Saturday, August 31, 2013

Vem pra rua…

Ontem não fui para rua. Nem eu nem os 200 milhões de brasileiros que agora já somos.
Cansamos? Tanto que as pessoas se manifestaram por alfinetes, tantas vezes umas 30 pessoas paralisaram o trânsito da cidade, tanto gás de pimenta, tantas balas de borracha, tanta ocupação de espaços públicos, tanta depredação em vão e agora, quando atingimos o auge do que a mim me parece uma baixeza, ninguém se manifestou.
Não é que não tenha ido para a rua. Fui ao Centro, passei lá a tarde e depois ainda voltei à noite. Tudo estava calmo. De tarde, passei o dia dentro de um banco, um daqueles de agências envidraçadas, bem no coração da cidade, um alvo perfeito. Ninguém ali estava preocupado com o fato de que um bandido, condenado por corrupção, continuasse a dar plantão na Câmara e fosse dormir na cadeia. OK. Ou melhor, a polícia deve ter se preocupado, pois, no meu retorno ao centro, um contingente inteiro havia se posicionado ali na Cinelândia. Isso durante o espetáculo maravilhoso no Municipal. Quando saímos, ainda em estado de graça com as belezas que ouvimos, a praça, que já foi do povo, era da farda. Creio que temiam que nós ocupássemos a rua e nos dispuséssemos a cantar o coro de Nabuco. Va pensiero… transporte-nos a um outro Brasil, de mais justiça e de ética menos enxovalhada.
Por sorte, peguei uma carona com um casal de amigos. A mulher me garantiu que o Centro tinha sido palco de furiosas manifestações. Perguntei: onde? Como cariocas, sabemos que o Centro é múltiplo e que as praças nem sempre se conectam. Ela respondeu que ali mesmo, na Cinelândia (por onde eu havia passado sem ver mais do que o sujo acampamento que se perdura como um monumento), a TV tinha mostrado uma passeata de professores. Educadamente, não discuti com ela, mas fiquei pensando com meus botões, como diria Machado, ou com meu zíper, como seria mais apropriado em meu caso, que talvez a TV, por falta de quórum, tenha requentado as imagens de uma manifestação ocorrida na terça.  Como vou saber?
A impressão que me ficou foi a de que apenas a polícia ainda conserva um pouco de senso comum. Estavam lá, de prontidão, para conter as milhares de pessoas que seriam de se esperar no dia seguinte ao nosso colapso ético. Talvez inspirados por um amigo, que recentemente esteve dando palestras na Academia de Polícia e descobriu o apreço de seu chefe por literatura, os policiais tenham se lembrado de Drummond e de seu Sentimento do Mundo.  Talvez tenham se posicionado ali na esperança de dar as mãos a todos os indignados, a todos os ultrajados pela piada de mau gosto que a democracia nos pregou. Elegemos mal, é verdade, mas podemos demonstrar nosso desprazer e tentar reverter a situação. Poderíamos exigir eleições gerais, insistir para a renovação total, geral, completa da Câmara e do Senado, dos Governos Estaduais e Municipais, com a condição de que nenhum dos atuais políticos fossem candidatos. Vejam, se os médicos daqui não prestam, importamos cubanos. Se os políticos não prestam, que tal importarmos dinamarqueses? Ou suecos? Ou Australianos?
Lanço aqui a campanha: respiremos fundo, mais uma vez, e vamos para a rua, exigir novos políticos. Ou, pelo menos, transformemos Brasília num grande presídio de segurança máxima!

