruelas do passado medieval, vestígios da mais antiga Paris, quase que ainda de Lutèce. Esta parte de Paris, labirintica, é parecida com Roma. E aí a gente vê um contraste: a monumentalidade em Roma está na antiguidade, na Roma Imperial. Aqui a monumentalidade também se deve ao Império, só que este ocorreu no século XIX. Não que não houvesse construções magníficas e monumentais em outra época, claro. Notre Dame, o Louvre, outras igrejas e palacetes, mas elas não possuem uma perspectiva, um espaço que convide o povo a se admirar delas. Só Versailles, que não está em Paris, no entanto. E o Louvre, que ganhou sua perspectiva a partir do eixo dos Arcos triunfais.
Bem, seja nos parques, seja nas ruelas, Paris e Roma nos encantam e surpreendem, e nos fazem pensar nos caminhos e desvios da História.

Friday, June 10, 2011

Frio e chuva

Frio e chuva não tornam Paris menos apetecível. Esta é uma dessas cidades que o gris torna mais atraente, mais definida. As ruas, molhadas, ganham um brilho de aço, cortante, e os instantes de sol (afinal, o verão já está aí, batendo à porta) fazem as pessoas levantarem seus rostos, de olhos fechados, se entregando, amorosos, às promessas de bom tempo. As árvores sacodem gotas geladas sobre os passantes, os garçons entram e saem com suas cadeiras, a cada mudança de tempo. Os turistas, em hordas, invadem as lojas de quinquilharias, ou desfilam seus hediondos ponchos de plástico por entre os monumentos da cidade. Aproveitei para ir ao cinema, mais uma vez. Fui ver o documentário do Wim Wenders sobre Pina Bausch. Que linda homenagem! Que pessoa interessante ela foi, e que companhia excepcional ela criou. Deve ter sido uma experiência muito intensa trabalhar com ela, que nunca dizia aos outros o que fazer. Num dos depoimentos, a dançarina fala isso, e depois diz: Ela só dizia que eu precisava continuar tentando! E conclui: e assim eu continuei tentando, sem saber para onde estava indo, nem se estava indo na direção certa. Bem, devia estar indo. Afinal, ela continuou com a Pina por mais de 20 anos. Isso é uma outra coisa que chama a atenção: os bailarinos passaram a vida juntos. Uma delas nasceu praticamente no palco, filha de dois deles. Quando ela fala, diz: Não sei o que é a vida sem a Pina. Outra diz: Por 22 anos Pina sentou-se naquela mesa e me olhou atentamente. Ela me conhece mais do que os meus pais.
Como se fosse uma força da natureza, Pina usava terra e água em seus espetáculos. Às vezes o resultado era lírico, forte e vital. Às vezes era violento, muito violento. E os objetos que ela usava poderiam se transformar ora em obstáculos ora em ferramentas para a liberdade. Outra coisa, eram as repetições, os mesmos gestos se repetindo obsessivamente, como se estivessem criando uma linguagem nova, ou num outro extremo, como se estivessem aprisionando as pessoas.
Bem, agora vou ler. O hotel em que estou hospedada está sendo reformado e o cheiro de tinta me deixa inquieta, impaciente. Vou ver se a leitura me distrai.

Thursday, June 09, 2011

Paris, encore

Ontem escrevi um post, publiquei fotos, e, de repente, Zut! Tudo sumiu. Seria um sonho? Agora não tenho tempo para escrever, nem para colocar as fotos de novo. As máquinas estão se rebelando contra mim: meu telefone celular há dias que resolveu parar de funcionar. E agora?Hoje chove e faz muito frio em Paris. Mas o hotel está em reforma e prefiro a chuva e o frio ao cheiro de tinta. Vou passear, e mais tarde, quando voltar ao hotel, vejo se consigo escrever mais um pouco.
Au revoir!

