Monday, July 09, 2012

De Ítaca e outros sofrimentos


ÍTACA 
Konstantinos Kaváfis
(Trad. 
José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca, 
faz votos de que o caminho seja longo, 
repleto de aventuras, repleto de saber. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o colérico Posídon te intimidem; 
eles no teu caminho jamais encontrarás 
se altivo for teu pensamento, se sutil 
emoção teu corpo e teu espírito tocar. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o bravio Posídon hás de ver, 
se tu mesmo não os levares dentro da alma, 
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo. 
Numerosas serão as manhãs de verão 
nas quais, com que prazer, com que alegria, 
tu hás de entrar pela primeira vez um porto 
para correr as lojas dos fenícios 
e belas mercancias adquirir: 
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, 
e perfumes sensuais de toda a espécie, 
quanto houver de aromas deleitosos. 
A muitas cidades do Egito peregrina 
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente. 
Estás predestinado a ali chegar. 
Mas não apresses a viagem nunca. 
Melhor muitos anos levares de jornada 
e fundeares na ilha velho enfim, 
rico de quanto ganhaste no caminho, 
sem esperar riquezas que Ítaca te desse. 
Uma bela viagem deu-te Ítaca. 
Sem ela não te ponhas a caminho. 
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre. 
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, 
e agora sabes o que significam Ítacas.

Pronto! Esta Flip despertou minha veia poética, que andava calada, batendo devagar, "sem alarme", como no poema Áporo de Drummond. Ontem foi Adormecida, do Castro Alves. Hoje é a vez de Kaváfis e de sua Ítaca, um poema maduro, pois só mesmo a vivência nos permite aconselhar a não apressar a viagem.
"Uma bela viagem deu-te Ítaca", diz ele. Olhe a viagem, faz votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras e de saber… Que diferença da fala da jovem Luísa, que confessou que, ao ler Os sofrimentos do jovem Werther (de Goethe), perdeu o interesse logo na página 20. "Ele ia se suicidar, por que demorou tanto"? – perguntou, perplexa. Ora, senhora dona romancista, o final, Ítaca, é sempre pobre. É a jornada para Ítaca que interessa, é a jornada que é a narrativa de que precisamos. E, se a história é a história de um morto, esta é sua única forma de vida…
Depois de ter falado numa das duas sessões em que tive a palavra, uma pessoa da plateia levantou-se e veio me dizer: "Adorei o que você disse. Não sei bem o que foi, mas senti que me tocava". Um outro poema me vem à mente:
"Ora, direis, ouvir estrelas!  
[…]Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
 

Falta-lhe amor, senhora! Ame que me entenderá. Pois o poeta revela:
"Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor".

Amar o quê? Amar a quem? Meras Ítacas, razões para sofrer. Mas é assim, de sofrimento em sofimento, nesta viagem amorosa que nos vem o entendimento… Ou talvez apenas as ilusões…

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