Thursday, April 29, 2010

Insisto, em Z

Z era a cidade que Percy Fawcett procurava no interior do Brasil. Como cheguei a Fawcett? Através de Callado e de sua reportagem O esqueleto na Lagoa Verde e também de minha amiga Kim que, ao vir visitar o Pantanal, trouxe o livro de Graham contando sobre o tresloucado Coronel. Um sonhador, Fawcett nem sequer coronel era. Corrigiu as injustiças do exército britânico promovendo-se no nome. Com uma natureza de "semideus", ele se embrenhou pelas matas brasileiras procurando uma cidade grandiosa a que chamava de Z. A cidade nunca apareceu e Fawcett desapareceu, talvez por tê-la encontrado numa outra dimensão. Muitos procuraram por ele e os ossos, encontrados na mata à beira de uma lagoa, dizem os ingleses que não são dele (Callado até reclama do fato de terem levado os ossos para serem examinados na Inglaterra). Se fossem, o mito se esfumaçaria, como o desejo de descobrir essas cidades perdidas se esfumaçou. Nas ironias da vida, quem descobriu uma magnífica cidade perdida foi um concorrente, Hiram Bingham, a quem se honra como descobridor de Machu Picchu. Quantas paixões e vaidades nestas expedições! E quantas paixões e vaidades nestas guerras de festas modernas, quando, na falta de cidades a serem descobertas, palácios são construídos para durarem apenas uma noite. E, no entanto, às vezes é possível fazer uma construção muito mais duradoura com um bolo cheiroso e brindes de guaraná. Ontem alguns amigos se reuniram para comemorar o aniversário do Edney Silvestre, e foi ele quem falou na magia de seus aniversários de menino pobre. Nossa festa não foi nada pobre. Generosos, os amigos lhe ofertaram bolo, docinhos, espumante e presentes. E cada qual lhe ofereceu o melhor sorriso, o abraço mais quente, o beijo mais delicado. Bolo e guaraná. Afeto e emoção. O que procuramos em Z, em Machu Picchu, em Shangrilá e Eldorado é esse momento em que bolo e guaraná nos foram oferecidos e que nós nos sentimos perfeitamente amados e queridos…

Tuesday, April 27, 2010

Eldorado

Eldorado era a cidade que exploradores procuravam no interior da Amazônia. Aliás, o rio Amazonas deve seu nome a um explorador (não me peçam nomes, há muito que os nomes que conhecia foram parar no arquivo morto do Alzheimer) que disse ter encontrado as descendentes da rainha Hipólita por aqui pelas margens do rio. Se considerarmos que os cavalos não existiam no Novo Mundo, e que deve ser muito difícil andar a cavalo no meio de uma floresta densa, levando, a toda hora, uma lambada de galho de árvore e um tropeção em alguma raiz, a gente logo ri dessa visão. O que será que a teria motivado? As Sereias avistadas por Colombo sei que foram as interpretações da solidão combinadas com a visão das gentis fêmeas de Manatee, o nosso Peixe Boi (que não é um peixe, e sim mamífero) enquanto exibiam suas tetas para os marinheiros. Na carta, Colombo diz que as Sereias de cara não tinham formosura, mas que seus corpos não eram de todo feios… (tenho uma amiga que, depois de um mês de dieta rigorosa, foi à feira e achou que umas sandálias penduradas em uma barraca eram apetitosas linguiças! Só ao chegar perto constatou o engano. Será que o Almirante descobriu seu engano?)
El Dorado era o nome do rei de uma cidade grandiosa escondida nas selvas. Conta a lenda que, todos os dias, esse rei postava-se nu e que seus súditos se encarregavam de soprar ouro em pó sobre seu corpo até que este ficasse totalmente dourado, daí seu nome. Ao final do dia, esse rei banhava-se no rio que por ali passava, deixando evidente que a abundância de ouro era tamanha que o metal podia ser desperdiçado. Isso inflamava a imaginação dos europeus, cujo interesse pelo ouro era maior que o bom senso. Junto a essa lenda, de riqueza, surgiu uma outra, de que a fonte da juventude estaria localizada nessa cidade. Ora, se existe uma coisa que faça o homem se separar de seu ouro, esta é a promessa de eterna juventude! Daí que as expedições se multiplicaram e muitos perderam a vida e a sanidade nestes descaminhos.
Mas, será que cessamos de procurar por esses mitos? Acho que não: No fim de semana, as fotos de Angelique Chartouny, no JB, me mostraram uma ardente expedicionária à fonte da juventude, que ela julga estar situada entre as mãos de um cirurgião plástico e as de um dermatologista. Com suas ampolas de botox e restylane, ela se unge, talvez a cada manhã, e constrói sua imagem congelada de mito. Nas festas feéricas (de fadas) seu sorriso imperturbável derrama-se por sobre os diamantes e esmeraldas, e ela brinda, com champagne, as outras súditas de seu reino de ouro e ilusão. Enquanto isso, nós, pobres mortais, com nossas rugas de espanto e perplexidade, vamos aos cinemas em 3D, ver outros tipos de delírio, histórias lisérgicas que apresentam heroínas cada vez menos humanas e mais deformadas.
Voltarei ao assunto.