Sunday, August 25, 2013

Volto aos nomes

Os franceses têm uma capacidade de nomear que me causa admiração e inveja. Vejam o caso das celas de prisão que conhecemos como solitárias. Sim, é verdade que são perfeitamente bem nomeadas em português, mas estão nomeadas do ponto de vista do prisioneiro. Elas exacerbam o sentimento de solidão que o preso deve sentir, mas não dizem nada sobre o sentimento do encarcerador. O poderoso, no caso, é esquecido e o prisioneiro triunfa como nomeador. Mas vejam o caso de oubliette. Trata-se da mesma cela, mas a palavra adquire relevância não apenas para o o encarcerado, mas também para quem manda o infeliz para lá. Um infeliz que se torna bem mais infeliz, com a certeza de que será esquecido. Enquanto que o nome da cela já vai produzindo um alívio e uma sensação de vitória naquele que manda prender. Oublier quer dizer esquecer. No caso, iria mais longe e diria que quer dizer obliterar. Então, quando pronunciamos a palavra, não somos obrigados, como em português, a experimentar um pouquinho da angústia do prisioneiro. Sentimentais, tomamos o partido do mais fraco. Na França, falamos do ponto de vista do dominante, mas nem por isso esquecemos do dominado. Sutilezas que só eu percebo? Bem, minha vida é revirar palavras, em busca de brilhos inesperados que revelem seu valor…
Querem mais um exemplo? Existe uma palavra bem feia em português: orgasmo. Tem uma sonoridade estranha, quase um engasgo, e acaba ressaltando o lado físico masculino do ato, aquela onda que vem lá de dentro e chega a superfície com o jato que nos livra de uma sensação que julgamos já não poder mais suportar. Na França eles preferem usar uma metáfora: la petite mort (bem, falo a partir de leituras, não tenho nenhuma vivência amorosa nem sexual na França, pode ser que tenham abandonado o termo). Vejam com que delicadeza a metáfora serve aos dois participantes da relação, e com que facilidade pode servir a ambos os sexos e a múltiplos parceiros. Uma pequena morte que se experimenta quando nos sentimos perdendo nossos limites individuais e pulsamos num corpo que não é o nosso, mas tornou-se, por um instante todo o universo. E serve também aos atos tristonhos, pouco satisfatórios, pois não se trata, no caso destes, de uma pequena morte de nossa autoestima? Mas serve apenas ao lado físico que nos exaure e deixa vencidos, mortos ofegantes que, no paraíso das sensações, anseiam voltar ao inferno das paixões o quanto antes…
É verdade, divago. Talvez o melhor seja procurar a extraordinária ária da morte de Isolda, a mais perfeita descrição de uma petite mort que conheço. Acompanhar a escalada de sons e emoções, chegar ao que julgamos ser o cume e descobrir que ainda é possível ir mais além e sentir nosso coração abranger o mundo todo, todos os mistérios, conhecer todos os segredos e voltar, numa espiral suave e descendente até nossa condição humana e desmoronar por não conseguir entender como fomos tão longe e continuamos os mesmos…
Bom domingo. Ou dimanche, mais suave de falar, quase um balouço de rede.

