Sunday, December 31, 2006

Comendo castanhas

Quase seis horas do dia 31 de dezembro de 2006. Na Austrália já comemoraram o Ano Novo e, com certeza, muitas pessoas já foram até dormir. Aqui no Rio a gente espera. Espera que chegue a hora da festa, espera que a chuva passe, espera que os bandidos não ataquem, espera que o ano de 2007 só traga coisas boas.
Alguns, impacientes, se foram. Morreram antes de ver o ano acabar, ou para não ver o ano acabar. A data não parece combinar com velórios, pois os olhos estão todos voltados para o início, não para o término.
Desejamos a ceia, a mesa posta, os brindes e a alegria, estamos famintos, e passamos estas últimas horas comendo castanhas, laboriosamente nos livrando das cascas e enganando a fome com pequeninos pedaços que levamos à boca como troféus arduamente conquistados que foram. De banho tomado, com as roupas escolhidas, cheios de boas intenções, nem percebemos quantas castanhas já comemos, nem como o que mastigamos displicentemente nos alimenta. Indiferentes, comemos castanhas. Alienadamente, comemos castanhas.
Quem se lembra do poema de Fernando Pessoa, atravessado pela menina que come chocolates?
Me equilibro nesta ponte entre passado e futuro comendo castanhas. Caminho agudamente consciente do fim. Alguém morreu esta manhã. Minha vida se acabou há precisamente um ano, dois meses e quinze dias. A Tabacaria de Pessoa, no entanto, continua aberta. E eu, a exemplo da menina, como castanhas. Penso estar morta, mas como castanhas. E sonho: uma casa, livros, uma conversa amena. Talvez haja uma ceia...

Thursday, December 28, 2006

Promessas de ano novo

Recebi alguns e-mails de amigos que prometem manter um contato mais assíduo em 2007. Mandei alguns e-mails prometendo a mesma coisa. Será que vamos cumprir?
Não acho que seja hora de dúvidas, todos devemos começar o ano cheios de boas intenções, nem que seja apenas para neutralizar as notícias terríveis que se tornam cada vez mais próximas. Mortes, ataques, guerras, aumento de AIDS, destruição do planeta, corrupção e impunidade: os jornais insistem, a TV alardeia, as pessoas comentam, mas nada muda para melhor. O banqueiro foi solto, o político teve o processo retirado, os bandidos atacaram com mais violência, o clima foi para o beleléu... Ainda dá tempo de mudar? George Bush admira o mundo, resolvendo proteger os ursos polares -- ninguém lembrou que a Coca-Cola usa o urso polar como garoto propaganda?
Vamos neutralizar tudo isso, fazendo uma lista de boas intenções: comecemos em casa, tipo -- este ano vou pintar a sala/arrumar a sala/trocar as cortinas/reformar o banheiro/cuidar das plantas. Depois podemos sair às ruas e prometer: não vou jogar papel no chão/guimbas de cigarro nas floreiras/não vou pisar nos canteiros/não enterrarei palitinhos de picolé ou de queijo coalho nas areias da praia/recolherei os presentes que meu cachorro deixar nas calçadas/dirigirei meu carro dentro do limite de velocidade. Vamos assim, ampliando para a cidade, o país, o continente, o mundo, o universo e então poderemos pensar na maior tarefa de todas: nós mesmos. Mudar-se, melhorar-se, prestar atenção em si mesmo. Vamos fazer uma lista?

Tuesday, December 26, 2006

Ganhe dinheiro agora!

Toda a vez que vou postar alguma coisa, há um anúncio insistindo: Ganhe dinheiro. Quase sempre que abro meu e-mail há uma mensagem da loteria, me avisando que é a minha chance de ganhar N milhões. Quando morava nos EUA, semanalmente recebia uma carta me avisando que eu tinha sido premiada com uma quantidade enorme de dólares... Onde está toda esta grana, meu Deus? Há sempre algum esperto que, este sim, está ganhando dinheiro à custa de sonhadores e de necessitados, empreendedores e endividados. De mim não ganham, porque, embora sonhadora, sou preguiçosa. Nunca leio as cartas, nunca faço os jogos, nem termino de ler as ofertas. Leio o título: Ganhe dinheiro agora e imediatamente traduzo: o que vou fazer com este dinheiro todo? Embarco, então, numa viagem exótica (Ilhas Fiji? Expresso do Oriente? Safári na África?) ou faço a reforma do apartamento que nunca comprei porque precisava de... reforma. Ou viajo imediatamente para a Argentina e vou para a loja onde experimentei o vestido mais lindo que já vi e finalmente compro-o, nem que seja só para usar em casa, desfilando entre a sala e a cozinha, ou sentando e levantando na frente do espelho do quarto. Ou compro o vestido e dou uma festa, para poder usá-lo. Ou me matriculo num curso de literatura na Sorbonne, e passo seis meses em Paris. Sonho tanto que me canso de sonhar e desisto de ganhar dinheiro agora! A diversão já foi usufruida, e economizei alguns trocados. Deixo, então, os milhões para outras pessoas, que construirão impérios a partir da moedinha da sorte, e tomarão banho numa piscina de moedas de euros. Ganhe dinheiro agora! Eu vou continuar sonhando.

