Thursday, September 30, 2010

Vidinha morna

Leio o jornal que me anuncia um planeta onde a vida é possível. Nomezinho difícil de guardar, 581 g, circulando em volta de uma anã vermelha, continuo a leitura para saber que, uma vez que ele insiste em mostrar sempre a mesma face para a anã Gliese, a vida ali se desenvolveria na região da penumbra, com temperaturas amenas. Uma vidinha morna, no lusco-fusco, acho que muitos de nós já encontramos isso por aqui. Mas acho que todos nós procuramos alguma coisa além desse ramerrão estrelar. Mesmo aqui na Terra, nosso lindo balão azul, tem gente vivendo nos locais mais improváveis de todos. E bicho! Lá na Antártica os pinguins nos dão lições de responsabilidade, as focas, de persistência, e até o bicho homem já anda se metendo por lá, mesmo sem ser chamado. No deserto, se a gente cavucar, acha alguma cobra, algum escorpião, às vezes até um bicho de sangue quente. E homens, cavucando para encontrar bichos, ou água, ou petróleo, ou apenas passando por ali, como quem não quer nada. No alto da montanha ou no fundo do mar, lá onde a gente achava que podia ficar sossegado – nada disso: homens e bichos, plantas e insetos, alguma coisa sempre se adapta e adota o lugar, por mais inóspito, como moradia. Mas tem gente que quer mesmo essa vidinha quieta, nem sol nem chuva, sem paixões nem emoções. Daí que não duvido nada que, daqui a algum tempo, esses nossos irmãos se reúnam nalguma astronave e partam para Gliese 581g, que até lá já deverá ter mudado de nome, para alguma coisa do tipo Promenade Espacial ou Elysées Stars, ou Resort do Meio. No entanto, antes de esses tipos chegarem, uma turma de inquietos exploradores já terá ido fazer contato, com suas caravelas espaciais Glenda, Maga e Circe, homenageando heroínas de Cortazar, só porque Cortazar me parece surreal o bastante para explorar o espaço com suas personagens. E, lá chegando, depois de mandarem notícias animadoras para seus patrocinadores na Terra, se dispersarão, procurando ou o eterno dia de "581" ou a fria noite de "g", onde algum já terá a suspeita de encontrar um palácio de diamantes, numa cidade de habitantes de ouro cujas peles, de tão polidas e brilhantes, dispensa um brilho que supre a falta do brilho do sol… Dos habitantes originais de Gliese 581g, poucos sobrarão, dizimados por alguma epidemia de gripe suína que os transformarão em porcos que servirão de alimento aos novos colonizadores. E, muito em breve, algum líder barbudo estará anunciando a prospecção de petróleo, ou algum líder careca estará avisando da necessidade de controle de imprensa e de pensamento: em Gliese, só será permitido o pensamento positivo, e todos aqueles que pensarem diferente deverão ser executados, ou transferidos para os campos de trabalho nas regiões de clima adverso e:…
Acho que a gente já conhece essa história, por isso não vou repeti-la. Fico aqui, desejando a todos um feliz dia das Secretárias (de Borges e de todo o mundo), Feliz dia de Santa Teresinha de Lisieux, feliz aniversário, feliz casamento, feliz viagem intergalática!

Sunday, September 26, 2010

Be Stupid

No último post, falei do anúncio do ônibus, atrás do qual estava engarrafada. Hoje me lembro da propaganda idiota que vi antes de viajar, de uma marca dessas de griffe, ali no São Conrado Fashion Mall. Be stupid. Redundância, né? Os bobões que se espremem todos para entrar nas roupas de griffe, depois de espremerem suas contas bancárias para pagar essas marcas, não precisam da ordem "be stupid". Antes de continuar, deixe-me avisar aos que não falam inglês, que, apesar das semelhanças com estúpido, stupid seria melhor traduzido por burro. Ou idiota. Uma besta quadrada… enchendo de dinheiro os espertinhos da marca em questão. Que estão se achando ainda mais espertinhos por terem contratado (e provavelmente por uma estupidez de dinheiro) uma empresa de propaganda cujos "artistas" devem estar achando que, ao contrário do que ensinava Churchill, é possível enganar todo o mundo, todo o tempo. Menos os irremediáveis "smart", que insistem em pensar…
Mas, estupidamente, digo: DANEM-SE as bestas e os espertos! Tenho mais o que fazer. E, de tal maneira me resguardei dessa bobagem que agora, de volta de viagem, nem sei se a propaganda continua sendo feita. Passei por aí e, se vi, não notei mais. Essa é uma das minhas qualidades: consigo desligar grande parte das coisas que não me interessam. Nem tudo. Mas uma boa parte.
Mas guardo no coração e na memória as coisas que me emocionam. E, generosamente, me agrada compartilhar essas emoções e belezas que vou encontrando pelo mundo afora ou, às vezes, bem pertinho de mim: hoje descobri um amigo do meu amado Gui que faz parte de uma corrente de leitores. Amigos que compartilham livros e que, ao final da corrente, "esquecem" o livro em algum lugar público, frequentado por pessoas que gostem de ler, com uma dedicatória para o leitor desconhecido que, ao terminar sua leitura poderá optar por "esquecer" ou mesmo guardar o livro. Costumo fazer isso em aeroportos, em agradecimento a um livro que encontrei, uma vez, esquecido numa poltrona. Estava esperando um voo atrasado, num aeroporto de uma cidade pequena dos EUA, que não tinha nem uma banquinha de revista, por incrível que pareça. E eu estava sem nada para ler, desolada, sozinha, com frio e fome, esperando que as condições atmosféricas melhorassem. Aquele livrinho esquecido salvou minha vida. Ou, pelo menos, manteve minha sanidade naquela ocasião. O livro era um thriller qualquer, tenho uma vaga lembrança de uma estória de assassinato passada numa cidade do meio oeste americano. Nada que me desse vontade de guardá-lo depois. Aprendi a deixar livros para trás ali. Agora, sempre deixo livros e revistas nos aeroportos por onde ando. Mas essa coisa sistemática da corrente me encantou. Ainda mais porque fiquei salivando ao saber que eles esquecem coisas como Pynchon e outros piteus… Vou passar a ser mais generosa e levar para os aeroportos alguns livros que merecem ser apreciados, ao invés de deixar apenas best-sellers. E com uma dedicatória: "Don't be stupid. Be kind."

