Saturday, February 24, 2007

Brennand, partindo


Ainda não falei de minha ida ao museu Brennand, no Recife. Que beleza! Que projeto interessante, grandioso, nem sempre belo, mas muito instigante. Às margens do rio (Capiberibe?), a história de Pernambuco se confunde com a história do mundo: dos heróis da expulsão dos holandeses à Tróia, revisitando os mitos da literatura ocidental e da religião. Muito fálico, muito bélico, e ególatra, Brennand reconstrói o mundo à sua vontade, nas artes que domina: escultura, desenho, pintura, arquitetura. Seus templos incorporam a obra de um único outro criador, a quem se equipara: Deus e o Homem medem forças e se desafiam. Na foto ao lado, um flagrante de muita beleza, quando a água e o cisne, suaves, contrastam com a rigidez imponente das construções humanas.
Nova postagem, agora, só em março. Vou aos pinguins e às geleiras.

Thursday, February 22, 2007

Só Jesus expulsa o demônio do corpo das pessoas

O título acima é de um conto meu, publicado este mês no Jornal Rascunho, de Curitiba.

http://rascunho.ondarpc.com.br/index.php?ras=secao.php&modelo=2&secao=4&lista=1&subsecao=12&ordem=1213

Este incrível combinado de nomes e números é o endereço que vai dar nele, publicado com uma excelente ilustração. Mas, pelo visto, se clicarem no título do post vocês também poderão encontrar a história.
Por alguma razão, as letras estão mudando de aparência. Acho que preciso de um exorcismo. E como não sei mais o que fazer, por hoje me despeço. Mas aproveito para dizer que fui a Olinda, sim. E adorei. Assim como adorei o frevo e me encantei com o Galo. E me comovi até às lágrimas com um grupo de Maracatu que tinha vindo a pé desde a zona da mata até a cidade do Recife, com suas fantasias elaboradas e seus rostos esculpidos em madeira. E como me deixei fascinar pelas tribos de índios e suas danças, e pelos bonecos gigantes, flutuando sobre um mar de cabeças. No entanto, o momento mágico de meu Carnaval foi mesmo aquela Ciranda, quando todos nos demos as mãos e nos dissolvemos, pulsantes, cósmicos, mágicos.

Tuesday, February 20, 2007

Carnaval em Recife

Pela primeira vez passei o Carnaval em Recife.
Pela primeira vez passo o Carnaval no meio do povo, de seus ritmos, de seus suores e cheiros. Saí da janela e mergulhei na confusão, na feira, nos risos, nas dores. Estranhei, muito. Refleti, no desconforto, sobre o que atrairia essa multidão para as ruas de cheiros acres e desagradáveis; no que poderia levar toda essa gente para caminhos apinhados, desprezando o cansaço e as inevitáveis dores nos pés. Fui listando as coisas desagradáveis que me ocorriam: a inevitável dor nos pés; o cansaço; o nojo que invadia as narinas e os corpos; o calor ampliado pelas barracas preparando comidas azedas e pouco saudáveis. Mas o que insistia em aparecer em minha mente, eram os rostos iluminados de riso; as famílias fantasiadas arrastando juntas, pelas ruas, sua exaustão incansável. As moças em flor; as crianças em botão adormecidas no colo dos pais; as velhinhas trêmulas, caminhando resignadas e abraçadas nas filhas maduras; os velhos resistentes ornamentados de fitas e guisos, os rostos cavados e crestados de sol, prontos para a batalha.
A cidade não desvendava seu mistério, apenas exibia o milagre de um povo em transe. Refleti, muito, e já me resignava a ficar sem resposta quando, numa noite, no pátio de São Pedro, a máquina do mundo se revelou perante meus olhos. No palco, alguém tocava e cantava algum ritmo desconhecido para mim. As pessoas se espalhavam pela praça, sentadas, ou conversando em grupos pequenos. Foi quando os músicos anunciaram uma Ciranda, e, sem mais nem menos, todos foram se unindo num grande círculo mágico, mas antigo que a cidade, mais antigo que a nação, remontando a um tempo tão ancestral que era difícil identificar. As mãos se uniam, jovens e velhas, macias ou calosas, de cores diferentes, de tratos diferentes. Um passo para dentro da roda. Mãos para cima. Um passo para fora. E o mundo girava e fazia sentido. Mas foi um instante. Logo as mãos se afastaram, o circulo se rompeu. Por breves instantes compreendi que a festa fazia sentido, e que fazia muito sentido eu estar ali naquela ciranda, esquecida da dor. Mas a música demorou menos que o vôo de um beija flor. A máquina do mundo voltou a ser impenetrável. Mas o meu coração passou a achar muito natural os novos compassos exigidos para suas batidas.

