Thursday, September 26, 2013

Pudor das palavras

Existem palavras que deviam andar por aí de burca, até porque não existem em estado dicionarizado, são uns seres híbridos e assustadores. Hoje topei com (perdão, perdão!) "convulsivante". Achei que a dita cuja deveria ser imediatamente "emburcada", antes que vire uso comum. Pois que coisa horrorosa que andam as nossas contemporâneas invenções vocabulares! Querem ver uma outra que poderia desfilar de burca, para ver se nos esquecíamos da distinta? "visualizar"! Já repararam que ninguém mais usa o bom e velho verbo ver? Todos querem visualizar o mapa, ou as fotos, os os novos modelos de carro. Os botões eletrônicos do telefone nos convidam a visualizar o número chamado, e por aí vai.
Não vou me estender, até porque não tenho tempo para isso, estou com muito trabalho pendente. Mas fica aqui meu protesto. Principalmente porque a palavra convulsivante que me arrepia até a raiz dos cabelos, veio inserida num poema de amor. Por favor, ouçam a voz da experiência, amores podem ser expressos em sussurros carinhosos, ou mesmo em palavras com arestas, ferinas. Amores podem ser celebrados com palavras banais, corriqueiras, mesmo. Evitem, no entanto, essas palavras hediondas, causadoras de soluços e engasgos. Principalmente no meio dos corpos convulsos, pois um deles pode sufocar e morrer. 

Saturday, September 21, 2013

Saqueando a realidade

Sou de uma estranha raça de bípedes que adora ir a palestras literárias. Vou, não só para falar, mas também para escutar. Isso é o que me torna "estranha". Geralmente as pessoas comparecem por alguma razão alheia ao discurso do "outro". Vão escutar a própria voz. Vão porque a professora vai passar uma lista de chamada (alguns, uma vez assinada a lista, saem descaradamente). Ou vão porque devem favores a quem fala. Outros, ainda, vão porque têm a chance de pegar o microfone que se abre para perguntas e, sem perguntar nada, fazer uma conferência paralela. Algumas pessoas vão às palestras por causa do prestígio do local, ou do palestrante. Algumas estão ali como eu: esperando para escutar o segredo revelado do universo. Claro que nem sempre a gente escuta algo que preste, mas quase sempre aprendo alguma coisa, boa ou má.
Ultimamente, tenho escutado a mesma coisa, repetida ora como confissão, ora como queixa. Um escritor que confessa que coloca fatos reais nos seus romances. Uma que reclama que, conversando com outro escritor numa festa, ou num bar, disse alguma coisa interessante – ou proibida, daquelas que se diz na intimidade, entre amigos – e que recebeu o aviso: "vou usar isso no meu livro, já estou avisando!" Numa diferente versão, fico sabendo de livros que se dizem de ficção, mas que contam as histórias e os nomes de seus conhecidos, apenas tomando algumas "liberdades poéticas".
Então quero propor aqui a leitura de A louca da casa, de Rosa Montero. Ela nos dá uma boa lição do que seja o trabalho literário, que toma como ponto de partida a realidade, mas depois deixa que a "louca da casa", nome que Sor Juana dava à imaginação, apropriar-se da pena e narrar. Assim, um episódio como (já não me lembro bem qual é) uma briga com o namorado e uma posterior ida à casa dele, dá origem a umas três histórias diferentes, completamente diferentes do que se passou – se é que se passou. Em  Rimas da vida e da morte (acho eu que é esse o título) Amós Oz dá uma lição magistral de como tirar leite das pedras, ou seja, ficção da realidade. O livro principia com uma possível confissão autobiográfica, de um autor que vai a uma palestra para ouvir sempre as mesmas perguntas, superficiais,  e, mesmo no meio do tédio e das dúvidas, ele é capaz de fazer dessa plateia uma matéria prima pulsante, viva, e, no entanto fantástica, onírica.
Só queria registrar aqui, neste meu cantinho escondido, que saquear a realidade e colocá-la entre as páginas de um livro não cria uma obra realista, cria, no máximo, uma reportagem. Romances não são reality-shows, são muito melhores do que isso. E o escritor não é uma câmera escondida, flagrando amigos e conhecidos em situações embaraçosas, e colocando-os na berlinda. Nem mesmo a nossa própria vida merece se expor desta maneira, nua e crua, sem um bom photoshop literário. Literatura é arte e arte é surpresa e reinvenção. Vejam os impressionistas, que saíram de dentro de seus estúdios, procuraram pintar a natureza e fizeram quadros que ninguém reconhecia como "realidade". Eles nos ensinaram, ampliaram os limites do que vemos como "real". Ensinaram que tudo o que vemos é mediado e nos fazem pensar até hoje. Pois taí o da Vinci (será que é ele mesmo?) que não me deixa mentir: "arte é coisa mental". E eu acrescento: arte também é generosa: por que ferir um só, se com um pouquinho de trabalho a gente pode ferir a todos?

