Friday, March 27, 2009

Radiohead e pianíssimo

Alguns desaparecem completamente graças ao Radiohead. Aposto que meu amigo André foi ao show, em Sampa. O Dapieve, que não é meu amigo, mas não deixa de ser, já que me visita pelas páginas de O Globo, foi e se deslumbrou. Ele fala em 20 mil pessoas assistindo ao show. Eu nem preciso de tanta plateia para desaparecer completamente: 2 mil já me fazem sumir. E ainda menos: deslizo por entre algumas pessoas de locomoção difícil e me sento numa poltrona da Cecília Meireles, para assistir a um pianista. A lotação da casa não estava esgotada, éramos um grupo pequeno, sem os encontrões nem o nervosismo de casa cheia. Acho que ali estavam muitos estudantes de música, pois pelos corredores ouvia aqueles jovens cantarolando as peças de Ravel e de Schumann. Entusiasmamo-nos com o Liszt, uma peça que é difícil, e que chama minha atenção graças a seu título: Após a leitura de Dante.  Confesso que meu Dante não é muito musical, mas entendo bem que seu poema estimule músicos. Eu, que nem sei italiano, só dou umas arranhadas porque sempre fui assim metida, querendo ler tudo o que encontro escrito em caracteres que conheço, ao ler minha edição bilíngue da Comédia me deixo encantar com a musicalidade dos versos. Aquela terza rima, que ele inventou, parece música, e me faz compreender como a poesia, em suas raízes, está firmemente ligada a ela. E me lembro daquela famosa canção do Henrique VIII, Autumn Leaves. Outro dia estava defendendo o Henrique VIII, falando de como ele era excepcionalmente inteligente. Muitas pessoas não lhe reconhecem o talento de estadista nem suas habilidades sociais (as social graces, do inglês). Lembrem-se da ordem da jarreteira, com sua maliciosa origem, uma liga entregue em público, com a frase, em francês: Honi soit qui mal y pense. E desta melodia, uma das mais belas e suaves, que agrada a todos os que a escutam. Os príncipes, antigamente, eram assim: educados. Aprendiam a falar várias línguas, aprendiam música, estudavam métrica, filosofia, e ainda faziam exercícios e tinham tempo para dançar na corte. Mas suas vidas eram dureza. Nada de banhos, nem sequer de banheiros. E os deslizes eram pagos com terríveis castigos. Esse rei acabou entrando para a história como fedorento e gordo. Ele devia ser diabético, com aquela ferida que nunca cicatrizou, desde os tempos da Bolena. Mas quem é que não fedia naqueles tempos de antanho?  Até hoje, na Europa, nossos narizes se ofendem na multidão…
Eu e as digressões! Volto à Cecília Meireles e confesso que a peça que mais me encantou foram os pequeninos retratos musicais de Ravel. Adoráveis  descritções, uma Ondina mergulhando num mar azul, um sino tocando tristemente, um gnomo rodopiando como um pião, atrapalhando o sono de uma criança assustada. Gostei de tudo, inclusive da bela cabeleira prateada do pianista, de seu jeito abrupto, meio tímido, de atacar logo o piano, desaparecendo completamente e deixando, em seu lugar, as notas bailando enlouquecidas, penetrando nossos corpos sem cerimônia e se instalando em nossos corações, colonizando nosso ritmo vital.