Saturday, August 24, 2013

Espelho meu

Olho a foto de um ator no jornal e não posso deixar de lamentá-lo. Por que desfigurar-se desta forma? Preenchimentos, creio que é este o nome da técnica, que alguns chamam de botox, que vai apagando traços e linhas e, em seu lugar, vai deixando almofadinhas de diversos feitios. Umas compridinhas feito lagartas, outras parecendo chumaços de algodão. O rosto fica parecendo uma estrada malcuidada, causa  estranhamento a todos que o veem, menos à própria pessoa, que olha-se no espelho e (talvez por conta da vista cansada, ou de uma incipiente catarata) vê um rosto jovem e liso. Ou talvez repare em alguma imperfeição e corra de volta ao médico para mais uma injeção, mais um procedimento.
Como avisar a uma amiga que ela está se desfigurando? Ou mesmo um amigo, pois mais e mais homens estão recorrendo à prática. A primeira vez que vi uma pessoa com esse tipo de rosto "rocky road" foi numa festa de granfinérrimos. A dona da casa era uma dessas lendas das colunas sociais, tinha sido bonita e era riquíssima. A festa era para comemorar mais alguns milhões de dólares que estavam sendo recebidos por sua família pela venda de uma instituição financeira aos sócios holandeses, ou finlandeses, sei lá.  Estávamos num janeiro ardente, mas a dona da casa tinha resolvido fazer a festa no jardim pois era época de lua linda, como a que nos tem encantado nos últimos dias. Os dias e as noites estavam realmente infernais, e, como fosse janeiro, era possível que uma chuva de verão desabasse de repente (ainda não tínhamos as sofisticadas previsões meteorológicas de hoje em dia) A dona da casa, portanto, com todos os seus milhões, tinha coberto o jardim com um toldo transparente – absoluta novidade cá na terra – e para evitar que o ambiente se tornasse uma estufa, tinha mandado refrigerar o jardim. Isso era absolutamente inusitado, jamais havia sido feito antes. Como dizem os americanos, tratava-se de "state of the art". Pois, com tantas maravilhas para capturar minha atenção, da festa só me lembro mesmo do rosto da dona da casa. A luz feérica iluminava todas as bossas e reentrâncias de seu rosto, e ela parecia um quadro de Picasso, estranhíssima. Passei a festa hipnotizada pela figura. Os outros convivas, sem dúvida, me tomaram por alguma deslumbrada que estivesse fascinada pela importância da madame. Afastei-me, virei as costas, mas, volta e meia olhava para aquele rosto que se desmanchava em relevos geométricos e ficava pensando que ninguém mais olharia para ela e se encantaria com os olhos claros, que desapareciam atrás dos volumes artificiais.
Tempos depois, uma amiga, numa conversa dessas de mulherzinha, me pediu que lhe avisasse se estivesse exagerando nos "procedimentos". Como fazer isso? Impossível. Pois mesmo quando a gente, com toda a intimidade, diz algo como "agora chega", a resposta invariavelmente é : "só falta dar um jeitinho aqui neste ponto". Um ponto que muda a cada olhadela no espelho.
Também tenho amigas que me pedem que lhes dê um "toque", caso comecem a perder o juízo. Missão igualmente impossível, pois se o juízo já está comprometido, elas já não são mais capazes de aceitar os avisos. E, como todas as minhas amigas são inteligentes e cultas, e o juízo pode abandoná-las, mas não a sua inteligência, argumentam brilhantemente, defendendo suas posições.
Avalio: de que me vale desmontar a ilusão que cada um de meus amigos constrói para si? Eu os amo até porque sabem se iludir e com isso me ensinam a ser um pouco mais complacente comigo mesma. Por isso me olho no espelho e não entro em depressão. Me vejo com olhos sonhadores, que apagam os sinais, os quilos, a falta de sex-appeal. Sorrio para meu rosto no espelho, na esperança de espantar o tal "bigode chinês", convencida de que, sorrindo, as pessoas vão notar mais a simpatia que o desmoronamento. Na verdade, pago o preço de uma convicção: o tempo nos esculpe, por bem ou por mal. Mesmo fazendo todos os "procedimentos", a gente não fica mais jovem. Fica é com cara de quem não se conforma com a idade.