Monday, April 26, 2010

Eldorado Vs. Z

Fui a um casamento que parecia um conto de fadas. Deslumbre, foi o que senti ao sair da banalidade da noite, no lado de fora, e entrar num céu estrelado cobrindo uma extraordinária disposição de flores, mesas, objetos, tudo surgido como se por artes de uma varinha de condão.
Quando foi que nos transformamos em especialistas em festas de sonho? Não faz muito tempo, a gente afastava os móveis da sala, preparava sanduiches de pão de forma que víamos sendo cortados, na hora, na padaria, numas maquininhas perigosas mas que deixavam as fatias fininhas e sem cascas. Todos colaboravam, uns enchiam bolas, outros enrolavam brigadeiros, alguém emprestava bandejas, os mais elegantes contratavam garçons, que ao fim da festa estavam caindo de bêbados, intoxicados de tantos "restinhos" surripiados.
Os dotes culinários de cada família eram exibidos orgulhosamente. Falava-se da torta de D. Fulana e do Bobó de Sicrana, e todos balançavam as cabeças, concordando e salivando, ou tímidamente oferecendo um comentário que dizia que o de Beltrana não ficava atrás. Um dia as coisas mudaram. Para fazer uma festa tínhamos que contratar buffês ou banqueteiras. Depois passamos a ter que alugar mesas, e contratar cerimoniais, que por sua vez contratam RP's e Valet's, seguranças particulares, vigilantes para os banheiros, etc. Para darmos uma festa precisamos virar empresas, ou capitulamos e vamos a uma casa de festa que se encarregará de todos os detalhes, desde que possamos pagar por eles. Dos cajuzinhos e brigadeiros, dos bem casados e beijinhos de coco, já só conhecemos a memória. Os doces, irreconhecíveis em seus disfarces de flores, de bonecos, de animais, de cartões de visita, de carrinhos, instrumentos musicais, xícaras, permanecem como enigmas a serem decifrados pelas bocas gulosas. Mordemos um retratinho do bebê e descobrimos que foi feito com um doce de abacaxi e gotas de chocolate. Cravamos os dentes num fradinho barrigudo e provamos um doce de banana recheado de ovos moles. As flores nos entregam, entre suas pétalas, doces de ovos sem ovos e bombons de nozes sem as mesmas, preocupados que estão, nossos anfitriões, em manter nossa saúde. Por isso mesmo, as frituras foram banidas dos coquetéis: barquetes de pepino recheados de ricota, canapés de aipo com passas e wraps de tomate seco desfilam, elegantes, entre as bandejas de mini comidinhas. Num copinho de cachaça nos dão um aperitivo de feijoada, enquanto que nos bares, que se multiplicam, nos afogam em mil sabores de caipirinhas feitas com vodka, sakê, tequila, vinho do porto ou seja lá o que mais inventarem.
Falei tanto que fiquei com saudade dos almoços em que serviam o velho e hoje desprestigiado "arroz de forno". Ninguém nem sabe mais o que é isso! Sei até de um caso (verídico) de que a empregada pediu as contas depois que a patroa lhe pediu para fazer um arroz de forno.
"Que absurdo! Contratam a gente pedindo trivial e depois querem que a gente faça desses pratos complicados! Se ela ainda quisesse um risoto, dava para fazer, mas um arroz de forno! É exploração!"
Mas o post já está muito longo. Depois volto ao assunto.

