Tuesday, June 30, 2009

FLIP, revisited

Lisbon Revisited (1923)

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Lisbon revisited (1926)

Nada me prende a nada. 
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo. 
Anseio com uma angústia de fome de carne 
O que não sei que seja - 
Definidamente pelo indefinido... 
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto 
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias. 
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua. 
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido. 
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota. 
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados. 
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos; 
Escrevo por lapsos de cansaço; 
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia. 
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme; 
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago; 
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma... 
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei, 
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa 
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas), 
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas 
Onde supus o meu ser, 
Fogem desmantelados, últimos restos 
Da ilusão final, 
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido, 
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo, 
Cidade da minha infãncia pavorosamente perdida... 
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, 
E aqui tornei a voltar, e a voltar. 
E aqui de novo tornei a voltar? 
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram, 
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória, 
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo, 
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -, 
Transeunte inútil de ti e de mim, 
Estrangeiro aqui como em toda a parte, 
Casual na vida como na alma, 
Fantasma a errar em salas de recordações, 
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem 
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo, 
Sombra que passa através das sombras, e brilha 
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida, 
E entra na noite como um rastro de barco se perde 
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo, 
Mas, ai, a mim não me revejo! 
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico, 
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim - 

Um bocado de ti e de mim!...

Será que alguém ainda se lembra de Fernando Pessoa e seus poemas Lisbon revisited? Tecnicamente, Alvaro de Campos é quem os assina. 
Não posso deixar de meio que "plagiá-los" agora que estou de partida para Paraty, onde tantas vezes perambulei pelas calçadas incertas, me apoiando nos braços de quem me amparou também nas calçadas de Lisboa.  A quem será que revejo nas tendas e nas vielas? Qual a voz que me chama no vento das praias? Que imagem é essa que projeto, através dos livros?
Ih, melhor guardar esse papo cabeça para a hora do bate-papo na Flip. Beijos, partindo.