Sunday, September 15, 2013

recados e mensagens

Vou contar um segredo de polichinelo para vocês (caso alguém não saiba o que é o tal do segredo de polichinelo, é aquele segredo que todo mundo já conhece, menos a pessoa que está espalhando o caso, que acha que é um grande furo)
Bem, meu segredo – conhecido por todos – é que sou péssima nessas coisas de computação, mas adoro todas essas novidades. Acontece, então, que todas as minhas ações cibernéticas são à base de erro e acerto, e percorro caminhos tortuosos para fazer o que os outros fazem em dois segundos, com um único comando.
Para acessar este meu blog aqui, que mantenho obstinadamente há anos, como um amigo, meu caminho é através do google. E, às vezes, me assusto: descubro que ele está classificado no ranking Brasil (provavelmente em último lugar, me deu preguiça de ir lá olhar); descubro que existem outros blogs semelhantes e que alguém (isso é que me admira, mesmo que esse alguém se chame Logarítmo da Silva) se deu ao trabalho de comparar e classificar. Não fui lá ver, para me proteger. É que sou parcial aqui com este meu bloguinho de estimação, mas sei de meu espírito crítico. Se olhar para os blogs estranhos que outros comparam com o meu e encontrar mediocridade, vou ficar arrasada. Pois no meu não sou capaz de ver minha própria banalidade, mas no dos outros… É outra história!
Só que desta vez não resisti a uma página que dizia "recados do nadanonada blogspot.com". Quis ver que recados eram esses que eu andava mandando sem saber. Juro que nunca mandei nada daquilo, coisinhas bobocas como alfabeto da amizade e retratinhos de bebês falando de resoluções para o novo ano. Que droga! Essa ida a esse descaminho virtual só serviu para me deixar deprimida: afinal, meu bloguinho, quase um diário, pois estou mesmo convencida de que ninguém, além de mim, o visita, na verdade é escrutinizado pelo sr. Logarítimo da Silva, que atesta que ele recebe X visitas mensais, e manda recadinhos idiotas, ou, mais acuradamente, que algum espertinho usa o nome de meu blog para mandar recadinhos infantilóides para o ciberespaço.
Estou pensando que as visitas devem ser todas de Obama Dearest (tenho que tratar bem ou ele ainda me acusa de usar armas tóxicas). Imagino que esse meu blog está ajudando a recuperar a economia americana, uma vez que eles precisam empregar o Sr. Logarítimo da Silva e o Sr. Tradutor de Abobrinhas, além de outros mais, visto que continuo insistindo em manter esta página. Pela longevidade, ela se tornou importante, sem dúvida. Já virou parâmetro e inspiração.
Viva o mundo web e nossas mensagens circulantes e ociosas. Esta semana li que estamos acelerando o aquecimento global por armazenarmos tudo nas "nuvens". Daí fico aqui pensando, num ET arqueologista, quando se deparar com esse meu blog, daqui a anos luz. Será que o Sr. ET da Cunha vai ter a mesma reação admirada de quando, hoje, contemplamos a arte rupestre? LINDO! Lindo. Legal… Por que será que eles só desenhavam (conchas) (cavalos) (mãos) (caçadas)?
Repetitivos e fastidiosos, convencidos de nossa própria genialidade, vaidosos, eu me enquadro nesta multidão que começou deixando sinais nas paredes de cavernas e agora deixa suas marcas na solidão das esferas.  E digo ao Sr. ET da Cunha, não se decepcione quando, finalmente, conseguir decifrar nossos bits e bytes. Se eles não trazem o segredo da vida, ao menos ocupam as nossas. Eu elaboro, você decifra e todos sonhamos.