Monday, August 19, 2013

Feldspato

Hoje, atrasadíssima, fui ler o jornal de sábado, mais especificamente, o Prosa, que ainda insisto em ler, embora esteja cada vez mais distante de um suplemento literário. Tinha guardado o caderno para uma hora mais tranquila, pois, desta vez, quebrando a regra, falava-se sobre livros: aqui um comentário sobre o Silviano, ali uma longa dissertação sobre o pós-modernismo e um texto sobre o feminino em Nietzsche e Derrida. Como esses dois são figurinhas fáceis nos comentários literários, desprezei o fato de que o artigo se achava sob a rubrica "filosofia", e embarquei na leitura.
Começou muito bem, com a citação de uma autodefinicão de Nietzsche: "Sou uma nuance". Claro que adorei a frase, cheia de possibilidades e continuei lendo a referência seguinte que afirma que o filósofo em questão é "um pensador que se instala de modo deliberado entre antagonismos insolúveis". Era uma frase em aspas, portanto assumi que o autor do artigo estivesse resumindo os "brilhantes estudos de Wolfgang Müller-Lauter". Brilhantes? Bem, tudo é uma questão relativa. A luz de um fósforo é brilhante na escuridão, mas supérflua num dia radioso como o de hoje.
Seguimos? Seguimos!
Fala-se, então, de um novo modo de lidar com a verdade, que teria sido inaugurado pelo bigodudo filósofo: a interpretação infinita. E já estou perdida, pois não tenho conhecimento filosófico suficiente para saber se isto é ou não verdade. Como sou realmente uma mulher de boa fé, tomo a assertiva como verdadeira, embora surjam algumas dúvidas no fundo de meu raso intelecto. Será que a filosofia não vem praticando isso há milênios? Bem, mas talvez a prática não valha sem uma teoria que a organize, então continuo a ler e me deparo com a relativização da "própria condição do sujeito que valida essas mesmas perspectivas". Sim, leitor, pode me abandonar, se quiser, pois não vai haver relativização que melhore o meu entendimento. Não  pense que estou fazendo pouco do texto, estou apenas dissecando minha própria ignorância. Por que, então, continuo a ler? Porque no parágrafo seguinte está a seguinte hipótese, sustentada por N. "a verdade é uma mulher", e em seguida uma frase absolutamente tentadora: "reavivar a agonística alegre existente entre Nietzsche, Derrida e o tema do feminino".
Puxa! Sou uma mulher e, se a verdade é uma mulher, a verdade tem a ver comigo, que não sei do que trata a alegre agonística  com que os dois filósofos se relacionam ao tema do feminino. Que, diga-se de passagem tem muito pouco a ver com a mulher… Isso eu sei, nebulosamente, pois as duas palavras deveriam estar rotuladas sob categorias diferentes segundo me ensinaram algumas teorias que andei lendo por aí.
Sigo a leitura como quem faz um exercício de piano. Repito, saboreando os sons, que não levam a nenhuma sinfonia: "conceitos de phármakon e de khôra"; "a metafísica consiste na tomada de decisão diante de termos estruturalmente indecidíveis". Paro e recorro ao meu velhíssimo Aurélio, que não lista entre indecidido e indecifrável  a palavra em questão. Bem-feito! Quem manda se apegar a velhos dicionários e não comprar uma edição mais recente? Quantas palavras deixarei de conhecer, desse jeito?
Descubro que além de "verdade", sou "metafísica", pois esta é "incapaz de pensar a complexidade do mundo contemporâneo". Eu também. Eu também, mas estou em boa companhia. No entanto, sou fulminada por uma nova revelação: Uma escrita pós-metafísica seria uma escrita feminina. Como?!  É que o Derrida diz, segundo esclarece o autor do artigo, que "toda metafísica é um fono-falo-logo-centrismo" ou seja "Uma lógica fálica apoiada em um racionalismo fonocêntrico que privilegia a fala e a presença em detrimento da escrita e do pensamento in absentia". Ok, está certo, por menos que seja capaz de pensar o mundo contemporâneo não posso me comparar à metafísica pois esta é domínio do falo e da fala.  Calo-me e castro-me (deve de ser esta a ausência), continuo a leitura.