Monday, June 29, 2009

A morte e o sonho

Uma coisa assim, repentina, e minha dor aparece fingindo que é para um alguém que nem conheço. E eu rememoro uma fase da vida que me pareceu tão agitada, espremo uma lágrima que quer escorrer no cantinho do olho esquerdo, do coração. Pegue essa bandida!, ordeno à minha mão. Rápido, antes que ela escorra! E, obedecida, mantenho meu ar de indiferente doçura perante a agitação da turba. Sinto inveja. De quê? Talvez dos aplausos, ao se fechar a cortina…
E eis que outra morte, e mais outra, dão o tom melancólico ao fim de semana. Morre o festejado cantor, a bela atriz e o corajoso jurista. Arte e inteligência parecem não ter vez nesse mundo. Falam muito do cantor: uma figura estranha. Falam pouco da atriz, já quase esquecida, bela e imitada em sua glória, depois, em seu sofrimento, amada por quem uma vez tinha sido seu parceiro. Morre o jurista e esse, que devia ser tão celebrado e comentado, a quem se deve, no país, um exemplo de cidadania, fica quase que limitado a uns poucos comentários, quase sem imagens. Um morto sem séquito para mostrar na TV. Talvez o povo esteja lá, talvez tenha acorrido, agradecido pela carta que um dia recebeu, querendo retribuir seu interesse. Mas as equipes de TV, essas, embarcaram para Los Angeles e estão entrevistando a torto e a direito umas figuras que agora possuem o prestígio da proximidade. Alguém que um dia apertou a mão do cantor. Outro que tocou tambor a seu lado. A cozinheira que preparava pratos vegetarianos há mais de 20 anos. A babá, despedida, que denuncia defeitos. A família, implacável, que deseja os despojos. A mãe dos filhos, a ex-mulher, o ex-médico, a enfermeira.
Ninguém abriu espaço para o documentário dos últimos dias da atriz cancerosa.  Ninguém quer saber do conteúdo da carta aos brasileiros. Queremos glitter. Dança. Morte misteriosa e declarações bombásticas que nos façam esquecer as vergonhas intestinas do país. Para ajudar, bons jogos de basquete, conquista do ambicionado título de futebol numa batalha árdua que nem parecia estar sendo travada contra os EUA, mas contra a incompetência do próprio time.  Vuvuzelas impiedosas nos impedindo de pensar, de sentir outra coisa que não seja a insensibilidade dos remédios para a dor de viver.
Mas a morte é assunto que os vivos não esgotam. Viver e morrer, já ensinava o filósofo, são coisas que se excluem. Será? Mas não vou discutir isso agora, pois me dedico a satisfazer o pedido do amigo Guilherme Ramos, em seu blog Prosopoética. Ele quer saber de meus sonhos, oito deles. Ah, Guilherme, se você soubesse o quanto procuro sonhar, sem conseguir… Mas não vou ser freudiana, e vou ficar com os sonhos na acepção de "desejo", aquilo que os americanos chamam de daydreaming, e nisso até que sou boa. Todos os dias sonho alguma coisa, olhando para o mar, sonho alguma coisa, lendo os livros do Mia Couto, sonho alguma coisa, e por aí vai.
O que mais queria era o meu amor de volta, mas isso não vale, então vamos aos sonhos possíveis (sem prioridades, apenas à medida que vão surgindo em minha imaginação):
1 Sonho em ser uma escritora de sucesso: e aí me questiono – sucesso significa o que? Muitas vendas? Entrevistas nos jornais? Reconhecimento nas universidades? Teses publicadas a cerca de minha obra? Acho que o sucesso que desejo é mais humildezinho – um tratamento mais deferente por parte da minha Editora, que deixa meus imeios sem resposta, que nem se lembra de fazer uma propagandazinha de meus livros, nem de organizar um ciclo de palestras para divulgar os autores nacionais sem "exposição midiática".
2 Sonho em poder me sustentar com o produto de meu trabalho: meus livros e minhas palestras e aulas.
3 Sonho em viajar pelo mundo (e isso até que faço), só que voando em primeira classe, para não chegar nos lugares tão desoladamente desconfortável e cansada. 
4 Sonho em ser professora visitante na Sorbonne. Queria ter a chance de viver por uns tempos em Paris, transformando essa cidade numa paisagem interna, quase que orgânica. Paris é a cidade mais lógica que conheço, cartesiana, apesar de que essa lógica se impõe sobre uma cidade viva, que se modifica e se rebela. Numa das vezes em que estava na cidade, surpreendi uma noite em que o trânsito parou nas redondezas do meu "feudo" (entre o Jardim de Luxembourg e a Université) e as ruas foram invadidas pelas bicicletas, que foram, aos milhares, percorrendo os caminhos cinzentos com suas cores e suas campainhas alegres, numa espécie de festa. E o caos não se instaurou na cidade, como aconteceria aqui se tivessem feito uma festa dessas num final de dia de semana.
5 Sonho em ser magra e flexível, um corpo adolescente que não reclame das canseiras a que possa obrigá-lo.
6 Sonho em ter uma mente ágil e criativa, sempre disposta a aprender e a assimilar novidades.
7 Sonho em abraçar o mundo, oferecer paz e conforto a todos a quem eu possa encontrar.
8 Sonho em romper o casulo de minha solidão.
Aí está, Guilherme. E, de bônus, mais um sonho: mergulhar nas águas das praias azul-esverdeadas de Alagoas, e deixar-me dissolver de prazer!

Monday, June 22, 2009

Brecht.com

Fui ao teatro, fui ao cinema, matei o concerto (menina má), pois preferi ir ao lançamento do livro de minha amiga Adriana Lisboa (boa menina). O filme? Assim, assim. Bom para coroas sonhadoras e para jovens atores e atrizes, que podem ver dois grandes atores transformando uma historinha gasta num passatempo regular. A peça? Ingênua. Nosso mundo está muito mais sofisticado que o de Brecht, mais cínico. Duvido que a platéia tire as conclusões pedidas pelo elenco, ninguém vai dar bola para aquela divindade, nem para o conflito da jovem prostituta que acredita em amor, nem se impressionar com o aguadeiro que se mutila para ganhar uma pensão– tudo dejà vu, infelizmente. O livro da amiga? É infantil, e estou guardando para ler acompanhada por uma criança. Mas é lindo, ilustrado pelo fantástico Rui Oliveira.
Hoje entreguei minha resenha para o Rascunho. Falo sobre o Frenesi polissilábico, do Nick Hornby, mas acho que falo mesmo é sobre o Rascunho – esse jornal idealista que se mantém graças ao Rogério Pereira, um dínamo, todo coração e energia, sonho e realização. 
Agora vou aos textos para a UFF. E ainda darei aula, hoje. Mas estou me sentindo melhor (passei o fim de semana meio adoentada) e com muita alegria por ter cumprido meus prazos. E por ter internet, ora viva!