Tuesday, February 13, 2007

Amor eterno

Há uns dias atrás essa foto foi publicada nos jornais do Rio. Fiquei siderada, como dizem por aí. Era assim que eu sonhava morrer, nos braços de meu amado. Eu sempre dizia que não tinha inveja de nada, que a única coisa que eu invejava era a morte do ex-presidente da Xerox, num acidente de automóvel, com a mulher. Os dois dormiam no banco de trás, o carro bateu e eles morreram, juntinhos, em paz. Não recebi esse dom. Meu amor morreu nos meus braços, mas eu continuei viva, e sem saber por que.
Hoje morreu o pai de uma amiga minha. Que Deus o abençoe, Dr. Paulo. Há muitos anos atrás, morreu minha mãe, neste mesmo dia, num acidente de automóvel.
E eu continuo aqui, embora não saiba o que fazer da minha vida.
Triste, penso que não hão de encontrar meus ossos entrelaçados nos de meu amor, daqui a cinco mil anos. Só posso dizer que, embora não tenha morrido com ele, também não me sinto viva sem ele. Aguardo.

Sunday, February 11, 2007

Fim, final

Pois é. Este foi um caso de livro que começou agradando e que foi perdendo o fôlego a cada página virada. Deixei-me enganar, ou estou sofrendo de um caso agudo de ciúme: porque é que ele já vai no sétimo livro e eu fico batalhando para publicar o meu segundo? Ainda existe espaço para a literatura, a arte? Por que o livro agora é um produto industrial, regido pelas leis de mercado, e blah, blah, blah. Para finalizar os comentários acho que a tradução deveria ter torcido um pouco o título, para revelar melhor o conteúdo: Parque lunático. Me lembrei de um livro muito ruinzinho de Mário de Andrade, chamado O banquete. Pouca gente conhece, ficou inacabado devido à morte do autor. Embora o formato estivesse pesado e discursivo, as idéias eram boas, as críticas pertinentes. O prato que os americanos levam ao banquete é uma salada: linda, colorida, variada, mas sem substância e usando as coisas todas sem critério. O Bret faz isso, junta batata frita com sorvete de creme e tenta nos convencer de que se trata de nouvelle- nouvelle cuisine. História de fantasma, droga, sexo (pouco), reality show, psicanálise, uma pitadinha de Shakespeare (Elsinore, Fortimbrás, o fantasma do pai, tudo isso é Hamlet), demonologia e psicanálise, um pouco de tudo ao invés de saciar, enjoa. Terminei o livro nauseada. Mas terminei e isso se deve ou à minha paciência ou a algum talento do autor. Suponho que ele tenha talento, pois estou cada vez mais sem paciência... E chega!

Friday, February 09, 2007

Continuando...

Não fui muito explicita no post anterior, pois o Bret não é o Bret; é uma maneira meio proustiana de escrever, onde o narrador em primeira pessoa se coloca ambigüamente como autor, e no caso em questão, ele amplia esta ambiguidade colocando seu próprio nome e o nome de amigos do mundo real numa história cujas fronteiras se diluem. O que me desagrada, eu acho, é isso -- tentar levar essa curiosidade de leitores de coluna de fofoca para dentro da literatura, dando a essa curiosidade vazia uma espécie de legitimidade artística. Essa fábrica de notícias auto-referentes, formula que foi descoberta pela revista Caras (aqui no Brasil acho que foi Caras, no mundo não sei) e que é explorada por esses programas de TV de cercadinho me deixa muito impaciente. Na revista, eles criam uma ilha, um castelo, sei lá mais o que, convidam os "caras-de-pau" e isso se torna notícia. E, o fato de um barão, ou conde, ou duque, sei lá, arruinado, estar recebendo em seu castelo um bando de pessoas que vestem a grife X, comem a comida Y, usam a maquiagem Z se torna um assunto relevante, embora não tenha nenhuma conseqüência. É esse vazio que me incomoda, e não a diluição entre ficção e não-ficção. Até porque, como já disse, toda narrativa se afasta do real, por que editada...
Continuo depois. Chega de seriedade por hoje,

Wednesday, February 07, 2007

Parque Lunar

Comecei as leituras pelo Lunar Park, do Bret Easton Ellis. Mas antes folheei uns e outros, me deixando tentar um pouco aqui, um pouco ali.
A leitura do Ellis me agrada/desagrada, ciclicamente. Tem horas que me deixo envolver pelo talento -- enorme-- que ele tem. Tem outras vezes que me irrita a sem-cerimônia com que ele "trai" os seres mais próximos dele: pai, mãe, amigos. Essa maneira Big Brother de escrever, imitando um Rousseau e seu "tout dire", a gente já está cansado de saber que esse tipo de honestidade não existe, e que estamos sempre exercendo a função de diretor de cinema: cortando e editando... Bem, mas ainda é muito cedo para refletir sobre o livro. Estou apenas no início. Vou voltar ao livro. Bye.