O pensamento metafísico nasceu de um parricídio simbólico. Não complica, caro mestre. Você não acabou de dizer o contrário? A metafísica não é o domínio do falocentrismo? Ah, é que  "a fala e o falo paternos continuraram reverberando de um modo fantasmal na escrita, chancelando-a com uma negatividade incurável".  Esclareceu para você? Para mim complicou. Quando foi que saímos da fala e entramos na escrita?
Estou perdendo o fôlego e a razão. Mas me animo com o parágrafo seguinte que tem "franjas e bordas" palavras que me fazem lembrar de meu querido e sempre claro Machado de Assis.  Leio que Derrida "criou uma odisseia da marginalidade intelectual que inclui todas as vozes ausentes do festim masculino da razão e abandonadas pela paternidade arcaica dos signos". Saboreio a frase. Linda! Tem odisseia, tem marginalidade, tem festim, coisas de que gosto muito. Ignoro minha incapacidade de pensar a complexidade do mundo contemporâneo, pois isso é coisa da metafísica e, como sou mulher, portanto, verdade, não faz muita diferença se compreendo ou não porque, ao fim e ao cabo, faço parte da marginalidade.  Creio ler uma corroboração de meu entendimento na frase: "Apenas uma escrita que incorpore o devir-mulher em seu caráter inapreensível será portadora da marca indecidível da verdade".
OK. Não dá para entender mesmo. Mas vejo que, como eu, Derrida tem suas "palavras amadas", e listo, copiando o Rodrigo: alteridade, dom, justiça, lei, perdão, amizade, soberania hospitalidade e responsabilidade.
Alguém ainda estuda Derrida?  Ele não tinha saído de moda, depois de detectarem nele algum defeito primordial que já não lembro mais qual seja? Não seria o fato de que ele pregava (simplificando muito) que todos os discursos são autocontraditórios? Se são autocontraditórios, não significam nada além de "vontade de poder".
Acho que era por aí.  Pois, acompanhando as palavras do articulista, leio que "toda teoria de diferenciação que pressuponha uma identidade substancial anterior, à qual o movimento de diferenciação se dirija, será uma teoria metafísica, ainda que a serviço de causas feministas" Bem, se isto não é autocontradição, o que será?
Você ainda está aí, querido leitor? Não me acompanhe neste caminho intrincado, acho que ele não vai levar a lugar algum. Mas, se quiser, nada me dará maior prazer que sua companhia, enquanto vou tentando me encontrar nesta leitura.  Estou aqui exercitando o "princípio diferencial da escrita como apropriação incacabada". Estamos a caminho,  na estrada de Damasco, e logo seremos fulminados pelo raio divino, o relâmpago que nos permitirá entender o feminino como o  "movimento centrífugo que a verdade realiza em direção a zonas de indeterminação".
Pensa que isso basta? Não. Estamos nos aproximando de uma "verdade mais verdadeira", a de que Deus é o modo absoluto do feminino. E Nietzsche? ao dizer que era uma nuance estaria ele se definindo como uma mulher?  Não. Sim. Não! "Nietzsche  estaria se definindo como o próprio Deus se definiria a si mesmo", é a conclusão de Rodrigo Petrônio, Mestre em Teoria da Literatura e em Filosofia da Religião.
Faço uma pausa. Respiro fundo. Penso que deveria ir tocar tambor. Mas fico por aqui mesmo, e de meu cérebro confuso nasce um signo, rebrilhando. Feldspato. Nunca mais tinha ouvido falar nele. Nunca mais tinha escrito essa jóia linguística, feldspato. Linda palavra, belo signo. Incongruente. Sonoro. Difícil.  Acho que o feldspato é Deus. Ou uma nuance de Deus.