Sunday, June 21, 2009

Horóscopo

Acordo e leio o jornal (isso quer dizer: leio o horóscopo) que me aconselha a olhar alguma bela paisagem. E lá começo eu o dia, pensando o que devo privilegiar? Contemplarei o mar ou a montanha? A Lagoa, talvez? Uma floresta urbana? Que sorte a minha viver numa cidade de tantas belezas, onde se torna difícil escolher para que lado me voltar, quando me recomendam olhar uma bela paisagem. De acordo com minha preferência habitual, corro a olhar o mar, que hoje se funde com o céu numa comunhão mítica, geradora de vida. Adoro quando a linha do horizonte se desfaz nesta imprecisão de contornos e nos deixa vivendo num mundo em que tudo se torna possível. É possível que eu hoje tenha um dia produtivo, mas meus planos são outros. Quero ir ao cinema. Quero ir a dois cinemas e a um teatro. Tenho ingresso para um concerto, mas acho que vou faltar. No entanto, me lembro que o horóscopo me avisa: não deixe de escutar boa música. Começo a duvidar de mim mesma. Será possível que essas recomendações sejam tão precisas? E, ao serem precisas, serão necessárias? Rebelo-me. Hoje quero ter a liberdade de sonhar, de fazer as coisas que decidir no último momento, sem planejamentos. No entanto, olhos as ilhas que enfeitam minha nesguinha de mar, como a me relembrar que os limites estão ali, embora eu não os veja. Decido que ainda é muito cedo para decidir. Talvez eu saia agora, para usufruir o mar, tão próximo, mas o mais provável é ficar por aqui, tentar colocar em dia a correspondência e os trabalhos. A leitura nunca ficará em dia, já sei. Mas sei que irei ao cinema, atrás de alguma ilusão romântica. E talvez vá ao concerto. Afinal, adoro música. Só me entristece é a Sala Cecília Meirelles, que tem me parecido escura e triste.
Peço desculpa ao Guilherme, que me mandou uma tarefa e ainda não consegui cumprir: mescla de internet pisca-pisca e preguiça. Mas irei sonhar com você, em breve. Peço desculpa a Cris, e a todos os amigos que tenho deixado sem resposta, mas é que tem sido mesmo difícil fazer alguma coisa com essas limitações tecnológicas e mais uma cirurgia dentária e um inexplicável mal-estar (talvez do antiinflamatório?) que tem drenado minhas energias. Hoje tenho internet, mas tenho também o horóscopo que me dá olhos para ver e ouvidos para ouvir. Então, com sua licença, meus amigos, mergulho meus olhos no mar e aguardo o momento de submergir nas ondas sonoras. Ciao.

