Sunday, December 31, 2006
Comendo castanhas
Alguns, impacientes, se foram. Morreram antes de ver o ano acabar, ou para não ver o ano acabar. A data não parece combinar com velórios, pois os olhos estão todos voltados para o início, não para o término.
Desejamos a ceia, a mesa posta, os brindes e a alegria, estamos famintos, e passamos estas últimas horas comendo castanhas, laboriosamente nos livrando das cascas e enganando a fome com pequeninos pedaços que levamos à boca como troféus arduamente conquistados que foram. De banho tomado, com as roupas escolhidas, cheios de boas intenções, nem percebemos quantas castanhas já comemos, nem como o que mastigamos displicentemente nos alimenta. Indiferentes, comemos castanhas. Alienadamente, comemos castanhas.
Quem se lembra do poema de Fernando Pessoa, atravessado pela menina que come chocolates?
Me equilibro nesta ponte entre passado e futuro comendo castanhas. Caminho agudamente consciente do fim. Alguém morreu esta manhã. Minha vida se acabou há precisamente um ano, dois meses e quinze dias. A Tabacaria de Pessoa, no entanto, continua aberta. E eu, a exemplo da menina, como castanhas. Penso estar morta, mas como castanhas. E sonho: uma casa, livros, uma conversa amena. Talvez haja uma ceia...
Thursday, December 28, 2006
Promessas de ano novo
Não acho que seja hora de dúvidas, todos devemos começar o ano cheios de boas intenções, nem que seja apenas para neutralizar as notícias terríveis que se tornam cada vez mais próximas. Mortes, ataques, guerras, aumento de AIDS, destruição do planeta, corrupção e impunidade: os jornais insistem, a TV alardeia, as pessoas comentam, mas nada muda para melhor. O banqueiro foi solto, o político teve o processo retirado, os bandidos atacaram com mais violência, o clima foi para o beleléu... Ainda dá tempo de mudar? George Bush admira o mundo, resolvendo proteger os ursos polares -- ninguém lembrou que a Coca-Cola usa o urso polar como garoto propaganda?
Vamos neutralizar tudo isso, fazendo uma lista de boas intenções: comecemos em casa, tipo -- este ano vou pintar a sala/arrumar a sala/trocar as cortinas/reformar o banheiro/cuidar das plantas. Depois podemos sair às ruas e prometer: não vou jogar papel no chão/guimbas de cigarro nas floreiras/não vou pisar nos canteiros/não enterrarei palitinhos de picolé ou de queijo coalho nas areias da praia/recolherei os presentes que meu cachorro deixar nas calçadas/dirigirei meu carro dentro do limite de velocidade. Vamos assim, ampliando para a cidade, o país, o continente, o mundo, o universo e então poderemos pensar na maior tarefa de todas: nós mesmos. Mudar-se, melhorar-se, prestar atenção em si mesmo. Vamos fazer uma lista?
Tuesday, December 26, 2006
Ganhe dinheiro agora!
Sunday, December 24, 2006
Feliz Natal?
Depois o Natal foi ficando cada vez mais difícil. A gente vai perdendo uns e outros até que chega um dia e se perde a si mesma. Vou para o Natal me sentindo vazia: uma casca incapaz de se alegrar, e tão frágil que qualquer coisa pode destruir esta falsa imagem de mim. Não digo me destruir, pois já estou destruída, oca. Estou há mais de um ano, juntando pedaços para recuperar algo que possa chamar de eu. Vou ligando esses pedaços com a argamassa do carinho dos amigos. Vocês, se porventura lerem este blog, saibam que têm um papel fundamental para a construção desta Lúcia que vocês olham admirados, dizendo: como você está bem; você está linda; você tem muita força e está reagindo muito bem... Se eu fosse crente, saberia remeter a todos para o capítulo e o versículo em que se fala de sepulcros caiados... Sou um túmulo, carrego em mim um amor morto. A Lúcia que vocês olham e admiram é a imagem que as lembranças que vocês têm de mim projetam sobre essa ausência.
Mas, em algum lugar, o Natal continua maravilhoso. Talvez nos beijos apaixonados de André e Camila, talvez nas praias baianas onde se divertem Guilherme, Rita, Beatriz e o próximo Guilherme, talvez nos sonhos e equívocos do Ivan, talvez em Dallas, no futuro de Barbara, Michael, Gabriela e quem mais vier, talvez na casa e no coração da Paula e do Leonardo, do Fernando e do Marcello, acolhendo a todos os que chegam, convidados ou não. Vejo o rosto dos amigos, sorridentes e iluminados, Helena, a estrela que vai iluminar a noite de Natal de sua irmã, o sorriso e o brilho do olhar de Renée, generosa em suas emoções, escuto a conversa bilíngue da Marta e do Dennis, leio as mensagens carinhosas dos amigos próximos e distantes, fiéis e nem tanto, e sei que há uma promessa de beleza nesta noite, em que tantos corações tentarão caprichar nas batidas, para criar uma harmonia universal.
Feliz Natal, para todos os felizes. Feliz Natal, para os que tentam, Feliz Natal, para os observadores, para os excluídos, para os alheios, para os que não estão nem aí, para quem nunca soube o que é felicidade, para os raivosos, para os indiferentes, para todos, enfim. Que a data seja comemorada em paz, em dignidade, em sossego, pelos crentes e os descrentes.