Friday, April 23, 2010

Transações imobiliárias

Escrevi um imeio agora a um amigo querido e, por caminhos e descaminhos de minha imaginação, fiquei pensando que poderia publicar um anúncio do gênero:" troco apartamento no Leblon por outro no Paraíso, com vista para o Rio". Missão cumprida no mundo, sem muito o que fazer por aqui, posso me mudar a qualquer momento, mas não quero perder minha cidade nem tão maravilhosa de vista. Vestida numa túnica confortável, com uma lira absolutamente inútil nas mãos, pois desisti de minhas lições musicais, eu me debruçaria para olhar o mar e as montanhas, abstraindo trânsito, sujeira, todos os desconfortos do Rio. Ajustaria a imagem para não ver a poluição avançando resoluta pelas águas do mar e dos rios embutidos que antes enfeitavam a cidade. Quando cansasse disso, iria para as aulas de voo, e me divertiria pegando correntes de ar, como surfistas pegam onda. Nos dias de chuva, para não molhar as asinhas, ficaria lá por cima e voejaria como mosca em volta dos santos filósofos, para ver se eles me deixariam ler um pouquinho. Depois, cansada de tanta eternidade, iria começar a me desfiar, como uma nuvem, cada vez mais transparente e tênue, até me misturar para sempre no azul do céu. Alguém tem um condomínio lá pelo alto?

Wednesday, April 21, 2010

Os passos perdidos

Qual será o animal que deixou esta pegada indo para o Student Center da University of Kentucky? Um Puma? Um Leão? Algum felino, com as garras recolhidas, gentil com os amigos, que foi me mostrando os caminhos a serem seguidos lá pela Universidade.
Já disse, e volto a repetir, que adorei o Campus e que a Conferência foi muito especial. Tudo me interessou, os trabalhos, as pessoas, os livros comentados, as novidades, as estratégias, a colaboração… Eu acordava de manhã com vontade de ir logo para lá, de chegar cedinho para conversar um pouquinho mais. E tanto entusiasmo foi bom, pois me permitiu escapar das "trapaças" que o transporte tentou fazer. Cada dia o ônibus me deixou num lugar diferente. O caso mais engraçado foi no segundo dia. O primeiro, como eu ignorava tudo, fui perguntando e cheguei no lugar certo. No segundo, achei que já era veterana. O ônibus parou num prédio estranho e todos saltaram e lá fui eu seguindo aquela turma, cujos rostos ainda não me eram familiares. Entramos num edifício e lá estava servido um lauto café da manhã, com frutas e bolinhos e café e outras delícias. E lá fui eu ficando por ali, todo mundo se servindo e eu atrás, uma caneca de café cheiroso numa das mãos, um prato de frutas na outra, sem conseguir encontrar ninguém da minha turma. E lá não encontraria mesmo, pois estava num café da manhã de outro encontro, da área médica. Disfarcei, terminei minha fatia de abacaxi, e fui carregando minha canequinha descartável em direção à porta, até que consegui deslizar para fora e me encaminhar para o lugar correto. Que mico, como diriam aqui. Lá contei para o pessoal, que achou muita graça, não sei se do meu embaraço ou da minha cara de pau. Bem, tentei colocar um albinho de fotos aqui, mas não consegui. Vou tentar fazê-lo no FB, mas só amanhã. Agora quero ler um pouco.

Monday, April 19, 2010

abraços de cá e de lá

Pois é. Ontem lá estava eu sob o sol (frio) de Kentucky. Hoje cá estou no sol (ameno) do Rio. Me despedi da cidade com um abraço. Free hugs, anunciava um casal na esquina em frente ao meu hotel, e pareciam pedir desculpas pela oferta de carinho. Eu estava na companhia de outra "panelista" — adoro essas nomenclaturas meio inusitadas — e abraçamos aqueles moradores de lá, e em nosso abraço estava o agradecimento por um fim de semana tão pleno, que se fechava numa nota gentil e carinhosa. Agora que chego em casa, encontro abraços virtuais, abraços da família, dos amigos. Coisa boa, começar assim esta semana, no dia de Santo Expedito, que mostra urgência em espalhar seus afetos pela cidade.
Assim que me organizar, colocarei as fotos da Conferência, muito mal tiradas com meu celular, e falarei de todas as boas lembranças que gaurdo de lá.
Mas agora, descanso um pouco. Mereço, andei tanto de avião!…

Saturday, April 17, 2010

Despedidas

Hoje foi o ultimo dia da conferencia e agora aqui estou eu, escrevendo num computador estranho, sem saber onde encontrar os acentos. Perdao. Deixei o Campus florido com saudade, mas a turma mais animadinha resolveu ir junta para tomar cocktails no "SkyBar", e, depois do cocktail, os remanescentes foram atras de um restaurante. As conversas ainda estao acontecendo, mas eu comecei a sentir muito frio, e resolvi voltar para o hotel. Um pouco arrependida, pois bem que gostaria de continuar na companhia do pessoal, tao simpatico, mas tambem contente de voltar e ter um tempinho para arrumar minhas coisas, e quem sabe ate escrever um pouco. Vou abreviar este post, dizendo que Kentucky agora tem um significado de alegria e de prazer para mim. Mas eu saoube isso desde que vi o Campus pela primeira vez. Afinal, a cor da Universidade e azul, minha cor favorita. Portanto, me despeco aqui com o grito de guerra do pessoal: SEE BLUE!