Friday, June 12, 2009

Espaço aberto - Literatura

Acabo de me assistir na TV – Que experiência mais estranha! O que valeu é que o programa ficou mesmo muito legal, com uma edição onde os textos de Borges, com a leitura do sempre grande Othon Bastos (meu eterno Paulo Honório, do filme São Bernardo) e as imagens do autor tão bem escolhidas, valorizaram os comentários que fizemos a respeito de seus textos. Fico pensando em como a TV é impactante: falamos de Borges e, como por um milagre, ele apareceu ali entre nossas falas, corroborou o que dissemos, dialogou conosco. O que eu gostaria é saber que alguém, por virtude de assistir esse programa, se sinta tentado a ler algum conto de Borges, algum de seus poemas, ou ler suas entrevistas, sempre tão finamente irônicas e inteligentes. Ou ler seus ensaios, cuja concisão nos deixa enganosamente levados a pensar que são textos simples, fáceis de preparar. Me lembro de uma aula que tive em Yale, com a professora Shoshana Felman. Era um Faculty Seminar, o que quer dizer que era aula para professores, e era uma grande honra para mim ter permissão de assistir as sessões com chefes de departamento, juízes da Suprema Corte, e especialistas nas diversas áreas que tinham a ver com a pesquisa dela na época, que era a questão de testemunhar (witnessing) e de prestar testemunho (testimony), em situações ligadas ao Trauma. A cada semana tínhamos uma leitura prévia, que preparávamos e debatíamos em sala de aula. Os textos podiam ser capítulos ou livros inteiros. No caso em questão, a leitura era apenas um conto de Borges. El testigo. Apenas uma página. Nem sequer uma página completa, dois parágrafos, quase nada. Negligenciamos a leitura. Lemos,é verdade, mas fizemos uma leitura rápida, lemos sem nos deter. Nenhum de nós preparou o texto com a devida atenção. Em menos de dois minutos ela percebeu que não tínhamos dado ao texto o mesmo cuidado que havíamos dado a outros que, pela extensão, nos pareciam muito mais complexos. Ela foi de um a um, e todos foram se calando. E ela, como Júpiter, revelou-se em toda sua ira, mostrou que tínhamos sido omissos e preconceituosos e que, com isso, tínhamos perdido a chance de ter uma aula brilhante (como eram todas as aulas dela, extraordinárias!) Até hoje, pelo menos uma vez por ano releio El testigo. É uma lição de humildade que me dou. Leio como penitência, procurando sozinha o que poderia ter encontrado através da experiência de um grupo tão especial como aquele. E penso no privilégio que tive de, por uns poucos anos, conviver com pessoas que realmente fazem a diferença na maneira em que podemos compreender o mundo. E, cada vez que leio aqueles dois parágrafos, percebo a lição extraordinária do valor de cada um de nós. Todo o sentido da vida parece estar contido naquele pequeno texto.

Carne Trêmula e outros celulóides

Acordei pensando em cinema, talvez porque tenha ido ao cinema ontem de noite, depois de um longo jejum. Fui ver A partida, um filme sobre os rituais da morte, da despedida. Claro que isso mexe comigo, ainda mais nas vésperas de um dia como hoje, todinho dedicado ao "amor".  Aí, depois de muito tempo com essa minha internet pisca-pisca, descobri que hoje ela estava funcionando, e aproveitei para ver mensagens, facebook, blog… que saudade de meus amigos. André, no Rechavia, tem escrito muito e eu tenho muito que ler. Ana Cristina, Leila,Guilherme Ramos, Valéria, MM, alguns de meus amigos blogueiros desculpem, mas não sei se vou conseguir ler todo o passado. É uma pena, mas hoje a gente, quando perde um dia, perde mesmo, pois o mundo está cada vez mais intensamente "escrito", interpretado, comentado.
Bem, para não perder mais tempo, vouu ficando por aqui, logo depois de explicar o porquê de carne trêmula –nada a ver com a história de Almodovar, apenas aproveito o título dele para brincar com o meu nervosismo por aparecer hoje no Espaço Aberto Literatura, numa conversa sobre Borges, com o Edney e o Antônio Fernando Borges. O mais engraçado foi descobrir que uma amiga minha foi namorada dele. Como falei sobre isso, o Edney lembrou que só existem 6 graus de separação entre nós, e lá embarquei eu, pensando no filme de temática tão borgeana, pois Borges era fascinado pela definição da identidade, e das fronteiras entre real e imaginário. E, afinal, o que será mais importante? Qual a identidade que mais vale: a que nos é imposta pelo nascimento ou a que construímos com os nossos próprios sonhos? Por falar em construção de sonhos, passo a uma pessoa que conheci ontem, um livreiro do cyberespaço, como ele se define e que, sozinho, dirige uma empresa com N funcionários virtuais, com sede mundial no "Catumbi". Ele, outro borgeano, claro, queria me convencer a vender meus livros para ele. E fez os cálculos matemáticos de quantos livros eu conseguirei ler, ao final de 60 anos, lendo um livro por semana, para provar que eu já tinha em casa muito mais livros do que jamais conseguirei terminar de ler. Desprezei os cálculos dele, pouco mais de três mil, dizendo que leio mais do que um livro por semana, e assim defendi minha biblioteca! E, numa cruzada insana, saí e comprei mais um livro, desafiadora. E ele, muito simpático, ainda me deu um livro de presente, do Blaise Cendrars. Entrincheirada entre estantes, me despeço, com votos de que todos assistam ao programa do Edney, nem que seja só para ver o ex da minha amiga!