Thursday, March 26, 2009

Cigarras

Falei do coro da Butterfly que me parecia asinhas de insetos, e por coincidência, recebi um e-mail de um amigo poeta, Henrique Rodrigues, com poemas de Olegário Maciel, sobre cigarras.
Esses insetos que tantas vezes serviram como metáfora aos poetas, os artistas que morrem de tanto cantar, me entristeciam tanto, que eu chorava nos finais das tardes de verão, quando o som das cigarras parecia tornar o ar mais espesso, quase irrespirável. Aquilo me penalizava, como aquela fábula da Cigarra e da Formiga me revoltava. Nunca vi uma fábula mais odiosa, mais pequeno-burguesa que essa! Mas não sou especialmente fã de cigarras. Nem mesmo quando elas apareceram na forma de revista A cigarra, que acho que eu era muito pequena para ler. Houve um tempo, há tanto tempo, meu Deus, que o Rio foi invadido por insetos inoportunos e chatos, que o pessoal chamava de lacerdinhas. Aquilo caía em nossos olhos e fazia arder, era horrível. Se era horrível para as crianças, para as mulheres maquiadas era ainda mais, pois os insetos as faziam chorar, e o choro borrava sua maquiagem, vivemos, por um tempo, numa cidade de zumbis: mulheres de olhos derretidos, impressionantes. Houve um outro inseto, acho que nesta mesma época, que era só incrivelmente chato, mas não me lembro de um mal que ele causasse: uns besourinhos verdes que ficavam parados no ar, batendo muito as asas, trombando na gente, pois ao contrário dos outros insetos, esses não se afastavam quando nos aproximávamos. Era um pavor ser criança nesta época, e estar firmemente segura pelas mãos de algum adulto responsável, que nos arrastava para uma trombada inevitável com os monstrinhos, embora nos estorcêssemos, tentando escapar... 
Costumava dizer aos meus alunos que eu era da pré-história (e agora? tem acento? tem hífen?) da humanidade. Mais uma prova disso é ter vivido num tempo em que não havia água no Rio. E, de tarde, não havia luz. Minha mãe, que era uma pessoa, digamos, diferente, achou uma saudável ocupação para mim no horário sem luz: aulas particulares com uma professora que morava no décimo-segundo andar. Lá ia eu, com uma vela, subindo as escadas malcheirosas do prédio (naquele tempo as lixeiras ficavam nas escadas, e ninguém usava saco-plástico para embalar o lixo, que era despejado embrulhado em jornal velho). E eu nem precisava de aulas particulares, já que nunca tive problemas na escola. Não era aluna brilhante (só nas coisas que eu gostava: 10 em ciências, 10 em desenho, 5 em matemática, 5 em geografia) Naquilo que eu achava chato, só obtinha a nota mínima. No que eu gostava, só ganhava 10. Deixo o português de lado porque nesse eu me safava graças à redação. Sempre fui muito boa de redação, mas não queria saber de gramática. Escrevo sem maiores erros gramaticais porque leio muito, mas é só me perguntarem uma regra específica para descobrirem que não sei nada de português. Por exemplo: magestade ou majestade? Escrevo as duas, olho e respondo, segura: com J! Mas, se não escrever, não faço a menor ideia. Sei que jeito é com j pois deixei de ganhar dez numa redação graças à ele. A professora me descontou UM PONTO INTEIRO, por esse meu único erro, e foi irredutível, e eu nunca mais esqueci que jeito era com j.  Aprendi, também, a palavra arbitrariedade, nesta mesma lição...
Por falar em arbítrio, ontem assisti a um ótimo filme: Frost/Nixon. Fiquei fascinada pela caracterização dos atores. Vale a pena conseguir um horário para assistir o filme que se esconde em sessões quase impraticáveis.