Thursday, April 15, 2010

Assistam, please

BOOK

Bom humor e tulipas em profusão

Depois de descansar, a vida sempre parece mais amena. Acordei de boa cara, cedinho, pois a conferência começava às 9h e eu nem sabia onde ficava a Universidade. Mas tudo correu bem: o dia estava lindo, e o Campus é deslumbrante! Fico com tanta inveja… As acomodações impecáveis, os jardins bem cuidados e os canteiros de tulipa gloriosamente floridos, se abrindo ao sol, me fazendo temer que amanhã eles já tenham começado a se desfolhar. E hoje de manhã todas estavam fechadas, em perfeitos ovinhos coloridos, equilibrados em cima de seus caules eretos, festivos. Na hora do almoço estavam todos já abertos, como bailarinas pousadas numa única perna, numa festa de saiotes tremelicando na brisa. 
As conferências estão acontecendo no décimo oitavo andar de um edifício bem no centro do Campus, o que nos permite uma vista deslumbrante. A cidade de Lexington ainda é pequena, mas já ostenta alguns poucos arranha-céus. A geografia da região é suave, ondulada como imagino que sejam os pampas. Campos muito verdes, cobertos pelo que eles chamam de blue grass, separados por cercas brancas. Os rios escavam seus leitos no terreno macio, e fazem desenhos caprichados de luz por entre o verde. As casas mais antigas, de tijolos vermelhos, ostentam lindos vitrais coloridos, parecem caixinhas de jóia. As ruas, desertas, de repente se enchem de carros saídos não sei de onde, e o trânsito se desenrola devagar, preguiçoso.
Na Universidade, são muitos os alunos, circulando em bandos agitados, talvez por conta do final de semestre (as aulas já terminam no mês que vem). Encontramos uma manifestação "artística" ou talvez "atlética"— uma chuva de bolinhas de gude despejadas sobre uma pequena multidão vestida de acordo com o calor do dia: shorts, sandálias e camisetas. No salão de almoço reservado aos participantes da conferência, muitos professores em seus tradicionais tweeds, comiam uma refeição simples, mas saborosa: presunto, vagem, batatas, frutas e tortas. Acabei preferindo a opção vegetariana, uma fritada de vegetais, que estava muito boa. E baldes de café, claro, pois há um Starbucks bem no Student Center! Sem filas! É o paraíso…
Falei um pouco e escutei muito. Incrível como descubro novos autores todas as vezes que venho aos EUA. E novos autores brasileiros, isso é que é de admirar. Novos para mim, é claro, que ainda não tinha lido nada de Fernando Bonassi nem de Miguel Jorge. E as discussões sobre antologias abriram novas perspectivas sobre as mesmas. Como temos o que ler a partir da própria biografia dos autores, das escolhas, dos períodos etc. Machado continua atraindo a atenção de todos, é um campeão! Ele e Clarice, que vai merecer toda uma sessão. E é uma delícia escutar todos os sotaques que falam um português ora europeu, ora brasileiro, ora despatriado, mas ainda com "sss" e "rrr" que denunciam terras de origem e saudades.
Fico sem saber se meu Callado despertou nos outros a mesma urgência que seus Bonassi e Jorge despertaram em mim. 
Outra surpresa: quando perguntei sobre o Kindle, não encontrei muito entusiasmo. Uma das professoras nem sabia o que era.  Mas, a mesma que desconhecia o aparato, mandava fazer PDF's dos textos para carregá-los em suas viagens, pois era muito mais prático… Acho que é uma questão de tempo. E, no entanto, foi com verdadeira volúpia que manusearam os livros de Callado que trouxe para mostrar. Livro é como vinil — quem é fã, é fiel.
Agora vou escrever um conto. Tenho que trabalhar, aproveitar meus tempinhos livres.