Wednesday, June 10, 2009

Espaço aberto - Literatura

Hoje fui toda feliz gravar um programa na Livraria da Travessa do Leblon. Coisa de realização de desejos ocultos: entrar num shopping antes do horário, passar por galerias e áreas reservadas, entrar pela porta de serviço da livraria e ter todos aqueles livros ali, estremunhados de sono, deitadinhos, indefesos… 
Fiquei entusiasmadíssima! Cheguei na hora que marcaram, 8:30, mas o Claufe Rodrigues estranhou: Chegou cedo! A gente geralmente marca às 15 para as 9. Bem, eu sou pontual, aprendi isso nos 5 anos em que vivi nos EUA. Mas a produção do programa, pensando em termos brasileiros, em que os horários são apenas sugestões, deve ter se precavido. Eu aproveitei para me sentar naquela poltrona de salto alto, – quem frequenta a Travessa conhece bem – e me envolvi com um livrinho de tal maneira que nem vi o Edney chegar, nem o Borges (o outro Borges). Depois, quando íamos começar a gravação o cameraman achou que eu podia tirar um pouco do brilho de meu rosto. "Você não tem aquelas coisas de mulher aí?" Tive vontade de responder que de mulher eu tinha o DNA.  E fiquei achando que o meu devia ter vindo defeituoso, pois não chegava atrasada, nem andava com pó de arroz (será que é isso que ainda se usa?) na bolsa. Mas, em compensação, na minha bolsa tinha livros, papéis com anotações, um ticket usado de metrô parisiense, uma entrada de teatro de uma peça tão ruinzinha cujo nome nem vou mencionar, algumas moedas, a carteira e o celular. Em resumo: Não se assustem se virem meu rosto brilhando no programa. 
Será que ficou legal? O Edney me deixou super tranquila, descontraída. Em alguns momentos cheguei a esquecer a câmera. Mas aí lembrava do "brilho" e não sabia se devia enxugar o rosto, passar a mão no "bigode", que foi como o cameraman chamou o meu "discretíssimo buço".
Adorei escutar as coisas que o Antônio Fernando Borges tinha para contar. Ele tem uma memória muito melhor que a minha, e contava as coisas dizendo onde elas estavam. Eu nunca lembro o nome dos contos – só lembro das historinhas. Mas o outro Borges sabia a que contos eu me referia e foi completando as minhas lacunas. Esqueci de falar uma coisa que eu queria muito dizer: a opinião de Borges sobre Kafka. Borges gostava tanto do que Kafka tinha produzido que dizia que sua vida (de Borges) era supérflua. Isso ficou muito mal-redigido, mas tenho que deixar assim como está e seguir adiante com as minhas obrigações. Vou ler o livro que meu amigo MM organizou, o Dicionário amoroso. O livro está lindo. Depois eu conto.

Tuesday, June 09, 2009

Rent

O musical Rent tem uma música que adoro, que divide o ano em horas ou minutos, sei lá. (Os que me conhecem sabem que nunca sei as letras das músicas, ou só sei as letras e não a melodia – sou dos extremos, sou do laraiá ou das palavras) Antes de continuar, talvez seja bom fazer mais um parênteses: sou louca por musicais! Outro dia fui visitar uma amiga e lá encontrei um cara que tinha acabado de voltar de NY, onde tinha assistido às novas versões de musicais. Nossa, passei a noite inteira conversando com o cara, me deliciando com o que ele me contava. Nem senti o tempo passar. 
Voltemos então ao assunto principal: meu fim de semana sem internet foi medido assim, como na canção de Rent, segundo a segundo, que gotejaram sobre a testa da minha paciência, me enlouquecendo. Sempre que me sento frente ao computador, vou dar uma olhadinha nos "imeios". E fico pulando de um lado para o outro: pesquisa na internet, texto, imeio, e um pouquinho de paciência, enquanto organizo as idéias, ou espero que alguma chegue. Bem, claro que, sem internet, fiqui presa no laço, tentando, tentando sem parar, me irritando, saindo da cadeira e da frente da minha nesguinha de mar, que tanto encanta os meus olhos.
Azul, azul, azul… minha cor querida, cheia de significados. Cor amorosa e violenta, suave e agressiva, essa cor viva que o mar e o céu podem oferecer.
Paliativo? Nenhum. nem mesmo um bom filme, pois o último que assisti foi O falsário, muito bom, mas fugido, no meio da semana. No sábado e domingo fiquei naquela loucura do "preciso trabalhar, preciso ler, preciso escrever" que sempre me ataca nos finais de semana. 
Pontos altos destes dias sem comunicação? A LUA! Gente, quando ela se mostrava por entre as nuvens eu me sentia tão alegre que nem sei! Mais ponto alto? A leitura da declaração de amor de Levine a Kitty, em Anna Karenina. Baseada na própria experiência, ele consegue trazer para o texto toda a emoção vivenciada. Foi bom de gritar! EU AMO LITERATURA! AMO LER! É tão bom que nem sei explicar. Mais outro ponto alto? Livros que comprei – não paro com o vício! Não consigo ler tudo, mas é tão bom olhar para eles aqui em casa, esperando docilmente que eu abra suas páginas e … daí tudo muda: eles se tornam vivos, me tomam pelos olhos e logo por toda a mente e, quando vejo, estou em outro lugar, tomada, em transe, vencida! Booommm…
Então, tá. 
Ah, não esqueçam de ir lá nas Histórias Possíveis, que, sob nova direção, continua sendo o máximo!
Aos meus leitores: obrigada pelos comentários e carinho. Fico feliz quando alguma coisa que posto aqui serve a alguém. E adoro as contribuições que vocês me dão!