Sunday, August 04, 2013

Velórios

Li esta semana um texto da Cora Rónai falando sobre o fim dos blogs. Coincidentemente, no mesmo dia, amigos do SESC propõem a criação de um blog para juntarmos nossas produções, e termos alguma visibilidade. Eis aí uma palavra que me arrepia: vi-si-bi-li-da-de. Houve um tempo que a gente usava isso apenas em viagens. Os aviões não decolavam por falta de visibilidade, por exemplo. Hoje eles, que nunca tiveram chão, perdem o teto. Outro emprego que dávamos era em viagens de automóvel, quando a cerração baixava na serra e perdia-se a visibilidade.  Hoje em dia usamos essa palavra para uma qualidade que já foi defeito, a tal da "semostração", coisa muito criticada por minha avó. Não havia nada pior que uma menina "semostradeira", aquelas que chamavam a atenção para si mesmas, e queriam as atenções de todos. Hoje em dia virou qualidade e mudou de nome. Cada um de nós almeja um holofote apontado para si, iluminando e tornando público todo movimento, todo pensamento, todo vagido.
Voltando à Cora, ela diz que os blogs foram desbancados pelo Facebook, muito mais eficaz em nos expor aos olhos da humanidade. Concordo. O Facebook, ao qual cheguei pensando ser uma forma mais abrangente de comunicação entre amigos, revelou-se, na verdade, uma eterna propaganda. Geralmente mostramos como somos felizes e sortudos, como vão nossos escritos, e como nossa agenda é cheia e movimentada. Claro que isso provoca um cansaço mortal… Aposto que muitas pessoas já não suportam mais toda essa "semostração".
Persisto, tanto no blog como no Facebook, esperando, não sei bem o quê, provavelmente Godot. O que me faz continuar é a sensação de que ninguém me lê, mesmo, e tanto uma como outra atividade pode me servir como um diário.  Por quê tenho essa sensação? Porque divulgo convites no Facebook e amigos queridos me perguntam por que é que não os avisei. Respondo que coloquei no meu perfil, e eles dizem que não viram. Ora, se amigos queridos não veem, quem verá alguma coisa em meu perfil?
Acho que eles até visitam o tal perfil, mas só para marcar presença, apertar a tecla curtir, numa saudação, e depois vão ver coisas muito mais interessantes do que as que acontecem comigo. No meu blog, são 7 anos de divagações. Não consigo fazer uma coisa bacaninha, com fotos e design apurados, nem assuntos selecionados. Isso aqui é mesmo uma caixa de pensamentos, a qual pretendo fuçar um dia, quando (Deus me livre) estiver sofrendo de Alzheimer, ou quando estiver sem o que fazer e sem  o que imaginar. Pois passo muito tempo sem o que fazer, mas nem um minuto sem imaginar alguma coisa que me distraia. Assim vou eu, admirada com minha própria persistência, mas me divertindo e guardando memórias. E comentando a vida e a morte.
Esta semana comento a morte de uma pessoa que nunca cheguei a conhecer, mas que admirei através de amigos. Todos sabem que gosto muito de música, frequento concertos e ballets aqui e lá fora. Sabia que o Luís Paulo Horta tinha (teve) um grupo que comentava música e eu teria adorado ir. Mas, acontece, que fui primeiro convidada para o grupo do Renato Machado, e achei que não tinha nada a ver com aquelas socialites. Nem me esforcei para frequentar o grupo do Luís Paulo, de quem me sentia um pouco próxima pois tinha sido aluna da temível Guida Parreiras Horta. Não foi uma mestra que me inspire saudades, mas o fato é que ela me ensinou Grego. Alfabetizei-me em grego, vi muitos slides de suas viagens à Grécia e compartilhei com ela um encantamento pela antiguidade clássica. Quando visitei a o país, não pude deixar de pensar nela toda vez que laboriosamente consegui decifrar algum cartaz que me dizia "farmácia" ou "sintagma". Lamentei a sua morte e fui à sua missa de sétimo dia, no Mosteiro de São Bento. Provavelmente cruzei com o Luís Paulo por lá, já que eles compartilham sobrenomes.
E aqui estou eu, escrevendo para ninguém, mas fazendo uma homenagem a uma pessoa que admirei pois nunca escutei ninguém que não tivesse uma palavra boa sobre ele. O fato de ele ter morrido de repente, assim às vésperas de uma comemoração, mexe comigo. Fico angustiada pensando em tantas mortes repentinas que tive que assimilar. Lamento por ele e por sua família. Espero que ele seja recebido com muita música e paz, aonde quer que ele vá. Embora, de uns tempos para cá, eu ande muito descrente e cética.