Wednesday, March 25, 2009

Madame Butterfly

Acabo de chegar da sessão de cinema que nos mostrou a deslumbrante montagem de Mme. Butterfly no Metropolitan. Que beleza!
Chorei desesperadamente, como há muito não chorava no cinema, as lágrimas gordas e quentes descendo sem parar, e eu tentando não fungar, para não atrapalhar o resto da plateia. Que ódio me deu do Pinkerton! Que reação, que nem eu mesma consigo entender, pois essa era uma das óperas que mais se ouvia lá em casa. E eu já assisti mais de uma montagem, mas nenhuma tão bela quanto essa, diga-se de passagem.
Estou aqui, triste demais para poder ir dormir, cantarolando áreas e relembrando cenas e detalhes. Aí lembrei que há muitos anos, comecei a escrever um poema para a Butterfly, mas fiquei empacada, igual ao Bentinho, com seu soneto "perde-se a vida, ganha-se a batalha…" Eu lembro de um verso: "Somente aos quinze anos se sabe amar" Não me lembro se escrevi mais alguma coisa, mas sei que nunca terminei, embora soubesse exatamente o que queria dizer: a gente só consegue amar, se entregar, confiar, quando se é muito jovem, sem maldade. Na nossa inocência não vemos a possibilidade do mal. E mergulhamos de cabeça, avançamos sem couraça, achando que a emoção que sentimos resgata o mundo. Todo nosso corpo reage, o sangue acelera, a respiração falta, as mãos tremem e ficam geladas. Encontrar com o amado, mesmo quando a gente sabe que ele vai estar naquele lugar (no colégio, ou na festa) provoca uma comoção. O coração pula uma batida, ou mais, nossas pernas bambeiam e precisamos nos segurar para não cair. Somos capazes de loucuras, mas também somos muito tímidos, inseguros, e às vezes nunca encontramos a coragem de abordar o alvo de nossa paixão. O primeiro beijo, então! Finalmente experimentar o gosto do amor, mas totalmente incapacitados, exagerando nos trejeitos, ou mantendo-nos tão rígidos que corremos o risco de quebrar os dentes e até a própria língua, que se transforma numa inconveniência...
Bem, claro que falo isso a partir de minha experiência, ocorrida num tempo muito mais doce, muito mais suave que o de agora. 
Sempre fui complicadinha, querendo encontrar a perfeição onde só se pode encontrar humanidade. Pobre Butterfly. Leal, entregue, vencida, achando que não exigia nada quando sua demanda era muito maior que seu amado. Um canalha, aquele Pinkerton, mas os homens, na época, se davam esse direito de serem canalhas. Se eu fosse escrever o libreto, minha vontade era de fazer o B.F. Pinkerton estourar os miolos de remorsos. Só que ele é tão canalha que vai levar uma vida fracassada, criando o seu japonesinho louro, bebendo todas para esquecer que uma mulher muito melhor que ele, por tê-lo encontrado, tinha sido destruída.
Mas vejam a safadeza do Puccini, colocando o nome do canalha de Benjamin Franklin e o do navio que o transporta de Abraham Lincoln...Para bom entendedor…Eles estão sempre escondendo os interesses pessoais atrás de símbolos da democracia. Aparecem cheios de grandes palavras, mas no fundo, só o que querem é mesmo f&*er os outros!
Bem, acho que o sono, finalmente, vem chegando. Queria um coro de anjos assim, como o coro que acompanha a Butterfly ao seu "cadafalso". Aquela música parece as asinhas dos insetos numa tarde de verão, não acham?

Tuesday, March 24, 2009

Defesas

Fui assistir a uma defesa de tese. Mestrado, ainda, mas todo o nervosismo já estava presente. Éramos poucas pessoas. A família da candidata, duas colegas, outras tantas amigas... Fiquei pensando na minha vez, tenho a certeza de que a família não vai querer ir. Aposto que não vão, mas pode até ser que me surpreenda e eles apareçam, carinhosos, belos, enchendo a sala, já que são muitos. Algumas amigas irão, e o sorriso delas vai me sustentar, mas o sorriso que me amparava mesmo não vai estar lá.  Eu, depois de ter me desesperado até a medula, estarei sentadinha na mesa, atrapalhada com o texto que lerei e que cumprirá, rigorosamente, os 20 minutos, ou 30, ou o que me destinarem. Sou muito cuidadosa com a cronometragem, pois odeio ser chata. Até aí tudo bem. Mas, quando chegarem os comentários e a arguição, já sei que vou me atrapalhar. Muito nervosa, não vou conseguir anotar nada, nem acompanhar o que as professoras estarão dizendo. Vou ficar com vontade de chorar, ou com raiva de mim mesma, por ser tão confusa. Vou beber água, minha garganta vai secar. Mas só uma coisa vai me consolar: o fato de que não vou ter mais que olhar para a cara da tese! O pior é que vou, pois terei que incorporar as recomendações e acertar os problemas levantados pela banca. Mas terei conseguido fechar essa página de minha vida. Estou tentando terminar todos esses capítulos que deixei em aberto, ansiando por terminar essa obra e descansar a caneta, os olhos, os dedos. Bem sei que não escrevo com caneta, mas é uma metáfora, aceitem-na.
E torçam para que meu banquete não seja indigesto.