Sunday, December 24, 2006

Feliz Natal?

Houve um tempo em que eu gostava do Natal. Era uma festa de reunião de família, e eu adorava reunir-me à família, minhas raízes. Era minha chance de estar com minha mãe, sempre tão distante, de ter alguém com quem brincar, de comer coisas gostosas que só apareciam na mesa em dias especiais.
Depois o Natal foi ficando cada vez mais difícil. A gente vai perdendo uns e outros até que chega um dia e se perde a si mesma. Vou para o Natal me sentindo vazia: uma casca incapaz de se alegrar, e tão frágil que qualquer coisa pode destruir esta falsa imagem de mim. Não digo me destruir, pois já estou destruída, oca. Estou há mais de um ano, juntando pedaços para recuperar algo que possa chamar de eu. Vou ligando esses pedaços com a argamassa do carinho dos amigos. Vocês, se porventura lerem este blog, saibam que têm um papel fundamental para a construção desta Lúcia que vocês olham admirados, dizendo: como você está bem; você está linda; você tem muita força e está reagindo muito bem... Se eu fosse crente, saberia remeter a todos para o capítulo e o versículo em que se fala de sepulcros caiados... Sou um túmulo, carrego em mim um amor morto. A Lúcia que vocês olham e admiram é a imagem que as lembranças que vocês têm de mim projetam sobre essa ausência.
Mas, em algum lugar, o Natal continua maravilhoso. Talvez nos beijos apaixonados de André e Camila, talvez nas praias baianas onde se divertem Guilherme, Rita, Beatriz e o próximo Guilherme, talvez nos sonhos e equívocos do Ivan, talvez em Dallas, no futuro de Barbara, Michael, Gabriela e quem mais vier, talvez na casa e no coração da Paula e do Leonardo, do Fernando e do Marcello, acolhendo a todos os que chegam, convidados ou não. Vejo o rosto dos amigos, sorridentes e iluminados, Helena, a estrela que vai iluminar a noite de Natal de sua irmã, o sorriso e o brilho do olhar de Renée, generosa em suas emoções, escuto a conversa bilíngue da Marta e do Dennis, leio as mensagens carinhosas dos amigos próximos e distantes, fiéis e nem tanto, e sei que há uma promessa de beleza nesta noite, em que tantos corações tentarão caprichar nas batidas, para criar uma harmonia universal.
Feliz Natal, para todos os felizes. Feliz Natal, para os que tentam, Feliz Natal, para os observadores, para os excluídos, para os alheios, para os que não estão nem aí, para quem nunca soube o que é felicidade, para os raivosos, para os indiferentes, para todos, enfim. Que a data seja comemorada em paz, em dignidade, em sossego, pelos crentes e os descrentes.