Wednesday, April 14, 2010

Kentucky sem fried chicken

Pois é. Cheguei. Um dia inteiro de viagem para chegar até aqui. Acordar cedo, fazer mala, ir para o aeroporto, esperar um voo, embarcar, voar, chegar em outro aeroporto, enorme, tomar trem para ir de um terminal a outro, esperar o outro voo, descobrir que seu voo está com overbooking, receber uma oferta de 400 dólares para tomar um voo para Cincinatti (Até que eu gostei da idéia,  mas onde é que fica Cincinatti?), embarcar, voar, chegar, tomar taxi, chegar no hotel e perceber que não há nada ao redor, que a cidade, aqui em downtown Lexington, parece abandonada. E, no entanto, as surpresas foram muitas. Ao chegar, descubro que caí na cidade da "concorrencia": a Lexmark é daqui e eu ainda me sinto vestindo a camiseta da Xerox. Mas depois pensei que as duas já andavam de noivado, são capazes de terem se casado e de agora serem uma coisa só. Eu é que estou por fora. Também vejo os campos e mais campos de "blue grass", e o enorme hipódromo, onde as corridas já começaram. Há retratos e posteres de cavalos por toda a parte, mas vi muito poucos animais e apenas lá de cima do avião. Por falar em avião, ao meu lado sentou-se um senhor, distinto, com um livro enorme, parecendo um tijolo: A vida de Einstein. O que será que esse homem tanto fez? A julgar pela grossura do livro, ele teve a vida mais intensa do que a do Rubinstein, com sua carreira internacional e suas várias amantes. Já no voo anterior, a senhora ao meu lado leu seu kindle a viagem inteira. E aí descubro uma das desvantagens do Kindle: o vizinho não consegue saber o que você está lendo. Ou será que isso é uma vantagem? Talvez para quem lê seja uma vantagem, mas os curiosos como eu ficam sem satisfação. E os autores perdem essa pequena propaganda de graça, que é seu livro sendo mostrado aos outros…
Estou cansadíssima, e vou para cama, descansar. Amanhã logo cedo começa a conferência e minha condução sai do hotel às 7:30. Depois conto as impressões do Campus.

Wednesday, April 07, 2010

Perdidona

Que dia é hoje?
Ja passei por tantas emoções, nervosismo, aeroportos, que estou perdida no tempo e no espaço. O pior de tudo é chegar ao destino e seu quarto de hotel não estar pronto: o que fazer? Aqui nesta terra não dá para sair a pé e dar uma voltinha. O hotel me convida a usar a piscina, mas como trocar de roupa? Não consigo abrir a mala, que está "em storage". Pensei em comprar um maiô, até cheguei a experimentar um na lojinha do hotel, mas os maiôs aqui são a coisa mais feia do mundo! Um calção e uma camiseta, uma coisa estranha, muito esquisita.  Comi sem vontade, só para ajudar o tempo a passar. Amarrei a cara, mas depois, pensei: por quê? Não adianta nada ficar emburrada, e é muito mais divertido ficar simplesmente feliz. Estou na dúvida se me deito no sofá do lobby e tiro uma soneca ou se vou tomar um café? O problema todo é o frio, pois o ar condicionado aqui nesta terra é sempre regulado por piguins na menopausa! Já está até começando a nevar ;-). Acho que vou tomar um chocolate quente para me aquecer e então dormir um pouquinho. Ou ler.

Tuesday, April 06, 2010

Coquetel no Aquário

Ontem fui à posse de D. Cleonice Berardinelli na Academia Brasileira de Letras. Inconsequentes e aventureiras, eu e mais duas amigas enfrentamos a chuva, a falta de táxi, todos os contra, para prestarmos nossa homenagem a uma extraordinária professora, que sempre admirei, embora não tenha sido aluna regular dela. Na platéia, meus professores: Marlene de Castro Correia, Margarida Alves Ferreira, Jorge Fernandes da Silveira, entre outros. E amigos, como o meu acadêmico favorito, o Secchin, de quem sou amiga há tanto tempo. As acadêmicas ostentavam o novo modelito do fardão, desenhado pelo Guilherme de Guimarães, que já teve criações mais felizes. Dona Cleo fez um lindo discurso, começando pelo verso de Claudio Manuel da Costa "Por que tão tarde?" Ela emocionou e impressionou a todos com sua voz forte e clara, sua disposição, seu ânimo. Creio que os 93 anos de D. Cleo não lhe pesam. O planeta Cleo tem outra gravidade!
Depois dos discursos e das emoções, o coquetel no aquário: as coberturas transparentes pareciam paredes de água e nós, iluminados e engalanados, exibíamos nossas escamas de festa num balé entre garçons e muita comida. Pois os convidados compareceram em número menor que o esperado, e nós tivemos um serviço ainda mais esplêndido do que esperávamos.
Hoje, olhando a TV, fico abismada de compreender o que enfrentamos. E os perigos que corremos. Só que agora, incorrigível, estou de malas prontas, esperando por um submarino que me leve ao aeroporto, pois estou de partida. Será que vamos? Conseguirei atravessar a cidade alagada e levantar voo?
Tudo dará certo, e eu escreverei, quando puder, já dos EUA. E até breve!