Sunday, March 22, 2009

No que pensa o maestro?

Esta semana foi muito atribulada. Doenças, doenças, atrasos, prazos. Eu estava bem, era minha filha que sofria, e, de certo modo, isso ainda é pior.
Hoje, depois de bons resultados de exames, de entregar tudo o que precisava dentro dos prazos, lá fui eu para a Cecília Meireles, assistir a um concerto. Mendelssohn, com direito a Marcha Nupcial e tudo o mais! Grandiosa, cheia de metais e pesada, essa marcha nupcial sempre me fez desconfiar que foi escrita não para o casamento dos príncipes, mas para o de Titânia, rainha das fadas, com Bottom, o atrapalhado ator com cabeça de burro. Minha amiga perguntou se foi essa a música de meu casamento, mas não foi. Na verdade, não lembro de música em meu casamento. Lembro da beleza da Igreja – O Mosteiro dos Jerônimos e seus arcos lindos. A Igreja sem ornamentação, pois não quisemos nada. Na verdade, eu e Gui nos casamos meio que num sonho. A festa foi feita para agradar aos pais dele e à minha mãe. Ele e eu, tão apaixonados, flutuamos até o altar, repetimos aquilo que nos mandaram repetir e saímos, depois de inúmeras fotos, já envolvidos numa conversa que só terminou com a partida dele.  Nem meu próprio vestido de noiva escolhi. Foi um presente de minha madrinha, a Mara, que também vestiu branco. 
Música? Talvez houvesse, mas talvez não seja de praxe nos casamentos em Portugal. Houve uma procissão, pois é o costume, e eu fiquei muito desconcertada com isso, ao descobrir, quando cheguei na Igreja, que estavam todos do lado de fora me esperando para entrar. Então, foi assim que entrei na Igreja, nos braços de meu amado, confusa, achando aquilo tudo tão teatral, seguida por um pessoal que eu nem conhecia. Meus convidados eram apenas minha mãe e meus padrinhos. Sim tinha alguns amigos, mas, pessoas que eu tinha conhecido 6 meses antes, ou até menos tempo. 
Depois fomos a pé para a festa, num restaurante ou casa de festa que parecia um castelinho, paredes grossas, janelas ogivais. Umas amigas de minha sogra me levaram para o banheiro e tiraram minha grinalda, o que irritou a minha mãe, que brigou comigo.  Eu tentei dizer a ela que por mim nunca mais tiraria aquela grinalda, pois estava me sentindo linda vestida de noiva, mas ela nem me ouviu. E eu fiquei triste, mas nem tive muito tempo para ficar triste pois o Guilherme não esperou pelo jantar e meio que me raptou da nossa festa e fomos, risonhos e confiantes, para nossa lua de mel. 
Eu e minhas digressões...
Pois vim escrever para falar do concerto, e da impressão que o Karabtchevsky me causou. Vou a concertos desde muito cedo, ia sempre ali na Cecília Meireles e na época ele era o maestro da sinfônica. Tinha amigos que tocavam na sinfônica. Assisti os concertos do Nelson, do Arnaldo, que na época competiam. Aliás, acho que competem até hoje, mas o Nelson ficou mais conhecido aqui no Brasil, ficou mais "brasileiro". 
Minhas amigas Suzana e Elza tocavam piano. Outro Nelson também era pianista. E eu vivia naquele meio, sem tocar uma nota, mas amando escutar, idolatrando aqueles pianos de 1/4 de cauda ou de 1/2 cauda que enchiam as salas dos apartamentos grandiosos, em Copacabana ou Flamengo. Olhava aquelas partituras e discutia méritos de professores: Miriam ou Arnaldo? Familiarizava-me com Rachmaninoff e Brahms, sufocava meu amor por Tchaikovsky, aprendia a conhecer Kachaturian de nome, eu que antes só o conhecia pelas danças. pois meu amor pelos clássicos começou pelo ballet. Como eu adorava ir assistir ao ballet, fosse no teatro, fosse no cinema!
O Karabtchevsky foi o primeiro maestro que conheci. Casado, na época, com a Maria Lucia Godoy, ele era o amor de minha amiga Suzana, que, talvez uns dois anos mais velha do que eu, estava apaixonadíssima por ele, que a ignorava. E eu escutava as confidências, sentia suas mãos geladas, via seu corpo estremecer de emoção, e a consolava, dizendo que um dia o maestro ia perceber que a Maria Lucia era muito feia, e que ela, Suzana, tão linda e tão jovem, era a mulher da vida dele. Era só uma questão de tempo. Um dia ele escaparia do feitiço da cantora e se apaixonaria por ela e eles seriam felizes para sempre. 
Não sei até hoje o que aconteceu. Mudei de colégio, deixei de frequentar a Cecília Meireles, mudei de país, e muito depois encontrei a Suzana casada, com dois filhos que estudavam no colégio militar e tinham orelha de abano. Ela estava esperando que eles atingissem a idade correta para fazerem a correção. O marido, se não me engano, era militar. E eu fiquei pensando na novela de Guimarães Rosa, Noites do sertão. Amor é bom, mas vida é vida, e é também urgente.
Bem, não sei o que o maestro pensa, nem o que pensava na época. Provavelmente pensava no que ia comer depois do concerto, ou no próximo passo em sua carreira.  Na hora em que regia, na hora que rege, acho que ele sente, vibra, pensa em notas e ritmos, em coisas que nunca conseguirei pensar, já que, infelizmente, não tenho esse talento.