Saturday, September 25, 2010

Tempus fugit


Quase uma semana… Produzi algumas coisinhas: revisão da tradução da Secretária de Borges, que sai dia 1 de outubro na WWB, aulas, início da palestra para Juiz de Fora, atendi alguns compromissos pessoais, até mesmo fui ao cinema e ao teatro. Nestas andanças, fiquei engarrafada atrás de um ônibus que anunciava mais um desses livros milagrosos: Pense e fique rico.
Sim, eu sei, fui criada numa família que me garantia que a maior riqueza era aquilo que aprendíamos, que ouro e riqueza desaparecem, mas o que aprendemos fica para sempre… Agora, já avistando o fim da linha, sei que não é bem assim. Até o conhecimento se esvai, infelizmente. Mesmo quando não somos acometidos por doenças avassaladoras, que nos comem metade, ou mais do cérebro (e isso em qualquer idade, uma amiga foi fazer uma cirurgia boba, remoção de um quisto, pegou uma infecção hospitalar, e lá se foi sua memória, levada por alguma bactéria. Esqueceu do namorado, dos estudos, dos colegas de trabalho, das viagens… muito, muito triste!) Mas, mesmo quando não se trata de uma doença, nosso próprio conhecimento se transforma em coisas obsoletas. Por exemplo: de que me adianta ter aprendido a usar um videoK7, se hoje eles já nem existem mais? Para que me serve o conhecimento dos CDs, se agora só usamos MP3? Num livro infantil, a Casa de Ninoca (nada assim tão antigo), perguntei ao meu parceirinho de leitura, onde estava o telefone. Criança inteligente, ele não soube me mostrar. Fiquei admirada, e apontei o desenho, perguntando: Isso aqui o que é? Ele não sabia. Insisti, mostrando o desenho tão claro, com o corpo sólido onde o dial ostentava sua roda de números equilibrando um fone que parecia um alteres: Não é esse o telefone? Ele olhou para mim, exclamando: Claro que não! Telefone é assim!, e mostrou o microscópico telefone sem fio, equilibrado em sua base, que estava sobre a mesa da sala. E esse era o telefone fixo, quase do tamanho do celular, totalmente diferente daqueles telefones do passado, onde aguardávamos, com paciência, que o giro dos números discados se completasse corretamente, enquanto os músculos de nossos braços se fortaleciam, passando o pesado fone de uma mão para outra. "Colocar o fone no gancho" é uma frase de época, vejam só!
Mas há lugares onde o tempo parece seguir um ritmo menos agitado. Parece que os dias se solidificam nas pesadas pedras dos monumentos, ou nas preguiçosas águas de um rio dourado pelo sol.


A bela Firenze, em alguns relances, nos parece imutável. No burburinho das ruas, no entanto, logo mudamos de opinião. Há mudanças, é certo. Mas o tempo resiste, entrincheirado nas pontes, nas ruelas estreitas, nas igrejas silenciosas. Sim, ainda existem dessas igrejas sombrias e quietas. Mesmo assim, algumas já sofrem as marcas do tempo: Por exemplo, a "igreja de Dante", um pequeno templo feioso, a dois passos do museu que afirma ser "a casa de Dante", ostenta cartazes e fios de alarme, tudo por causa da violência cometida contra o pobre Cristo Crucificado. Acabados os tempos da delicadeza, onde os pais ensinavam aos filhos que não se devia bater em quem não pudesse se defender, o crucificado virou alvo fácil, dentro de uma igreja vazia, pouco frequentada. Somente eu apareci por lá, e parei por um momento frente ao túmulo de Beatriz, uma laje tosca, sem embelezamentos, onde alguém depositou flores de plástico. Quis recitar de memória um versinho… não lembrei de nenhum em que ela fosse o eixo. Imperfeita como sou, favoreço a história de Francesca, desencaminhada por um livro. Afinal, é nesse inferno que minha alma se consome…
Anteontem à noite, a lua me deixou maravilhada: Lua cheia, inaugurando a primavera… Ontem à noite, a lembrança da Lua me fez sentir saudades do tempo em que me aninhava entre braços amorosos. Ao invés de perdição, porém, a salvação veio na memória de um livro: recordei os versos de Drummond: "mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo". Passou. E lá fui eu ao teatro, ver como a vida pode ser chata. Com a lua escondida e o espírito embotado pela peça, voltei para casa e dormi. Não sem antes pensar no nome do livro indicado pelo ônibus. Pense e fique rico. Nos tempos de minha infância, as coisas eram diferentes. O ditado popular rezava: "pensando morreu um burro…"