Saturday, April 03, 2010

Minhas amigas


Cris Nadruz, brincalhona, comentando um post meu disse que pensar cansa. Concordo. E ainda completo: cansa e nos trai. Houve um tempo, acredite quem quiser, que antes de beber o leite era necessário fervê-lo. Passei muitas manhãs de minha vida, me sentindo escravizada na frente de um fogão, aguardando o leite, impassível, que por sua vez, aguardava minha distração para se derramar por toda a parte. Eu ficava ali, concentrada na leiteira, tentando não pensar, apenas vigiar o leite, que demorava, aguardando seu momento exato. Bastava que meu pensamento se desviasse dele por um segundo, e já estava o leite derramado, queimado, grudado de uma maneira que depois exigia horas de esfregação. Mas, mesmo assim, aquele segundo de distração tinha valido a pena. Pensar é tudo de bom. Mesmo que exija sacrifícios sem fim. Pensar também pode nos livrar de broncas. Tive um chefe, Bill Maddox, que me ensinou muitas coisas. Uma delas foi quando ele me encontrou, um dia, distraída, pensando. Eu era tradutora, e estava com o texto aberto à minha frente, mas devia estar "viajando", sonhando com alguma coisa. Não vi meu chefe entrando e acho que até devo de ter me assustado quando ele me perguntou, em inglês, o que eu estava fazendo. Respondi, sem pestanejar, com a mais pura verdade: Pensando. Ele me sorriu e respondeu: "Esta é a única resposta que me deixa sem ação: pago a você para pensar. Espero que você esteja pensando no trabalho". Será que eu estava? Hoje sei que nossos pensamentos estão sempre ligados, vão formando uma teia que vira trama, que vira história, que vira livro, que vira vida… Tanto que agora, lembrando disso, lembro de minha entrevista com ele, minha primeira entrevista de emprego. Eu era tão novinha, estava tão assustada, e vestia um vestido amarelo clarinho que eu tinha acabado de ganhar no Natal. Era minha roupa mais bonita, embora não fosse, talvez, a mais adequada para ir procurar emprego. Já tinha falado com um cara do DP, que me levou ao chefão que queria checar meu inglês. Eu estava tão nervosa, mas fui falando, o Bill era um homenzarrão, muito simpático, e eu fui ficando mais à vontade até que ele me perguntou sobre meu "aikyw" Eu não fazia idéia do que ele estava falando, e fui respondendo meio evasiva, disse que não podia informar quanto a isso (até porque não imaginava o que fosse). Ele me ofereceu um cafezinho e eu aceitei, e continuamos a conversa e eu ia respondendo ao mesmo tempo que ia tentando descobrir o que era o tal do aikyw. Ele lamentava que no Brasil as pessoas desconhecessem o próprio aikyw, que nos EUA todos sabiam qual era o valor do seu, etc. , e eu de repente descobri que aikyw era QI, só que, em inglês, a ordem das letras era diferente. Mas não adiantava nada minha descoberta porque até hoje não sei do meu aikyw. Só que eu estava tão embevecida com a descoberta, satisfeita de mim, que peguei o cafezinho que me entregaram e, toda cheia de modos, de dedinhos delicados segurando a xícara com cuidado, segurando o pires com a mão esquerda, ao invés de levar o líquido até a boca, estaquei no meio e derramei o café no meu vestido. Claro que a entrevista se encerrou ali. Saí quase chorando, vestido todo manchado, achando que não era à toa que eu ignorava o valor do meu aikyw. Eu nem devia de ter isso! Cheguei em casa chorando, depois de ter atravessado a cidade num ônibus (o lugar era tão longe de minha casa!) Eles já tinham telefonado duas vezes para minha casa. Liguei, achando que queriam ter a certeza de que eu nunca mais apareceria por lá, mas foi o contrário. Eles me contrataram e traduzi todos os manuais de treinamento que Mr. Maddox queria adaptar do Jack-in-a Box para o Bob's. Foi a única vez que curti fazer tradução. Geralmente sofro muito, pensando nos tesouros escondidos em cada palavra, que não consigo ressaltar na tradução. Mas ali a linguagem era simples, o que eles queriam era motivar as pessoas a se comportarem pró ativamente. Tinha tido, uns tempos antes, uma campanha que dizia: Mexa-se, você pode mudar o mundo. E o manual dizia, a toda hora: Do it! Perguntei ao Bill se podia usar o mexa-se, e ele adorou!
Para terminar. Comecei com a foto da gata adormecida entre os livros, uma brincadeira com meus amigos de FB. Termino agora com esta estante meio maluca, deixo as conclusões para vocês!

