Minha amiga me escreve perguntando sobre um ensaio que eu, supostamente, teria escrito sobre o envelhecimento. Como um dos problemas de envelhecer é o esquecimento, achei que tinha esquecido o que havia escrito e fui procurar, indagar, pesquisar. Não escrevi sobre o assunto, respiro aliviada. Mas resolvo escrever, pois percebo que envelhecer é viver. Só envelhecemos porque temos em mãos o "bilhete de ida", embarcamos na vida e o preço da passagem é esse: o desgaste lento, constante, progressivo.
Já começamos a envelhecer ao nascer? Não sei se é exagero afirmar isso, mas, sem dúvida, já começamos ali com as perdas. Perdemos a união, nos destacamos, e vamos perdendo cabelos, células epiteliais, saliva. Vamos perdendo a graça, perdendo o medo, isso para não mencionar os números incontáveis de chupetas, de sapatos, de touquinhas, de fragmentos que viram coleção de algumas mães: os dentinhos de leite, os cachinhos de cabelo etc.
Perdemos a inocência, perdemos as esperanças, perdemos as estribeiras, perdemos a fé, perdemos amores, mas conservamos algo: nosso bilhete de ida, que seguramos, descuidados e despreocupados a princípio, e que depois agarramos com zelo e atenção. Quando mais se aproxima a estação do desembarque, menos queremos saltar, acostumados que vamos ficando à viagem. Este é um dos males do envelhecer: como só o que conhecemos é a vida, passamos a nos apegar a ela, mesmo quando já não é mais essas coisas.
E, por um capricho do destino, a meio caminho muitos mudam sua posição no veículo. Ao invés de se postarem virados para a frente, e para o caminho que ainda virá, algumas pessoas insistem em se sentar olhando para trás, para o que se distancia em velocidade sempre crescente. Pois o trem da vida está sempre acelerando e os dias, que eram longos na infância, se minimizam e agrupam em semanas e meses cada vez mais fugazes.
Algumas pessoas, tardiamente, resolvem desacelerar o envelhecimento. Acreditam que exista uma idade mental e uma idade corporal, que algumas pessoas podem se conservar jovens toda a vida. E querem ter a aparência de 20 ao chegarem aos 30. E de 30 ao chegarem aos 40. E querem continuar com a aparência de 30 aos 50, 60, 70… E querem continuar pensando como aos 30, mesmo quando já estão na casa dos 80. E pensar não é nada. Querem aparentar, pensar, se vestir e se comportar como alguém de 30 para sempre. E, para isso, se mutilam, se cortam e recortam, malham em academias, esquecem da família, repudiam amigos doentes, adotam filosofias.
Percebo que estou escrevendo estas coisas de fora, como se eu estivesse fora da ciranda. Mas estou lá. Nesta dança macabra, sou aquela caveirinha ali, de peruca rala e óculos de leitura, sorridente, achando que encontrei a fórmula do Shangri-la entre as páginas de um livro.
Meu bilhete de ida já tem o nome da estação de desembarque, mas ainda não posso lê-lo. No meu rosto não consigo ver o que todos os outros já veem, sem muito esforço: a decadência. Como diz meu amigo querido, "O espelho só me ensina a ruína do desejo.
Sei que é meu este olhar em que eu não mais me vejo."
Eu não vejo, mas os outros sim. Veem aquela que sou agora e que pensa que ainda é de outrora.
Está na hora de saltar deste trem…
Já começamos a envelhecer ao nascer? Não sei se é exagero afirmar isso, mas, sem dúvida, já começamos ali com as perdas. Perdemos a união, nos destacamos, e vamos perdendo cabelos, células epiteliais, saliva. Vamos perdendo a graça, perdendo o medo, isso para não mencionar os números incontáveis de chupetas, de sapatos, de touquinhas, de fragmentos que viram coleção de algumas mães: os dentinhos de leite, os cachinhos de cabelo etc.
Perdemos a inocência, perdemos as esperanças, perdemos as estribeiras, perdemos a fé, perdemos amores, mas conservamos algo: nosso bilhete de ida, que seguramos, descuidados e despreocupados a princípio, e que depois agarramos com zelo e atenção. Quando mais se aproxima a estação do desembarque, menos queremos saltar, acostumados que vamos ficando à viagem. Este é um dos males do envelhecer: como só o que conhecemos é a vida, passamos a nos apegar a ela, mesmo quando já não é mais essas coisas.
E, por um capricho do destino, a meio caminho muitos mudam sua posição no veículo. Ao invés de se postarem virados para a frente, e para o caminho que ainda virá, algumas pessoas insistem em se sentar olhando para trás, para o que se distancia em velocidade sempre crescente. Pois o trem da vida está sempre acelerando e os dias, que eram longos na infância, se minimizam e agrupam em semanas e meses cada vez mais fugazes.
Algumas pessoas, tardiamente, resolvem desacelerar o envelhecimento. Acreditam que exista uma idade mental e uma idade corporal, que algumas pessoas podem se conservar jovens toda a vida. E querem ter a aparência de 20 ao chegarem aos 30. E de 30 ao chegarem aos 40. E querem continuar com a aparência de 30 aos 50, 60, 70… E querem continuar pensando como aos 30, mesmo quando já estão na casa dos 80. E pensar não é nada. Querem aparentar, pensar, se vestir e se comportar como alguém de 30 para sempre. E, para isso, se mutilam, se cortam e recortam, malham em academias, esquecem da família, repudiam amigos doentes, adotam filosofias.
Percebo que estou escrevendo estas coisas de fora, como se eu estivesse fora da ciranda. Mas estou lá. Nesta dança macabra, sou aquela caveirinha ali, de peruca rala e óculos de leitura, sorridente, achando que encontrei a fórmula do Shangri-la entre as páginas de um livro.
Meu bilhete de ida já tem o nome da estação de desembarque, mas ainda não posso lê-lo. No meu rosto não consigo ver o que todos os outros já veem, sem muito esforço: a decadência. Como diz meu amigo querido, "O espelho só me ensina a ruína do desejo.
Sei que é meu este olhar em que eu não mais me vejo."
Eu não vejo, mas os outros sim. Veem aquela que sou agora e que pensa que ainda é de outrora.
Está na hora de saltar deste trem…
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