Sunday, September 19, 2010

Diário de viagem


Tenho fotos e lembranças para compartilhar, mas não tenho tempo para selecionar e escrever! A vida é sempre assim, uma negociação. Se viajo, trago muitos assuntos, mas os trabalhos se acumulam, e, na volta, tomam todo o tempo em que poderia estar escrevendo. Mas, vamos lá, vou roubar um pouquinho de tempo das tarefas. Afinal, hoje é domingo, e preciso me dar algum prazer…
Falar um pouquinho da Itália, para não deixar a viagem cair no esquecimento, vamos começar por aí.
Em primeiro lugar, por que voltar a Itália? Tinha ido lá em maio… É verdade, mas não me perguntei isso na hora de requisitar a passagem. As milhas estavam lá, dando sopa. Não tinha passagem para Paris, mas havia para Milão. Fechei os olhos e lembrei do Duomo, belo e branco, imponente em sua praça enorme, em suas infinitas espirais. Voltei, e fiz muito bem de ter voltado. Mas agora tomei algumas decisões, ciente de que decisões são tomadas para depois serem revistas: Não vou mais viajar assim de impulso. Gosto de ir aos lugares com a expectativa de fazer programações culturais que aqui são muito raras ou impossíveis. Então, agora, só viajarei quando houver temporada de ópera, peças de teatro, ballets estreando, concertos que prometem ser inesquecíveis. Desta vez, Milão não tinha Scala - mas tinha Fórmula 1: não é a minha praia, mas deixou a cidade absolutamente vibrante, como há muito tempo não via uma cidade tão festiva. As ruas de Milão pareciam festas, um enorme coquetel para o qual todos os habitantes e turistas tinham sido convidados. Resultado: as pessoas mais lindas circulando, os sorrisos mais belos enfeitando faces já belas. As vitrines estonteantes, vendedores esfalfados, mas pacientes, longas filas nos caixas, mas sempre um lugar nos bares e restaurantes onde a gente se deixava ficar até tarde, esperando o crepúsculo que tardava a chegar. A gente esperava, o corpo refrescando junto com o dia, e, de repente, sem que conseguíssemos perceber quando, a noite tinha chegado. O céu ainda estava iluminado, mas as silhuetas se recortavam escuras contra aquela luz, que já não iluminava. E logo aparecia uma estrela, como um cão, inquieta, cintilando muito. Depois se aquietava e adormecia, entre outras estrelas chegadas mansamente, como gatos. Na falta de lua, eram elas que indicavam nosso caminho, depois das taças de vinho que deixavam nossos olhos sonhadoramente embaciados. No hotel, os lençóis, tão macios, abafavam nosso suspiro de cansaço, ao nos acolher para a noite, que só durava um instante. Logo chegava o sol para nos chamar lá para fora.
Além de Milão, ainda tive Florença, Roma e Veneza. Destas três irmãs, Veneza é a que se desencaminhou. Gasta, prostituída, abastardada em uma paródia de si mesma, mesmo assim ela me recebeu bem: a grande regata histórica, o festival de cinema, ela bem que tentou me seduzir. Mas suas ruas superlotadas de turistas de quinta, seus camelôs abarrotados de tesouros venezianos "made in China", seus músicos descuidadamente desafinados e o tempo frio e chuvoso fizeram que ela fosse preterida em favor das outras cidades irmãs, exibindo suas belezas gloriosamente banhadas de sol. No entanto, para que não digam que briguei com a cidade, a foto do início mostra o lado sem andaimes da Piazza de San Marco. A catedral proustiana e os mouros carpentierianos, juntos na mesma foto…
Volto em breve, com fotos e mais comentários.

Saturday, September 04, 2010

O verbo viajar

Este deve ser o verbo que mais conjugo: estou sempre viajando! Desta vez, sem computador, nao tenho conseguido atualizar o blog. Este post eh soh para que meus leitores do coracao saibam que estou por aqui, na Italia, e que daqui a mais uma semana voltarei a escrever. Aqui nao me animo, pois alem de os computadores nao terem acento, fico ansiosa para sair para passear... Vou andar por aih. Mas volto em meados de setembro. Prometo!