Friday, April 02, 2010

Lições de amor (cont.)

Como ia dizendo, estou sempre ensinando que o amor é uma construção cultural. Será que estou caindo em contradição? Talvez não. Acho que desde sempre o amor foi uma coisa complicada para os seres humanos. Pois existe, estou convencida, um amor natural, que se aprende amando. E existem amores que são estabelecidos a partir do social, um amor susceptível a diversas influências do meio, da época, dos medos, das necessidades. O amor romântico, filho do amor cortês, que conhecemos hoje é bem diferente do amor que existia na Grécia e do qual nem posso falar, pois também não sei muito. Mas, se na Grécia o local do amor era no estômago, e hoje em dia o localizamos no coração, isso já basta para estabelecermos uma diferença primordial. O estômago é muito mais "víscera" que o coração. O coração, vital, sem dúvida nenhuma, é um órgão silencioso, que vai batendo dia e noite, e do qual só nos apercebemos quando alguma coisa está errada. O estômago é exigente, se faz presente pela fome, reclama dos excessos, se manifesta em sons inoportunos, se rebela e expele aquilo que não lhe cai bem. O estômago é uma preocupação cotidiana. Daí as complicações amorosas dos gregos. Se eles encafuavam as mulheres nos gineceus, se lhes recusavam o direito ao estudo e à filosofia, tiravam delas uma parte de sua humanidade. Não era de estranhar, portanto, que, na hora de amar, os homens procurassem os efebos. Ninguém, acho eu, sabe o que as mulheres procuravam. Aristófanes (que, a julgar pelas peças, olhava as mulheres com muita simpatia), mostra-nos mulheres inteligentes, que, apesar da reclusão, e da falta de "academicismo", eram tão sagazes e inteligentes quanto seus companheiros. Até mais! Vejam a peça Lisístrata, e o jeito como as mulheres "dão a volta" nos homens. E vejam como Xantipa põe a nu os ridículos de Sócrates na peça As nuvens. Mas, por favor, não me citem. Esses são só pensamentos desenvolvidos sem pesquisa nem comprovação. O melhor é ir procurar o livro do sociólogo/psicólogo italiano, que vem estudando o assunto há muito tempo. Me lembro de um amigo traduzindo o livro Enamoramento e amor. Galvão era professor da Escola Americana, e se apaixonou pelo livro. Ele, na época, estava numa enrolação amorosa, aqueles desencontros de que o amor é sempre tão pródigo. Primeiro, ela apaixonada, depois ele. Os dois nunca atingiram a simultaneidade. Mas não vou citar casos particulares. Borboleteio entre pensamentos e me lembro que esse livro o ajudou a sair da depressão do caso complicado. De repente, vale a pena ler as 200 "respostas" que nosso professor italiano nos oferece para o caso de paixão, amor e desejo (já carregaram o jornal, não tenho mais como conferir). E eu, em vez de estar aqui falando por falar, devia estar trabalhando. E é o que vou fazer agora, nesta tranquila Sexta-Feira da Paixão — mas, claro, preciso lembrar que paixão é sinônimo de sofrimento. E, no entanto, como desejamos esse tipo de sofrimento! Não é de admirar?

Lições de amor


O jornal me traz a propaganda de um livro de Francesco Alberoni, que se propõe a nos ensinar a amar. Eu me espanto: isso se ensina, assim, em livro? Pois sei que amor se ensina, mas de um jeito sutil, presente, cotidiano. O jeito "animal", sem racionalizações nem pensamentos (o mito já divorciava Eros e Psichê). O amor se ensina em sorrisos, em abraços, em olhares afetuosos. O amor se ensina na compreensão e no perdão. Se ensina nas lágrimas que derramamos por alguém e nas que são derramadas por nós. O amor se ensina num ombro que se oferece à nossa cabeça cansada e confusa. Num aperto de mão escondido. Num olhar que se ilumina à nossa entrada. Até os bichos são capazes de amar. Rabinhos abanando de felicidade, lambidas, sonecas entrelaçadas, o sofrimento paciente de um animal muito mais forte com um amiguinho menor e petulante que resolve testar seus limites.
E, no entanto, eu mesma repito, vezes sem conta, que o amor é uma construção intelectual. Como pode ser isso, oh mulher inconstante e confusa? Bem, tenho compromisso agora, mas depois volto a falar no assunto.

