Monday, June 30, 2014

Zero em futebol, Dez em torcida

Se existisse um boletim de torcedor, essas seriam minhas notas. Não pretendo saber nada de futebol. Nada mais que uma brasileira, criada numa família que não se interessava pelo esporte, possa  conhecer. A gente conhece os nomes, já leu uma ou outra crônica, tem noção de que o Saldanha e o Nelson sabiam escrever sobre as partidas, sabe o que é pênalti – embora nem sempre reconheça com exatidão os motivos para eles serem marcados. Não sei como meus filhos, criados com a indiferença futebolística de pai e mãe, se tornaram apaixonados por futebol, ou por outros esportes. Nasceram assim, herança genética de algum tataravô atlético que desconheço.
Mas, talvez por ser mãe praticante, sei torcer. Estou sempre na torcida pelos meus filhos, pelos amigos, assim como passei a vida torcendo pelo meu marido, confiando, acreditando até o último minuto e, quando por ventura alguma coisa não dava certo, escondendo minha decepção e me convencendo (e a todos ao meu redor) de que "agora" ia dar certo. Torço ardentemente pelo Brasil, espero que o time vença e fico indignada com todos esses entendidos que expressam suas desconfianças em público. Fico danada com comentários que só ressaltam a trave, e não o goleiro. Ora bolas! Futebol não é ciência, não é estratégia, não é probabilidade, não é nada disso. Futebol (e a vida) é a peça Ricardo III. Tá todo mundo achando que os outros estão em vantagem, mas a gente sabe que vai conseguir. E consegue. Naquela noite angustiosa antes da batalha, uma única pessoa acredita. Tem fé apesar de tudo, racionalmente, estar apontando para o fracasso. Ele fala, sem mentir, apelando para a emoção e para a entrega. Revela sua fé naqueles guerreiros e essa crença vai contagiando até que todos se animam e percebam que precisam de estar com os corações confiantes para que os deuses os favoreçam.
Vamos torcer, gente. Sem medo do ridículo, pois todo amor, já disse o poeta, é ridículo quando expresso em palavras, e precisa de ser ridículo para que seja verdadeiro. Vai Brasil-il-il.

Monday, June 23, 2014

O que será que me dá?

De quatro em quatro anos sou acometida de uma virose que me transtorna e transforma. Descubro que, encarcerada a sete chaves, tenho uma outra personalidade turbulenta, passional, bagunceira e irreverente que, além do mais, gosta de futebol.
Ela passa anos sem se manifestar hibernando, e chego a esquecer que essa outra Lúcia, que se veste com roupas verde-amarelas, que não desdenha o uso de perucas e adereços e que diz bobagens, grita e sopra buzinas desafinadas faz parte de mim.
Ela tem uma vitalidade que não tenho. Pula e abraça pessoas sem um pingo de cerimônia. Diz coisas que eu, em meu estado normal, preferiria morder a língua até sangrar a proferir as palavras que essa outra usa sem se envergonhar.
A duração dessa virose depende da participação do Brasil na Copa. E, à medida que o time vai avançando nos jogos, vai ficando cada vez mais séria. Houve uma Copa em que me julguei curada: aquela malfadada Copa na França, quando o time entrou rendido em campo. Ao olhar aqueles "heróis" já vencidos antes mesmo da batalha, fiquei tão indignada que não sei como cheguei até o final do jogo.  Jurei que nunca mais assistiria a um jogo do Brasil. Depois disso, a "outra" ficou enclausurada, sem dar sinal de vida durante duas Copas. Em 2010 amoleci um pouco, e, vez por outra a turbulenta tornava a botar a cabecinha de fora, soprando uma buzina solitária na varanda do meu apartamento. E, embora não tenha assistido a nenhum jogo naquele ano, ligava religiosamente a TV na sala e voltava para o escritório para ler, mas mantendo os ouvidos alertas na esperança de ouvir os gritos de gol. Quando isso acontecia, corria para ver a comemoração na TV, e depois voltava ao meu sossego.
Esse ano, na contramão de todos os bem-pensantes partidários do "não vai ter Copa", fui me entusiasmando devagarinho e, quando vi, a louca tinha escapado do cárcere e está agora no comando de minha vida. No meu coração tem Copa! Estou torcendo como louca para o Brasil chegar ao Hexa. Não saio de casa, não vou à Fanfest, não fico nos bares com os turistas que surgiram como cogumelos, da noite para o dia, em todos os recantos da cidade. A Louca da Casa acompanha todos os jogos, parece que até entende um pouco de futebol, e encontrou amigos que a acham muito engraçada.
A Lúcia de sempre se espanta, mas acaba se divertindo com esse alter-ego muito mais desinibido e popular que o seu ego de cada dia. Fica se perguntando se a virose ainda vai demorar a passar, e tem até um pouco de medo quando sua parceira sossegar, seja pelo final da Copa ou (God forbid!) quando seu time se despeça da luta. Sua vida vai voltar a ser a de antes, sem a paixão e a adrenalina… Acho melhor ir planejando alguma aventura emocionante, como uma volta numa enorme montanha russa, ou umas aulas de voo livre para me entreter e satisfazer essa que, afinal de contas, também posso chamar de eu.