Saturday, December 23, 2006

Cigarras e predadora

Mandei um texto por e-mail para alguns amigos. Ia ser uma carta, mas percebi que estava meio estilo crônica, e resolvi enviar para um monte de amigos. Alguns me escreveram de volta, dizendo que eu devia colocar no blog. Como tenho sido descuidada com o nadanonada, e ando sem tempo para meus prazeres solitários (ler e escrever, gente maldosa) vou reciclar o texto aqui. Espero que todos gostem.
Antes, porém, uma notícia: saiu um conto meu na Revista Continente. É uma revista lá de Pernambuco, muito bem editada, excelente apresentação, que muito me honra ao publicar meu conto. Está na página 34, com uma ilustração, muito bem feita, mas cujo autor, ou autora, desconheço. Acho sempre muita graça ao ver a interpretação dos outros quanto ao que a gente escreve: quem ilustrou o conto colocou a predadora como uma raposa, e sua vítima um cordeiro, com jeito assustado. Nada disso! A raposa é furtiva, escolhe caças pequenas e age mais pela esperteza. Uma amiga imagina a predadora como uma loba, mas também discordo. Lobas caçam em grupo, e essa predadora é exclusivista. Uma onça, uma leoa, ou, vencendo as conotações de filmes e músicas, até mesmo uma pantera ou uma tigresa. E a vítima não tem nada de cordeiro medroso. É tão selvagem e disposto a matar quanto a predadora. Só que ela toma a iniciativa... Mas, como já constatei, o conto só é nosso enquanto ninguém mais o lê. Cada leitor assina a co-autoria, pois a decodificação é dele e suas sinapses serão, necessariamente, diferentes das de quem escreveu. Aceito a raposa e o cordeiro, portanto, porque são manifestações de uma interpretacão possível, quem sabe de um machismo destronado que se vê vitimizado e inocente?
Curiosos? Vocês podem ler o conto na Continente de dezembro, que está à venda na Livraria Letras e Expressões. Corram, antes que acabe!
Termino, então, com o canto das cigarras, que hoje estão caladas, dando a vez para os bentevis.

Estou escrevendo com um fundo musical de cigarras enlouquecidas de sol e azul. Um dia lindo, como há muito já não se via no Rio, mas que exige ar condicionado, vestidos de alcinha, sorvetes, chope e água de coco. Ah, o verão... Estação mais complicada, aqui no Brasil! Começa com a correria das compras de Natal, das festas de fim de ano, com comida demais, para nos cansar a todos e nos dar aquela vontade doida de largar tudo e ir para a praia, mergulhar no azul, almoçar só uma saladinha ainda vestindo a roupa de banho e sentindo na pele o gostinho do sal, que tempera amores efêmeros ou eternos. Gosto do verão, mas como observadora. Me posto em alguma janela e olho toda a efervescência, escuto os pregões, me embalo nas músicas. Mas nunca aprendi a dançá-las, nem comprei as ofertas, nem me embriaguei com o gás. E, no entanto, amo esses dias-balões, que se inflam com o canto das cigarras e vão minguando sem que nos apercebamos bem quando é que terminam.
Solto meu canto (como o dos insetos, intenso e breve), e mando meu bom-dia a todos, minhas saudades e meu carinho.

Friday, December 15, 2006

Descartes e A contramão da palavra

Descartes

Penso

logo não posso existir

como me querem

submissa

como as feras

Penso

e com isso surgem os problemas

O natural, a natureza

não correspondem

aos anseios

e receios

Penso

Ato tão pequeno

que ninguém explica

Deus e a Filosofia

debatendo entre si

minha agonia

Penso

E se o corpo é fêmea,

o que é a mente?

Talvez ilusão

mito da serpente

Pura sedução

Penso

Se isso é normal

outra é a falha

Ou talvez a culpa

seja de Descartes

por acrescentar

Existo

Penso

E não existo

Somente assim

Posso me explicar

Nesse momento

Não sou

Penso

Não existo

Penso

Logo, me crio

Prometi, e aqui estou eu cumprindo, cartesianamente, o prometido. Este meu poema é de um livro inédito, chamado A contramão da palavra. Antes de escrever contos, eu costumava escrever poesia. Mas escrevia, volta e meia, um ou outro conto. Agora minha produção se inverteu. Passei a escrever preferencialmente contos, e ocasionalmente poesia. O que é que nos leva a uma ou outra forma de expressão? Porque preferimos a concisão e a elipse numa determinada fase da vida? Por que é que certos assuntos parecem mais poderosos quando escrevemos de forma mais simbólica? Porque alguns autores elegem uma única forma de expressão e nunca se aventuram fora dela? Por exemplo, nunca ouvi falar num trecho em prosa escrito por João Cabral de Melo Neto. Mas, conhecendo os poemas perfeitos dele, enxutos, concisos, numa elegância de equilibrista, como não entender essa sua preferência?
Chega de perguntas sem resposta. No fim de semana continuo.