Thursday, April 01, 2010

Amizades

Como será que começam as amizades? O que faz clicar neurônios de um cérebro com outros de um cérebro distante? No decorrer da vida, fui encontrando pessoas e mais pessoas, mas algumas, quase que instantaneamente, identifiquei como "amigas". Não é que eu vá me entregando fácil, assim. Sou reservada, receosa, lenta. Mas há pessoas que, mal entro em contato, já percebo que um dia poderão ser minhas queridas amigas. Um brilho no olhar, uma palavra empregada com justeza, um gesto de delicadeza, são várias as metamorfoses dos "cavalinhos de Tróia" que arrasto para dentro de meu coração. Depois, troiana desconfiada, fico rondando em volta dele, esperando para ver o que vai sair dali. Às vezes nada. O Cavalinho seca e se desfaz em pó. Outras vezes, percebo a tempo que não se tratava de Cavalinho, mas de Quimera sedutora, porém, como toda quimera, sem mais valor que uma moeda falsa. Outras vezes, o Cavalinho se transforma num meigo Cavalo Marinho, silencioso e atento, embelezando minha vida, gestando idéias para compartilhar comigo. Fico feliz ao encontrar, nas minhas praias solitárias estes presentes de Posídon. Brancos e impetuosos, em movimento constante como as ondas que lhes deram origem; ou estáticos e medrosos como eu, observando o mundo em nosso redor, antes de se lançarem a galope nos prados da amizade; cansados e feridos, necessitando de pouso e de sombra; pôneis que galopam sem direção certa, pelo mero prazer de galopar, meu coração bate no compasso deles, e são eles que me mantêm viva. Obrigada, amigos e amigas! Os que já se revelaram e os que prometem, que fazem de minhas ruínas de Tróia um lugar onde ainda pode brotar a alegria.

Recriação

Acho que foi Marx quem disse que a história só se repete como farsa. E a criação? Esse diminuto Big Bang atrás do qual os cientistas andam sonhando, será que vai trazer alguma coisa de interessante? Comecei o dia com essa manchete, e agora vou terminando o dia, ou melhor, já iniciando um outro, escutando a TV gritar histórias de OVNIS. E, no dia 2, inicia-se o filme sobre Chico Xavier… Entra século e sai século e as profecias de Nostradamus continuam nos fascinando. A chuva cai lá fora e a gente se pergunta se nossos governantes contrataram a fundação Cacique Cobra Coral… Os jornais não deixam de publicar a coluna de horóscopos para que gente como eu possa saber o que esperar durante o dia, a semana, o mês.
Fico pensando aqui no que desejaria criar no meu big bang, se eu pudesse escolher. Tento lembrar do Gênesis, mas lá se vão anos que o li, e depois confundi tudo. Pois me lembrava de que "No princípio era o Verbo, e o Verbo era com Deus e o Verbo era Deus". Só que depois me disseram que não é o Gênesis que começa assim. O Genesis diz que no princípio Deus criou o céu e a terra. Concreto e simples. Prefiro a história do Verbo, dessa criação pela Palavra, que é criadora e criatura. Adoro pensar na escrita como numa brincadeira de Lego. Vamos juntando pedacinhos de sons e de sonhos e criamos um mundo. Muitas vezes o tal do Verbo se torna mais concreto que a vida em si. Vejam o exemplo de Sheherazade. Sua vida é a palavra que ela é capaz de proferir: se ela se calasse, a vida terminaria. Imaginem, então, a surpresa dos cientistas se, ao lograrem o choque das partículas subatômicas, tudo o que obtivessem fosse apenas uma palavra, definitiva. Teriam eles a coragem de repeti-la? Mesmo sabendo que tudo o que obteriam seria um Eco?
Já vou misturando mitos, é melhor ir dormir. Vou tentar sonhar com o anjo da história, não de olhos e gesto aterrorizados, mas com a fisionomia serena de quem se dispõe a contar/criar.