Saturday, September 14, 2013

O bicho está feio!!!

Um concurso de feiúra, coisa de nossos tempos conturbados, ocupou jornais e internet. Não sei se teve muita repercussão, mas ocorreu; e o eleito foi o "peixe-bolha". O peixe bolha é a massa cor de rosa no alto à direita. Blob (batizei-o assim) não me parece ser o mais feio. Acho que ele não me assustaria, se acaso, num mergulho, topasse com seu muxoxo infeliz lá nas águas escuras do oceano. Uma cabeça derretendo de tanto pensar tristezas, cismando com o fim de uma era.
Acho que não gostaria é de  abrir uma porta e descobrir um Ai-ai arregalando os olhos para mim. Seria como entrar na tela de Munch, o bicho contribuiria com a cara preocupada e eu com o grito.
No meio destes bicharocos, o macaco narigudo posa de galã. Parece um Jean Paul Belmondo do mundo animal, olhando-nos meio de lado, com alguma ironia. Suponho que essa semelhança só seja válida enquanto permanecer calado. Falando pelo nariz, comprido como dois dedos, deve ficar mais feio e muito mais estranho.
Para situar, o Ai-ai é o orelhudo à esquerda de Blob, e o Jean Paul é o macaco arruivado imediatamente abaixo do dito Blob. À esquerda, embaixo, está a cara vermelha da Uacaraci. Diz a legenda que a fêmea canta para seduzir o macho. Espertíssima, pois talvez sua voz seja bela e sua canção maviosa. Sua cara parece ter sofrido um peeling e talvez ela consiga emprego como mascote de uma campanha centrada nos dermatologistas. Um paciente, com a cara em fogo depois de ser abrasada por ácido, certamente contribuirá para minorar as mazelas de sua companheira de infortúnio.
Nesta linha de raciocínio, a toupeira cega, que está à direita, embaixo, poderia estrelar a campanha voltada para os consultórios de oftalmologia, mas, lendo a legenda que acompanha sua foto e que nos garante que ela cava túneis de até 20 metros, acho melhor fazer dela a mascote da Papuda. Ela também escaparia de lá, e talvez os outros "não-presos" lhe dessem um mensalinho ecológico.
Só me falta comentar a rãzinha fashion do Titicaca, envolta em peles, com seus olhinhos de boneca e suas dobras e pregas que a fazem mascote da alta-costura. Qualquer hora vamos ver uma rãzinha dessas numa loja de brinquedos pertinho de você. Aposto que a Pixar ou os studios Disney já estão elaborando histórias para ela. Uma fofa! Totalmente fashion! Só precisa de um nome. Tite? Tite Pelechen?  Übermodel da ecologia, arrasando na semana da moda de Paris!