Saturday, December 23, 2006
Cigarras e predadora
Antes, porém, uma notícia: saiu um conto meu na Revista Continente. É uma revista lá de Pernambuco, muito bem editada, excelente apresentação, que muito me honra ao publicar meu conto. Está na página 34, com uma ilustração, muito bem feita, mas cujo autor, ou autora, desconheço. Acho sempre muita graça ao ver a interpretação dos outros quanto ao que a gente escreve: quem ilustrou o conto colocou a predadora como uma raposa, e sua vítima um cordeiro, com jeito assustado. Nada disso! A raposa é furtiva, escolhe caças pequenas e age mais pela esperteza. Uma amiga imagina a predadora como uma loba, mas também discordo. Lobas caçam em grupo, e essa predadora é exclusivista. Uma onça, uma leoa, ou, vencendo as conotações de filmes e músicas, até mesmo uma pantera ou uma tigresa. E a vítima não tem nada de cordeiro medroso. É tão selvagem e disposto a matar quanto a predadora. Só que ela toma a iniciativa... Mas, como já constatei, o conto só é nosso enquanto ninguém mais o lê. Cada leitor assina a co-autoria, pois a decodificação é dele e suas sinapses serão, necessariamente, diferentes das de quem escreveu. Aceito a raposa e o cordeiro, portanto, porque são manifestações de uma interpretacão possível, quem sabe de um machismo destronado que se vê vitimizado e inocente?
Curiosos? Vocês podem ler o conto na Continente de dezembro, que está à venda na Livraria Letras e Expressões. Corram, antes que acabe!
Termino, então, com o canto das cigarras, que hoje estão caladas, dando a vez para os bentevis.
Estou escrevendo com um fundo musical de cigarras enlouquecidas de sol e azul. Um dia lindo, como há muito já não se via no Rio, mas que exige ar condicionado, vestidos de alcinha, sorvetes, chope e água de coco. Ah, o verão... Estação mais complicada, aqui no Brasil! Começa com a correria das compras de Natal, das festas de fim de ano, com comida demais, para nos cansar a todos e nos dar aquela vontade doida de largar tudo e ir para a praia, mergulhar no azul, almoçar só uma saladinha ainda vestindo a roupa de banho e sentindo na pele o gostinho do sal, que tempera amores efêmeros ou eternos. Gosto do verão, mas como observadora. Me posto em alguma janela e olho toda a efervescência, escuto os pregões, me embalo nas músicas. Mas nunca aprendi a dançá-las, nem comprei as ofertas, nem me embriaguei com o gás. E, no entanto, amo esses dias-balões, que se inflam com o canto das cigarras e vão minguando sem que nos apercebamos bem quando é que terminam.
Solto meu canto (como o dos insetos, intenso e breve), e mando meu bom-dia a todos, minhas saudades e meu carinho.
Friday, December 15, 2006
Descartes e A contramão da palavra
Descartes
Penso
logo não posso existir
como me querem
submissa
como as feras
Penso
e com isso surgem os problemas
O natural, a natureza
não correspondem
aos anseios
e receios
Penso
Ato tão pequeno
que ninguém explica
Deus e a Filosofia
debatendo entre si
minha agonia
Penso
E se o corpo é fêmea,
o que é a mente?
Talvez ilusão
mito da serpente
Pura sedução
Penso
Se isso é normal
outra é a falha
Ou talvez a culpa
seja de Descartes
por acrescentar
Existo
Penso
E não existo
Somente assim
Posso me explicar
Nesse momento
Não sou
Penso
Não existo
Penso
Logo, me crio
Prometi, e aqui estou eu cumprindo, cartesianamente, o prometido. Este meu poema é de um livro inédito, chamado A contramão da palavra. Antes de escrever contos, eu costumava escrever poesia. Mas escrevia, volta e meia, um ou outro conto. Agora minha produção se inverteu. Passei a escrever preferencialmente contos, e ocasionalmente poesia. O que é que nos leva a uma ou outra forma de expressão? Porque preferimos a concisão e a elipse numa determinada fase da vida? Por que é que certos assuntos parecem mais poderosos quando escrevemos de forma mais simbólica? Porque alguns autores elegem uma única forma de expressão e nunca se aventuram fora dela? Por exemplo, nunca ouvi falar num trecho em prosa escrito por João Cabral de Melo Neto. Mas, conhecendo os poemas perfeitos dele, enxutos, concisos, numa elegância de equilibrista, como não entender essa sua preferência?
Chega de perguntas sem resposta. No fim de semana continuo.
Thursday, December 14, 2006
Bloggando devagar
E é também época de falta de assunto, pois os acontecimentos são sempre os mesmos, só varia o menu: aqui, servem champagne, ali servem cerveja, aqui servem pão com brie e damasco, ali servem mini quiches de cogumelos selvagens... Num lançamento, a gente se acotovela com o povo das colunas sociais, noutro respira o mesmo ar das cabeças pensantes da literatura, na esperança de ficar um pouco mais inteligente, um pouco mais criativo. O resultado é sempre o mesmo: uns quilinhos a mais, talvez uma dorzinha de cabeça, muitos risos, comentários maldosos ou inteligentes, e a sensação de que precisamos nos ver mais, conviver mais, aproveitar mais esses amigos que passam o ano distante de nós para surgir no final do ano, tão interessantes, tão especiais que nem compreendemos como pudemos ficar tanto tempo afastados.
Mas chega de desregramento! Volto a bloggar, devagar, mas com promessas de constância. Hoje só escrevo isso. Amanhã prometo um poema que vou catar nos arquivos. E umas palavrinhas, no fim de semana, sobre os ótimos livros dos amigos: A musa diluída, do Henrique Rodrigues e Lápide e Versão, do Jorge Fernandes da Silveira.
Me aguardem.
Saturday, December 02, 2006
A teia de Ariadne
Volto a escrever, não sei quando, mas prometo que com muitos livros para comentar: Estou carregada de novos romances. E com um disco novo/antigo dos Beatles, o comentado Love, criado pelo George Martin e seu filho para um espetáculo do Cirque du Soleil. Então, como despedida, all you need is love...