Thursday, December 14, 2006

Bloggando devagar

Doze dias sem postar nada! Os leitores que me desculpem, mas época de Natal, época de nascimento, época de amigos ocultos e escancarados, época de lançamento de livros de amigos, também é época de pouco tempo para escrever.
E é também época de falta de assunto, pois os acontecimentos são sempre os mesmos, só varia o menu: aqui, servem champagne, ali servem cerveja, aqui servem pão com brie e damasco, ali servem mini quiches de cogumelos selvagens... Num lançamento, a gente se acotovela com o povo das colunas sociais, noutro respira o mesmo ar das cabeças pensantes da literatura, na esperança de ficar um pouco mais inteligente, um pouco mais criativo. O resultado é sempre o mesmo: uns quilinhos a mais, talvez uma dorzinha de cabeça, muitos risos, comentários maldosos ou inteligentes, e a sensação de que precisamos nos ver mais, conviver mais, aproveitar mais esses amigos que passam o ano distante de nós para surgir no final do ano, tão interessantes, tão especiais que nem compreendemos como pudemos ficar tanto tempo afastados.
Mas chega de desregramento! Volto a bloggar, devagar, mas com promessas de constância. Hoje só escrevo isso. Amanhã prometo um poema que vou catar nos arquivos. E umas palavrinhas, no fim de semana, sobre os ótimos livros dos amigos: A musa diluída, do Henrique Rodrigues e Lápide e Versão, do Jorge Fernandes da Silveira.
Me aguardem.

Saturday, December 02, 2006

A teia de Ariadne

Há alguns milênios atrás, tinha pensado em desenvolver uma tese com este nome: a Teia de Ariadne. Ia falar sobre a mulher que servia sempre como eixo do discurso narrativo masculino em alguns autores brasileiros. Na verdade, estava mesmo pensando em Machado de Assis, cujos grandes personagens femininos são inesquecíveis: Capitu, Conceição, Dona Carmo, Fidélia, Sofia, e tantas outras. Era como se elas provessem o fio para que eles desenvolvessem a trama. Pois é, mas isso não tem nada com o que eu pretendia dizer agora, já que o que queria era uma metáfora para explicar a falta de atualização do nadanonada: enrolação, completa, total, irremediável.
Volto a escrever, não sei quando, mas prometo que com muitos livros para comentar: Estou carregada de novos romances. E com um disco novo/antigo dos Beatles, o comentado Love, criado pelo George Martin e seu filho para um espetáculo do Cirque du Soleil. Então, como despedida, all you need is love...

Wednesday, November 29, 2006

A secretária de Borges em N.Y.U.

Levei a secretária de Borges para passear em N.Y.U.... Talvez seja mais preciso dizer que ela me levou. Fomos as duas, de metrô. No caminho, ela se agitava dentro da sacola, mas manteve-se silenciosa, como sempre. Antes de entrar, me sentei com ela num banco da Washington Sq, e reli sua história. Fiquei surpresa, era quase que uma história desconhecida. Depois entrei, fui falar com alunos de Português, achando que sabia muito sobre ela, e que podia esclarecer dúvidas. Mas a secretária demonstrou que não precisava de mim: ela estava viva, e muito satisfeita, na imaginação de seus leitores, infindavelmente mais espertos do que eu. Porque tudo o que eu conseguia falar sobre ela, já tinha falado ali no conto. E a secretária que eles conheceram era muito mais esperta do que a que eu havia criado. Até comentei com os alunos que as histórias só nos pertencem enquanto as escrevemos. Uma vez que são publicadas, que são lidas, elas deixam de nos pertencer, adquirem vida própria na imaginação dos leitores, e passam a nos encarar com um arzinho condescendente e petulante.
Depois de tantas emoções, me deixei perder pela geometria precisa de Nova Iorque. Sul e Norte, Leste e Oeste, tudo tinha adquirido uma relatividade face à presença da secretária em minha vida. Fiquei pensando no meu novo livro, Linha de sombra, que encaminhei para a editora Record. Como se desenhará esta linha no meu trajeto?
Para todos os presentes em N.Y.U. hoje, meu muito obrigada. Foi um prazer falar com vocês, foi um prazer maior ainda escutar o que vocês tinham a dizer sobre meus contos. Beijos a todos.

Monday, November 27, 2006

Big Apple

Hoje vou tomar um trem para Nova Iorque. Adoro estes trens daqui, parece que estamos num filme. O único problema é a chegada na Penn Station. Muito conveniente, mas muito confuso, também. Filas para táxi, entradas para o subway, gente por toda a parte, e eu perdida, confusa, me distraindo com todos os sinais e com todas as propagandas. E aí, finalmente do lado de fora, olhando, maravilhada, para a cidade que vive e respira como um organismo meio misterioso, um pouco hostil, muito sedutor. Uma fera que nos ignora para não nos devorar, mas que, quando resolve nos acolher, nos faz sentir muito especiais.
So... start spreadind the news!