Sunday, September 08, 2013

Violência

Vivemos num mundo violento demais. Não sou eu que o digo, são os jornais, a TV, os filmes. Eu até que não tenho me encontrado muito com a tal violência. Não tenho testemunhado abusos, a não ser o do supermercado aqui em frente, que insiste em ocupar e emporcalhar nossas ruas.
Aqui no prédio as pessoas são educadas. Os funcionários são educadíssimos. Na rua, como o Leblon ainda é uma aldeia, somos reconhecidos e cumprimentados por quase todos. Isso quando somos anônimos, ou seja, essas pessoas que passam desapercebidas e nem precisam de máscaras. Pois sei que sou reconhecida, mas tipo: lá vem a dona do cachorro branco, olha o bigodudo cantor, e onde será que anda o moço das cadeiras. Gente de quem só lembramos ao cruzarmos na rua e de quem até sabemos o nome, mas na maioria das vezes não. Por exemplo, tenho uma vizinha que gosta de plantas, cujo marido está com dificuldades para andar, e que não é brasileira. Sei que gosta de vestir roupas claras, e que é muito disciplinada. Sei de muitas coisas sobre ela, mas não sei o seu nome.
Outro vizinho toca piano, pratica todos os dias. Um outro (talvez o mesmo) fuma maconha. Sinto o cheiro todos os dias. Uma tem cachorro, outra tem netos. Uma está sozinha, não tem filhos, perdeu o marido, a família mora longe. Uma é ambiciosa e segura de si. A outra é recém-chegada ao país, tem um filho pequeno e não fala português. Aquele usa perfume demais, sempre que posso, tomo outro elevador, por conta de minhas alergias. Mas quem são essas pessoas, realmente? Anônimas – sem nomes, sim, mas com histórias e características próprias.
Talvez seja esta a razão de nos saudarmos e de sermos gentis uns com os outros. Eles aparecem para a gente com algum sinal de humanidade. Quando estamos numa situação de "massa", as coisas se tornam diferentes. Pessoas se acotovelam nos locais muito cheios, empurram, gritam com quem eles acham que está em desvantagem. Pessoas são horríveis quando são apenas "gente". Grosseiras. Perderam a delicadeza e seus sorrisos.
Nós somos seres horríveis quando viramos "massa". Abusamos do nosso ambiente, abusamos de tudo e de todos. Somos um grupo de infelizes, achando que o mundo nos maltrata, mas nós é que maltratamos o mundo.
Digo isso por causa de minha leitura da Revista de Domingo. Um fala do meio ambiente ameaçado, outra fala da sala de espera do analista e do esforço pela invisibilidade. Mas há uma história que me encanta. A do médico que inventa exames baratos e que se preocupa em identificar doenças negligenciadas porque são, erroneamente, classificadas como "doenças de pobre".  Exames que custam apenas 5 reais. Acho que contribuir para isso faria mais bem à alma da cronista que frequentar o consultório do analista e se preocupar com a etiqueta de cumprimentar ou não o paciente da sala de espera. Ela que estenda a mão a quem precisa, e que abra a bolsa que seus leitores generosamente recheiam. Pessoas como ela, com nome, são exemplos para anônimas como eu. Mas é pelo médico anônimo e estrangeiro que a lição verdadeira é ministrada. Meus parabéns a ele. Prometo que vou decorar seu nome e aprender sua lição.

Saturday, September 07, 2013

cidade sitiada

Venho para meu escritório e vejo navios de guerra no mar. Então é isso? Entramos em guerra? Ou essa é apenas uma demonstração meio anacrônica, pelo dia da Independência?
Como comemoraria meu dia da independência? Para começar, o que é independência? Sou uma pessoa gregária demais para querer ser "independente". Por exemplo: jamais me meteria numa aventura como a de Cheryl Strayed, caminhando um montão de km a pé, numa trilha no alto das montanhas, sozinha. Mas eu teria seguido meu marido, se ele tivesse encasquetado uma aventura dessas. Reclamaria antes, sem dúvida. O quê? Atravessar o Atlântico de barco? Só nós dois? E meus livros? E se a gente ficar doente? E… Mas, ao mesmo tempo, estaria preparando as malas, comprando equipamentos (claro que os mais estapafúrdios, tipo uma coleção de bandeiras sinalizadoras com um manual, para poder mandar mensagens caso todos os equipamentos do barco pifassem, ou um dessalinizador de água do mar que sem dúvida salvaria nossas vidas depois de ficarmos à deriva por causa de uma calmaria). A primeira coisa que colocaria na mala seria uma roupa bem linda, para usar no dia da comemoração  ao aportarmos em nosso destino. Depois, um caderno, canetas e lápis, meu laptop (Gui, tem certeza de que vamos conseguir carregar a bateria?). Uns bons litros de filtro solar e de creme hidratante. Depois iria, amorosamente, escolher os CD's e os DVD's para o meu marido. Aquele Dvd do Gato Barbieri tocando Astor Piazzola em Paris não podia faltar. O Music for Montserrat também não. BBKing? Ah, mas o Gui gosta tanto… E o John Coltrane? Claro! My Funny Valentine, com Chet Baker? Indispensável. Liebestod? Esse vai, junto com Gymnopédie.
Depois, alguns livros, para ler a dois. A arte de amar, de Ovídio, pois desta vez ele não me escapa! Será que levo os 50 tons de cinza? Nah…pelo que andei folheando, não vale a pena…
No dia aprazado, lá estaria eu, bem acomodada no barco, já preocupada com alguma outra coisa, mas, cinco minutos após termos saído a boca da barra, depois de lambuzá-lo bastante com o protetor solar, apesar de seus veementes protestos, já estaríamos rindo e felizes com a nossa aventura. E, mais tarde, quando um desanimasse, o outro o ampararia, alternando forças e sonhos.
Como saí do estado de sítio em que estamos para esses sonhos de viagem?
Os sonhos, quase sempre, me bastam. Acho que, desta vez, talvez tenha sido a leitura do poema de Ivan Junqueira em homenagem ao Luís Paulo Horta, combinada com a coluna do Arnaldo Bloch, que fala do Livro da Vida e das memórias. Aprendi, com o povo Sami, lá da Finlândia, que as pessoas não morrem enquanto existe alguém que lembre sua canção. Pois cada um que nasce recebe uma canção própria, e, nas reuniões do clã, eles sempre cantam as suas canções, e a dos antepassados, e enquanto aquela canção for lembrada, a pessoa, mesmo desaparecida, ainda estará viva.
Pessoas queridas têm muitas canções. É difícil não pensar nelas, mesmo quando a gente olha para um encouraçado singrando esse belo mar de anil… Ou para um cartão de visitas de uma galeria, com um lindo quadro de Pancetti. Pequenino, esse meu cartão. Mas vou emoldurá-lo, como a um diploma de vitória.