Tuesday, June 07, 2011

Recantos


Alguns recantos escondidos de Paris me deixam encantada. A gente vê uma porta aberta e encontra um pátio, ou uma escada curvando-se suavemente para ambientes que a gente não conhece, mas que sonha que são magníficos.
No meu primeiro dia em Paris, tirei a foto desta escada. Um pátio, que levava a uma lojinha de curiosidades, já não me lembro bem de que era a loja, mas tinha a ver com cozinha… Desculpem. logo à esquerda esta escada, cuja suavidade dos degraus e da sua curva nos convidam a subir. Ao fundo do pátio, uma árvore carregadinha de nêsperas, e, embaixo da árvore, uma estátua de bronze de um viado. Tirei foto de tudo, mas o blog não aguenta tanta imagem. Fiquei com a da escada, que nos eleva.
No dia seguinte, lá fui eu flanar perto da Notre Dame. Tinha até escolhido uma imagem dela, de um ângulo mais inusitado. Mas acabei optando por um poço abandonado ao lado da igreja de Saint Julien Le Pauvre..
Repito: ao lado de St. Julien Le Pauvre. Mesmo abandonado, um poço ainda é uma promessa de água, para nos dar vida e sustento. Fiquei com estas simbologias tão positivas e imagens que adorei.
Gosto destas lembranças assim, só minhas. Vou pela cidade, lembrando: aqui recebi um telefonema de uma amiga, que não sabia que eu estava viajando, aqui senti pena de uma mendiga cujo cheiro forte me impediu de examinar o mapa do ônibus. Ali sentei para descansar, e fiquei conversando com o Gui sobre o que se come no paraíso. E por aí vai. Beber água numa determinada fonte, marcar com alguém para se encontrar num determinado lugar, preferir um determinado cinema a outro, são essas pequenas coisas que fazem das cidades e dos lugares alheios, recantos cheios de lembrança. Criamos uma geografia sentimental que se superpõe aos mapas e gps. A gente sabe ir a tal lugar porque passa por uma árvore que sempre está florida nesta época do ano. E come em tal restaurante porque era ali que seu amor gostava de comer uma sobremesa especial. E dá a volta no quarteirão só para ver um portãozinho de ferro batido que você acha lindo. Por isso volto a Paris, e cada vez que volto entesouro mais coisas que farão da Paris de todos, uma Paris toda minha, especial.

Sunday, June 05, 2011

Flanando em Paris

Uma viagem não planejada a Paris me fez chegar à cidade completamente sem ideia do que fazer. Mas, entre comprar os tickets e chegar aqui, dediquei todo meu tempo a outras coisas urgentes que me exigiam atenção, e só comecei a aproveitar a viagem no aeroporto. Houve um tempo (já contei isso) Que os aeroportos me deixavam nervosa e brigona. Agora aprendi que são nosso óbulo de Caronte. Temos que pagar para chegar à outra vida.
Essa minha outra vida daqui está sendo muito boa. Paris e Leblon nos convidam a andar. Dá prazer ver e rever as mesmas lojas, sorrir para os mesmos garçons que nos trazem delícias sempre renovadas. Ficamos na dúvida entre um e outro restaurante dos já conhecidos, mas aí aparece uma amiga e nos leva a um outro em que nunca fomos antes, e adoramos. Hoje almocei no Tea Caddy, em frente a uma igreja lindinha, antiguinha e simples, e que agora é ortodoxa, a de Saint Julien Le Pauvre. (Será que existe um Saint Julien Le Riche? ) Pertinho ali da Rue Galande, onde existe um cineminha que é uma graça: o bilheteiro é faz tudo: vende os bilhetes, recebe os ingressos, faz a pipoca (mentira, aqui não tem disso, graças a Deus!), mas é ele quem projeta o filme. E depois faz a limpeza da sala. E a gente espera na rua, com toda a calma. Depois é só andar um quarteirão a atravessar a ponte para a Notre Dame. Passei por lá hoje, mas nem ousei entrar. As filas eram quilométricas.
Fui assistir à missa em St. Nicolas, uma missa cantada, com órgão maravilhoso, coral e orquestra, e ainda direito a barraquinhas, vendendo desde livros a guloseimas.
Depois me deixei tentar por teatros que exibem, há mais de 50 anos (sei lá, não sou muito boa em matemática) as peças de Ionesco. Aliás, vi um cartaz com Einstein falando que não devemos reclamar de nossos problemas com matemática; os dele são (eram) muito maiores que os nossos.
Il pleut. Depois de um ótimo dia, de repente os trovões e agora a chuva. Mas estou de partida. Espero que no meu destino o tempo esteja bom.
Vou fazer as malas.