Sunday, November 26, 2006

Manhã de domingo

Manhã de domingo frio, passada na cama... Isso promete?
Promete, mas não cumpre. Ao meu lado, só este computador, com quem converso, quase todos os dias. Os livros também, espalhados pela cama. Um já lido, outro por terminar: trata-se de Fantasma, do Castello. Foi minha amiga Eugênia Zerbini quem recomendou, ela é fã do Castello, e com razão. Espreitando, por entre as roupas de minha mala, dois livros de Christa Wolfe: Medea e Cassandra. Esses são fruto da pesquisa que fiz para falar sobre "bruxas" no Armazém Digital. Acabei ficando interessada por essa autora, que recupera mitos do passado para falar sobre o presente. Ela é alemã, mas faz muito sucesso aqui nos Estados Unidos. Mas não quero começar a leitura deles agora (embora já tenha dado uma pequena lidinha...). Prefiro terminar os brasileiros que trouxe (Dois irmãos, do Hatoum e agora Fantasma, do Castello) pois assim posso deixá-los de presente para meus amigos que moram aqui. Eu bem sei quanto gostava de ganhar livros brasileiros, quando morava aqui. Eram o presente de que eu mais gostava.
Terminei o do Hatoum, vou desbravando o do Castello, e, no meio dos dois,terminei de ler o da Joyce Carol Oates (traduzido). Gosto muito dela, mas este livro não me satisfez: estou muito exigente com relação a livros que falem sobre a experiência do luto. Estranhamente, é só sobre isso que tenho vontade de ler, mas, ao mesmo tempo, recuso o que está escrito como insatisfatório. E, no entanto, não consigo me satisfazer com aquilo que eu mesma escrevo sobre a minha experiência. Alguém recomenda alguma coisa?
Aos amigos que têm tentado escrever comentários no blog, sem conseguir, confesso minha ignorância. Não faço a menor idéia de porque uns conseguem e outros não. Aos que têm deixado comentários aqui, meus agradecimentos. Fico feliz por saber da visita de vocês. Principalmente por que, distante como estou do meu computador, esse é meu único jeito de conversar com vocês, a não ser que me escrevam diretamente, pois aí posso responder. Então, comentem, ou escrevam. Até qualquer hora...

Saturday, November 25, 2006

James Bond em Boston

Não é título de filme, embora aqui bem ao lado esteja passando o novo filme de James Bond, Cassino Royale. Novo como? Cassino Royale é uma refilmagem, dá para chamar de novo? Novo mesmo só o intérprete, com sua cara irlandesa e zangada, nada sexy. Que diferença dos passados Bonds...
Eis aqui uma pergunta que exige resposta: qual o seu Bond favorito? A resposta pode ser uma chave para a compreensão da personalidade de cada um. Já imagino uma revista feminina com esse tipo de análise: descubra o seu tipo de homem através de um Bond-test. Elaboram-se algumas perguntas, falando sobre o enredo de filmes de 007 e sobre a aparência dos intérpretes, e ... voilà! você descobre que prefere os homens aventureiros- agressivos e não os sofisticados-românticos. E você nunca tinha suspeitado disso antes, hein?
O título que dei ao comentário de hoje deve-se ao fato de eu ter percebido que me deixei influenciar pelo 007 na hora em que o espião de verdade, o russo, morria num hospital de Londres. Com requintes de ficção: um envenenamento radioativo. E preocupações americanas: o legista temendo fazer a autópsia devido a possibilidade de contaminação.
Mas, voltando ao título de hoje: seria possível uma aventura de Bond em Boston? Com trocadilho, sim, pois aqui em Boston ainda existem bondes... Mas, zerozerosseticamente falando, nada menos provável do que este cenário para um filme de ação. Numa cidade como Boston a gente se sente como num filme de época, em que tivessem se enganado de cenário. Os personagens, alguns do século XVI, outros do século XIX, desfilariam, imperturbáveis, entre os arranha-céus espelhados, refletindo os prédios mais antigos, tentando se convencer de que os mercados ao ar livre não são anacrônicos, mas uma perfeita tradição a ser mantida. E a caça às ofertas de liquidação pode ser interpretada como a evolução natural e "humana" da caça à raposa...
Chega de blá, blá,blá. Não tenho falado nada de literatura, e era esse o meu propósito ao criar este blog. Para não deixar os leitores à mingua, informo-lhes que: acabei de ler o livro da Joyce Carol Oates -- A falta que você me faz (no original, Missing Mom). Se gostei? Ah, deixo isso para a próxima postagem.