Sunday, September 01, 2013

Como era gostoso o meu poeta…

Veríssimo, hoje, nos brinda com uma divertida especulação sobre a vida em outros planetas, e de seu encontro com um poetófago. Imaginem: um ET carambolando de astro em astro à procura de "poetas" e que, na Terra, descobre um suprimento considerável destes.
"A Terra é o único planeta do universo conhecido em que as pessoas dão nome aos ventos", diz o viajante intergalático, como prova de que somos todos poetas. Em minha imaginação, já vejo o interlocutor do cronista, de olhos sonhadores e língua gulosa lambendo os bigodes.  Peraí! Será que ET tem bigode? Acho que nunca vi no cinema um assim. Geralmente eles são cabeçudos e têm alguma semelhança, maior ou menor, com algum réptil. Mas esses são os invasores incongruentes com tanta tecnologia que lhes permite chegar até a este canto esquecido do sistema solar, mas incapazes de pensar. São vírus que atacam com armas letais e destroem aqueles a quem conquistam.
O ET do Veríssimo e da minha fantasia é um gourmet. Vem à Terra para se alimentar de poetas, e sem dúvida aqui encontrará grande fartura deles. Basta olhar no Facebook que ele vai encontrar pessoas insistentemente poetando a torto e a direito, e enviando seus versos para uma lista de amigos que, por sua vez, também poetas, mandam versos de volta, adornados de fotos de todos os tipos,  fotos de beijo, de animais e vegetais, de céus nublados, de tempestades furiosas, de crianças fofinhas ou de velhos tristes.
Misturo a crônica do Veríssimo com a do Xexéo, falando sobre sonhos… Provavelmente o extraterrestre, ao lamber seus bigodes, estivesse pensando no seu primeiro poeta ingerido, com uma saudade culinária e afetiva que o impedirá, para sempre, de encontrar aquele gosto insuperável. Mas tenho a certeza de que vai passar a vida tentando encontrá-lo de novo. É capaz até de engordar uns quilinhos, experimentando mais do que sua dieta exigiria.
Finalizo lembrando de uma conversa com a namorada de um amigo. Ela se diz uma "shabra"(acho que é essa a palavra), nativa de Israel, e me explica que é um fruto típico de lá, espinhoso por fora e muito doce por dentro. Revejo os poetas que conheço, e tento imaginar o sabor de um Rimbaud, de um Castro Alves, de um Paul Célan, de uma Elizabeth Bishop. Uns mais secos, crocantes, até amargos. Outros doces, poetas de sobremesa. Uns apimentados, estimulantes. Outros gelados, de fazer doer aquele pontinho entre os olhos. Alguns são massudos e maçantes como um pedaço de aipim. E aí me lembro, essa raiz, que eu tanto aprecio, tem seus perigos. Existe uma mandioca brava, letal.
Muito cuidado, Seu ET. Há que fazer como fazem os franceses, na colheita dos cogumelos. Antes de provar seu poeta, leve-o a um farmacêutico – na falta de um especializado na toxicidade poética, procure um crítico literário.