Saturday, June 06, 2009

balanço quase geral

Uma semana triste, que começa com o sumiço de um avião, com a partida de um amigo, com a venda de uma velha TV... Alguém pode estranhar meu luto por uma TV, mas é que, depois de vendê-la, lembrei-me de que é uma coisa a menos de minha outra vida. Porque eu me sinto vivendo uma vida que não é mais a minha, de verdade. Uma vida a que, legitimamente, não tenho direito. Então, a cada vez que tenho notícias da morte de alguém, conhecido ou não, me sinto culpada: com que direito continuo por aqui? Que sacrifício esotérico terei feito, que pacto com o anjo da morte? Pergunto isso porque hoje, assistindo uma entrevista do Fernando Morais com o Edney Silvestre, ele falou das loucuras do Paulo Coelho, que estava convencido de ter feito um acordo com o anjo da morte, por ocasião de uma tentativa de suicídio não completada. Mas as loucuras não são apenas dos magos. As diversas teorias que escutei a respeito do voo 447 da Air France me fazem pensar em Simão Bacamarte: ou tenho que sair por aí prendendo lunáticos ou eu mesma devo me encerrar num asilo. Do deslocamento do Triângulo da Bermudas à ascenção dos crentes dos últimos dias, abduções por alienígenas e outras coisas igualmente improváveis, as versões vão se multiplicando desavergonhadamente, tal como os desmentidos.
Será que algum dia saberemos o que aconteceu? Precisamos de fatos, de provas, de alguma explicação que contente nossa lógica -- ou falta de!
Bem, enquanto isso, vou escrevendo, lendo o que posso, testando os meus limites para não deixar nenhum prato chinês cair no chão. Preciso dar uma escovada no Borges -- fui convidada a falar sobre ele. O que tenho para dizer sobre ele? Muito pouco, quase nada. Autor difícil, mas que nos engana com uma aparente simplicidade. Em sua longa vida escreveu muitas coisas interessantes, mas o interesse maior parece-me se concentrar no jogo de ambivalência entre realidade e ficção. A literatura, em Borges, é determinante para a vida -- uma inversão do que geralmente se admite. Talvez por isso a gente se sinta tão tentado a responder-lhe uma ou duas coisinhas. Para terminar, um dedinho de Nick Hornby. É sobre ele que devo escrever neste mês, para o Rascunho. Um amigão, do mesmo gênero do Manguel, é a impressão que tenho dele.Um cara com quem gostaria de trocar figurinhas, mas as figurinhas dele são, na sua maioria anglo-saxãs. As minhas são, bem, "ecléticas". E nunca fui sistemática o bastante para dizer que conheço "tudo" sobre algum autor. Mas conheço o bastante para dialogar um pouco com ele, antes de sair divagando sobre outras coisas. Coisas como a inconstância da internet em minha casa. Que mistério essas coisas, hein? Um pisca-pisca de conexão, que nme deixa absolutamente insegura!
Bem, aproveito agora que ela está on para postar esse texto.Qem sabe quando vou voltar a conseguir me conectar de novo?