Thursday, November 23, 2006

From Dallas with love

O nadanonada anda meio abandonado, mas é que estou distante. Em Dallas, cidade que parece crescer como se estivesse num livro de Alice no País das Maravilhas. Tudo aqui tem proporções gigantescas. As auto-estradas têm cinco andares. Sim,não falei em pistas, falei em andares! Chama-se hi-five e até tem site na internet.
Um dos sintomas do crescimento das cidades no mundo deve ser a presença de brasileiros: logo encontramos alguns pioneiros e desbravadores nos locais que mais crescem -- aqui eles aparecem sob a forma de churrasqueiros. Há não sei quantas churrascarias rodízio na cidade. Embora todas se intitulem brasileiras, a decoração está mais para a interpretação americana do que seja uma Hacienda mexicana. Os garçons e recepcionistas são brasileiros, porém, vindos de São Paulo, na maior parte, e sonhando em voltar para o Rio e voar de asa delta. O que será que isso quer dizer?Não me perguntem, também estou perplexa.
Abri as páginas de notícias do Rio e só dá violência: morte, fechamento do comércio,do Leblon ao subúrbio, nada muda. Aqui só temos notícias de acidentes de automóvel: carro que invadiu casa, ônibus que caiu do viaduto, caminhão que explodiu. A última foi mais emocionante: policial pára carro que estava correndo e descobre cadáver.
Cada país com suas preocupações. Se aqui é o trânsito, em Nova Iorque é o tempo. O vento irá ou não irá permitir o desfile dos balões? porque hoje é o dia de Ação de Graças e, portanto, dia do tradicional desfile do Macy's, que alegra a cidade com shows e balões gigantes.
Vou, então,procurar saber o que houve no desfile.
Um beijo para os leitores, e que todos tenham muitos motivos para dar graças a Deus.

Friday, November 17, 2006

O mal é que...

Um blog é quase que um bichinho de estimação: exige cuidados constantes, atenção e zelo. E muito conhecimento (bem, não muito, só mais um pouquinho do que o que eu tenho). Mas nos dá muitas alegrias. Quando abrimos nossa "criatura" e encontramos comentários e respostas é sempre razão para comemorarmos. Obrigada a todos que me dão esta alegria, viu?
Continuando o papo da pintura para contos: O que acham de um conto sobre a Gioconda? De que ri aquela mulher? Provavelmente da conta bancária do Dan Brown. Um riso meio irônico, meio conformado: afinal, ela e o Leonardo não ganharam nenhuma comissão... Taí uma sugestão para o equivalente do ministério público da Itália, ou da França: confiscar uma parte dos lucros dos livros e filmes, para manutenção dos quadros e formação de cursos e seminários sobre o pintor.

Tuesday, November 14, 2006

A cicatriz de Olímpia


A cicatriz de Olímpia

Lúcia Bettencourt

Seu corpo muito branco estava vestido de luz. Nua, desafiante, ela me olhava de frente, altiva. Não era bela, pois seu rosto era largo, quase quadrado, e seu pescoço grosso e forte. Embora não fosse alta, tinha um modo de olhar que só as pessoas de elevada estatura possuem, nos fazendo sentir diminuídos, pequenos.

A pose tinha sido escolhida por ela: quase sentada no divã, as costas apoiadas em grandes almofadas forradas de seda, com um xale espanhol que semeava de flores bordadas o assento e se despejava em franjas que pareciam fascinar o gato que atendia pelo nome de Napoleão. Ela havia retirado todas as peças de roupa, mas tinha conservado suas jóias: um par de brincos de brilhantes e uma pulseira de ouro de cujo fecho pendia uma ametista, como uma grande lágrima roxa e sentida. O mais intrigante, porém, era a fita de veludo amarrada com um laço displicente, do qual pendia uma medalhinha gasta de metal branco, sem brilho, de onde as figuras haviam desertado e deixado apenas traços que não permitiam sua identificação.

Ela percebeu que minha atenção estava toda voltada para a estreita fita de veludo, já gasto, mas não ofereceu uma explicação, nem sorriu. Conservou-se séria, encarando-me de frente, como as feras que avaliam suas vítimas antes do bote. Com um surpreendente senso estético, ela havia enfeitado os cabelos com um lenço de tons corais, que combinavam com a cor de seus lábios e das flores semeadas pelo xale. Os cabelos arruivados, que eram seu grande atrativo quando vestida, estavam presos, para não subtrair a atenção que seu corpo luminoso merecia.