Tuesday, February 06, 2007

Querido blog

Havia um tempo em que todo o mundo, ou quase todo mundo, mantinha um diário. As entradas, nos ensinavam, deviam começar com um "querido diário". Também fiz o meu, mas personalizei-o. Ele tinha nome, era Wayne. Cansei, depois de constatar que a maioria de minhas entradas consistia em "hoje não tenho nada para contar..." E aí ficava divagando. Continuo na mesma: pouca ação, embora eu disfarce bem e pareça estar sempre ocupadíssima. Mas agora vou estar mesmo: chegaram os livros que comprei na Amazon. Devo ter uns quatorze livros no pacote, mais os três que ganhei de presente recentemente, mais os que trouxe dos EUA e ainda não li, sem contar os que pedi emprestado. É, acho que vou andar sumida por uns tempos! No domingo, coloquei de lado o Amós Oz, de leitura lenta, e li Paris é uma festa, inteirinho. Paris era uma festa em 1920, e, pelos vistos, essa festa ainda não acabou. É uma cidade sempre estimulante. Li tão rápido que até estranhei. Agora, se vocês me dão licença, vou ler. Mas antes deixo aqui meus votos de muita sorte para o Andrezinho (o De Leones, claro) que está começando vida nova em Curitiba. Sucesso! E uma boa estrela iluminando seu caminho, tá?

Saturday, February 03, 2007

claro enigma

Daniela clama haver me desmascarado. Com que então o James Spader?! Já achei ele um gato, um charme ambíguo, que deixava a gente sem saber direito em que time ele joga. Mas em que filme, por favor? Quero alugar correndo e me rever. Alguém aí sabe?
Continuo com a leitura do Oz, um verdadeiro mago. Costumava ler muito mais rápido, mas não consigo ler no trânsito, e a sensação que tenho é que estou sempre no carro, presa num engarrafamento. Alguém já percebeu que o único presídio de segurança máxima do Rio é o trânsito? E eu me sinto condenada à prisão perpétua. Que ainda via piorar na época do Pan.... Hoje passei meu dia entre a Banda de Ipanema e uma outra que estava concentrada em frente ao Caiçaras. Da janela do meu carro perdi a conta dos homens que vi bancando o chafariz na Lagoa. Dá nojo. Assim como dá nojo ver a condição em que deixam a rua, com milhares de copinhos, latinhas, garrafas, embalagens. E isso quando todo mundo está discutindo aquecimento global e apocalipse now. Geralmente me estresso no trânsito, mas hoje, num entardecer lindo, as pessoas borbulhantes de vida e carnaval me provocaram muita simpatia (menos os nojentos, claro). Meu coração se deixou levar por uma onda de ternura por todos os foliões, e por todos os observadores, por aqueles que tentavam fugir da confusão e pelos que queriam mergulhar nela. Via os olhos brilhantes das moças em flor, circulando, às duas ou três, entre os rapazes de bermuda e sem camisa; sentia a expectativa e os sonhos no ar. Lá no alto, o Cristo, discreto, se deixava envolver pelas nuvens, dando carta branca a tamanha animação. Aqui em casa, sozinha, rememoro a cena com um sorriso nos lábios. É bom ver o Rio no seu jeito mais carioca de ser.

Thursday, February 01, 2007

Memórias

Continuo lendo as memórias de Amós Oz, me deliciando com sua maneira elegante de escrever. E, talvez motivada pela leitura, tento relembrar coisas do passado. Hoje fui a Petrópolis, por exemplo. Uma cidade onde já não ia há uns três anos. Houve um tempo em que ia para lá todos os dias, ou melhor, quase todos os dias. Estudava de manhã e depois pegava um ônibus (viação Cometa) e ia passar minhas tardes com uma amiga. Essa amiga era branquinha e sardenta, era amiga da realeza (daqueles rapazes de nomes duplos e árvore genealógica sem podar), e tinha uma grande cicatriz no braço que me fascinava ( a cicatriz, não o braço). Eu achava que ela tinha tentado cometer suicídio, assim como eu. Mas minha cicatriz é pequena, discreta testemunha da minha covardia perante a dor de um corte de gilete. A dela era grande e agressiva, desavergonhada. Tive uma outra amiga que tinha tentado o suicídio, e contava para todo o mundo o sucedido -- cortara os pulsos e depois mergulhara os braços na água, para não doer muito. Os pais a encontraram e levaram para o hospital com os dois pulsos cortados. Esse era o ponto que mais me admirava: sua resistência à dor. Eu mal aguentara cortar um, enquanto ela tinha cortado os dois. Mas não era essa a memória que queria evocar. Queria lembrar daquela Petrópolis de outras eras, onde todo o mundo se encontrava no D'Angelo, onde floriam as hortênsias, onde se andava a cavalo em selas inglesas nas trilhas por trás do Quitandinha. Na volta, no ônibus, minha primeira paquera: um arquiteto que gostava de Vivaldi. Saímos juntos uma única vez, pois ele logo descobriu nossa diferença de idade. De nada adiantou eu gostar de Bach e saber o que era uma fuga. Quem fugiu foi ele. Encontrei minha amiga na França, por acaso, num saguão de hotel, depois de muitos anos sem ter notícias dela. Ele nunca mais encontrei, e nem sei seu nome. Só guardei o sobrenome, de herói de filme de ação. Mas não revelo, uma mocinha de verdade jamais publicaria a identidade secreta do herói...