Saturday, June 14, 2014

A pátria de chuteiras

I
De quatro em quatro anos me descubro torcedora de futebol. Não acompanho os jogos do Brasil, porém. Ligo a TV e perambulo pela casa, tentando fazer uma ou outra coisa, enquanto todos os meus sentidos ficam atentos a espera do tão esperado grito de GOL. Odeio os locutores de futebol, que demoram uma eternidade neste Goooooooooooooooooollllllll e custam a confirmar ser do Brasil. O que me ameniza a ansiedade são as generosas explosões de fogos. No meu imaginário, são como fogos de Reveillon e vejo tudo colorido, brilhante, alegre. Este ano, encontrei uma brincadeira que me encantou: mensagens no Facebook, absolutamente piradas, que eu ia fazendo, baseadas em pequenos retalhos de coisas que escutava sendo ditas na TV, ou respondendo aos comentários às minhas próprias bobagens. Só posso dizer que este primeiro jogo do Brasil foi perfeito. Vitória, quatro gols brasileiros (um foi contra, eu sei, mas quem pode criticar o cavalheirismo dos donos da casa?), facebook e brincadeiras, fantasias, filhos acompanhando na torcida, tudo legal. Nem o joelho machucado numa queda estúpida por causa de um elevador que parou fora do nível me deixou chateada. Era um pretexto a mais para desviar minha atenção da ansiedade. Ia buscar gelo, ou espirrar um cataflan, e nisso a posse de bola voltava para o Brasil-il-il, pois durante a Copa o meu país é assim, com eco e peito inflado de amor.
Nos outros jogos, não ligo, embora tente acompanhar, torcendo para os que me parecem mais simpáticos e menos ameaçadores numa possível final contra o Brasil-il-il. Foi assim que ontem comecei torcendo pela Holanda. Simpáticos, acariocados, o Flamengo da Europa vestiu azul, cor de minha predileção. Quando o jogo começou, vi uns momentinhos, mas depois tive que sair. Estava certa, ao me arrumar, que os meus favoritos iam levar uma surra. A impressão que dava é que havia mais jogadores espanhóis em campo. Para onde se olhava, lá estava o uniforme branco, enchendo a tela. Já na saída de casa, um gol da Holanda!!! Resolvi me atrasar um pouquinho. Precisava de ver se tinha sido do Robben cujo nome de ladrão (se pronunciado à brasileira, parece uma ordem, se pronunciado à estrangeira, lembra o famoso personagem inglês, que roubava aos ricos para dar aos pobres). Só então entendi que, se a Espanha parecia tomar o campo, é porque estavam ali plantados, como balizas, para os meninos praticarem seus dribles e fintas (nomes lindos, mas não me peçam para explicar pois não sei diferenciar uma coisa da outra; só sei que são mágica feita com os pés e uma bola que desaparece e reaparece onde menos se espera). Bem, saí e quando cheguei ao local de destino, descobri que o resultado tinha sido Holanda 5, Espanha 1. OK, por mais que eu simpatizasse com o time, não torcerei mais por ele. A não ser que perca na próxima partida, e eu possa dizer que esse resultado foi sorte ( mas acho que não foi, não). Eu bem que gostaria de continua torcendo por eles, mas o Brasil-il-il é o meu amor, e não me atrevo.

II
Tem um monte de gente escrevendo sobre futebol, no facebook, nos jornais, no twitter. Tem um monte de caras falando sobre futebol, também, mas isso eu não escuto: ou troco de canal ou mudo de posição na rodinha.  Voltemos aos que escrevem: uns entendem muito de futebol, e merecem todo o meu respeito, mas… quando são brasileiros e se colocam encastelados em uma lógica analista que os faz criticar os nossos jogadores tenho piedade deles. Uma das melhores coisas da vida é se "apaixonar". Diz Proust (e ele cabe citar até em textos sobre futebol) que se apaixonar por mulher linda não tem graça, muito maior é a paixão de quem se encanta por uma feiosa, pois aí a imaginação revela toda sua grandeza. O meu time pode não ser perfeito, mas estou apaixonada por ele. Pelo Oscar, pelo Neymar pelo David Luiz, e até mesmo pelo Fred. Não critiquem, não deixem que a lógica estrague a paixão. O Fred caiu, foi covardemente desequilibrado pelo adversário. O Fred é ótimo deitado, gente! Faz gol, arranja falta…Deixa ele deitar, gente.  Não procurem defeitos na pegada do goleiro, na cabeleira do volante, no chute do zagueiro, na finalização do atacante. Eles são o nosso Brasil-il-il, e enquanto estiverem no páreo, a gente deve torcer por eles com toda a nossa paixão. E, se vocês ficarem escrevendo essas coisas, não passarão de chatos que, no dia do casamento, queiram falar do desengonçado do noivo, do terno mal passado, da perna torta. Eu sou a noiva apaixonada, não vejo nada. Tudo o que me interessa, no momento, é o SIM, aquela taça que quero levantar  e brindar. A embriaguez da alegria e a promessa de uma noite de núpcias me deixam indiferentes a tudo o mais. Vambora torcer, gente, e se o prazer de vocês é analisar os defeitos, concentrem-se nos convidados, e deixem meu noivo em paz. Meu Brasil-il-il é perfeito. (Agora, se ele perder…viro mulher abandonada, entendem?)