O divã estava colocado, teatralmente, sob pesadas cortinas de seda verde, muito escuras, quase tanto quanto o forro marrom de veludo do canapé. Seu corpo, branco e leitoso, oferecia-se e, paradoxalmente, repelia-me. Ela não tinha se banhado recentemente, e sua pele exalava um cheiro acre, mistura de suor e sexo, um cheiro pulsante e vivo, que, aos poucos, tomava conta de todo o espaço e deixava-me inquieto, um pouco tonto.

Meu cavalete já estava montado, e iniciei o esboço da cena. As janelas fechadas deixavam o ambiente abafado, mas eu sabia que não podia me interromper naquele momento, pois talvez jamais tivesse outra chance de capturar aquela expressão tão condescendente em seu olhar debochado. Tentava, desesperadamente, acertar o tom da sua pele alva, estriada de suor mal removido. Concentrava-me em detalhes, pintando seu calcanhar encardido, sua mão pequena e gorducha, arredondada como um molusco disforme.

Ouvimos o som de uma campainha, e passos, mas minha atenção foi desviada para o ruído amortecido de seu chinelo de seda caindo de seu pé sobre o leito. Ela fez menção de voltar a calçá-lo, mas o contraste entre os dois pés, um envolvido pela pantufa e outro deixando apenas perceptível os artelhos, entre os tons claros que imperavam sobre o divã, sob a faixa escura da sola do calçado, era por demais plástico para que eu o deixasse escapar. E, ademais, dava à cena o vigor do instante fugidio, retirava do quadro a idéia de pose para introduzir a sensação de intimidade surpreendida.

Nesse momento, a porta, atrás de mim, abriu-se vagarosamente, com um gemido queixoso e tímido. Voltei-me, aborrecido com a interrupção, mas descobri, emoldurada pelo umbral da porta, a figura que faltava em minha cena. A criada negra, com seus trajes soltos e claros, a pele tão escura que parecia engolir toda a luz que dela se aproximasse. Ela trazia nos braços um caro ramo de flores, oferecido por algum cliente agradecido, na esperança de voltar a usufruir os favores dispensados.

Indiferente, a patroa ordenou-lhe que colocasse as flores na sala, mas pedi-lhe que me permitisse pintá-las, bem como sua portadora. Ela refletiu por instantes, e uma luz maliciosa se acendeu em suas pupilas, mas voltou a se apagar. Dando de ombros, permitiu que a negra, uma haitiana cujo dialeto crioulo era incompreensível para quem não tivesse os ouvidos habituados, se acercasse. Foi ela mesma que decidiu o local onde a criada devia postar-se, percebendo, intuitivamente, o vazio da composição. E, num último ajuste, colocou a mão esquerda espalmada sobre seu sexo, retirando de vista a cicatriz rubra que antes ostentava tão desafiadoramente.

Protestei, mas ela me ignorou. Voltei então ao quadro, e percebi que o desenho formado pela sua mão era quase o de uma aranha que aguardasse, no meio daquela teia feita de luz e sombra, de peles e cheiros, por uma vítima distraída. Percebi que tinha a possibilidade de fazer um quadro perfeito: De um lado aquele corpo branco que, mais do que banhado em luz, parecia irradiar a própria claridade. Do outro, a negra, de pele tão escura que mal permitia que divisássemos suas feições. Totalmente vestida, exageradamente coberta por panos claros e excessivos, ela admirava a patroa esplendorosamente desnuda, mostrando sua natureza artificial, fabricada, de uma civilização que se deixava representar pelo supérfluo das jóias e sedas, e pela fugacidade das flores.

Napoleão, o gato, levantou-se e espreguiçou-se, entediado. Percebi que precisava me apressar, pois o equilíbrio perfeito da cena não tardava a se desmanchar. Mais algumas pinceladas, e depois teria que terminar o quadro de memória. Aquele instante nunca mais voltaria a se recompor. O gato saltou da cama e veio se esfregar em minhas pernas. A criada negra se agitava, impaciente com o calor da alcova. Somente ela se mantinha calma e estática, indiferente e altiva.

-- Acabou?

Sua voz rouca, pesada e sensual, me fez estremecer. Em meu transe criativo fui conjeturando hipóteses para tudo, criando enredos que explicassem o xale, as jóias, as escolhas. Só me faltava uma explicação para a velha e gasta fita de veludo e sua medalhinha desfigurada. Aquele não era um presente de admirador, era por demais modesto, mas seria muito banal atribuir o enfeite às reminiscências de uma infância e de uma inocência perdida. Ela concordou, zombeteira. Depois, em sua voz sensual, provocou-me, contando uma história do Terror. Aqueles que tinham parentes que haviam morrido decapitados, passaram a usar uma fita negra no pescoço. Percebi, então, que aquela fita de intenções esnobes lhe dava uma dramaticidade que ela não tinha sido capaz de reconhecer. Era a marca de sua efemeridade. Ela estava condenada a desaparecer: era um último suspiro de uma classe que não voltaria a usufruir prestígio nem privilégio. Era a saudação dos marcados para morrer, que entram na arena se conformando com sua situação. Era um adeus dos tempos da graça e da beleza, que se desfiguravam como a medalhinha já sem feições.

Saí dali acabrunhado, mas, ao pisar na rua, o ar fresco e ainda gelado da primavera me revigorou. Os aromas pesados da alcova já não pairavam, sombrios, ao meu redor. E o dia ainda guardava uma luminosidade suave que me permitia ver as árvores que procuravam recobrir-se de folhas verdes de esperança. Tinha deixado a tela na casa de Victorine, não tinha como transportá-la ainda com as tintas úmidas. Dali a dias, já com o quadro em meu ateliê, retomaria meu trabalho e finalizaria uma obra que duraria mais que seu modelo. E desprezaria seu nome belicoso, renomeando-a de Olímpia. Altiva, indiferente, alheia à sua própria condição mortal, ela viveria para sempre entre os deuses.


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Finalmente aprendi os segredos de transferir os arquivos de texto para a página do Blog. Assim vocês, amigos, não mais terão que ler apenas as breves impressões diárias. Este conto foi o vencedor do I Concurso Osman Lins de Contos, e está publicado na coletânea do mesmo nome. Infelizmente, só está à venda em Pernambuco. Se algum de vocês estiver em Pernambuco, não deixe de ver, lá na livraria Cultura, o livro em questão, pois são muitos contos, de muita gente boa.
Espero que vocês gostem, e comentem.
Para finalizar, uma pergunta: Que quadro, ou melhor, que obra de arte você escolheria como assunto de um conto? E por quê?

Sunday, November 12, 2006

Codinome Beija-Flor

Chove lá fora.
Ninguém tem nada a ver com isso, eu sei, mas a chuva sempre me deixa um pouco triste. Principalmente esta chuva caindo num domingo à noite.
Continuo sem saber como colocar os textos dos meus arquivos num post. Na verdade, nem sabia que tinha conseguido fazer novas postagens, fiquei surpresa ao ver a foto e os outros comentários. Vou explicar, então: a foto é de uma viagem muito feliz, estou em Estocolmo, no dia 24 de junho de 2005, encantada com o tamanho das flores.
Talvez 2005 tenha sido o último ano realmente feliz da minha vida. Mas, isso é uma incógnita.
Saindo deste clima, olhem bem a foto e vejam se não tem um arzinho Cazuza de ser. E, como ainda não descobri como enviar os arquivos de texto para serem postados, fico apenas com essas banais considerações.
Até a próxima.

Saturday, November 11, 2006

Aprimorando

Graças ao meu irmão quase siamês, o André de Leones, já sou um link em outro blog. Retribuindo a gentileza, gostaria de recomendar o dele, o que acho que vou conseguir com este post. Para quem ainda não conhece o André (existe gente que não conhece o André?), ele é o vencedor do prêmio SESC 2005, categoria romance. Aí se explica nossa irmandade siamesa: nossos livros nasceram juntos, unidos por um mesmo prêmio, de diferentes categorias.
Como sou muito limitada nestas coisas tecnológicas, aqui vai a lista do que gostaria de fazer neste blog: publicar meus textos -- onde está o botãozinho para inserir? Faltou isso, ó deuses do BLOG!
Publicar fotos e imagens que eu escolhesse, num lugar que aparecesse -- o botão aparece ali em cima, eu já fiz o upload, mas a foto deve estar pendurada num dos anéis de Saturno.
Mencionar os blogs dos amigos, no local de blogs recomendados.
Escrever um romance interativo, com a colaboração dos leitores.
Se alguém aí na blogosfera souber como fazer essas coisas, eu adoraria receber essas instruções.

Lucia B

A primeira vez não dói?

Quem disse?
Até as pontas do dedo dóem. Escrever num meio estranho, tornar público quase que imediatamente, ser coerente/ser incoerente...
O importante é experimentar. De tudo, um pouco. Do pouco, um tudo.
Este blog é para quê?
O nome não diz? Nada. Nonada. Quase nada. Quase tudo.
E toma Literatura!