Monday, March 16, 2009

Voo sem paraquedas

Esse fim de semana, com alguns amigos batendo papo aqui em casa, todos ligados, de um jeito ou de outro aos afazeres literários, foi inevitável que a conversa recaísse no acordo ortográfico. A doce Natércia, saída da pureza dos versos de Camões, reclamava dos hífens: Alguém antes da reforma havia se preocupado com os hífens?, ela perguntava, e respondia em seguida: Ninguém! Mas agora todos estão preocupados com eles.
O Márcio, filho do autor de Casa da mãe Joana, educado por um pai cujos conhecimentos gramaticais excedem os dos comuns mortais, defendia os acentos e tremas, e relatava as exceções que foram suscitadas pelas novas regras ortográficas. (O computador está sublinhando de vermelho a palavra exceção. Será que errei?Não importa a combinação de letras, ele exibe esse sublinhado, e eu passo a duvidar de mim mesma: será que o próximo passo da reforma ortográfica não será abolir as palavras sobre as quais mais se tem dúvida?)
Bem, eu fico pensando que tenho um carinho especial por alguns dos acentos que usei por toda a vida, e dos quais custo a abrir mão. Talvez o que mais me custe abandonar seja o circunflexo de voo, que me servia de paraquedas toda vez que conjugava este verbo. Voar, agora, ficou muito mais perigoso. Vou entrar nos aviões sem essa garantia, abandonando o acento na alfândega, mas carregando escondido um trema que me agüente nas situações de susto: duas mãozinhas levantadas, em pedido de socorro –Valha-me Deus, já que os gramáticos me passaram a perna!
Riamos, brinquemos, enquanto não chega o decreto que acabe, também, com o subjuntivo. Boa semana a todos. E não se esqueçam de usar, amanhã, alguma coisa verde, em homenagem a São Patrício, o conservador dos acentos. Esse verdinho, segundo os irlandeses, traz boa sorte para quem o usar.  São Patrício foi um bispo do bem, provavelmente tomava cerveja, já que era irlandês, e ria muito. Rir, como muita gente sabe, é o melhor remédio. 

Sunday, March 15, 2009

Idos de março

Um pouco de história é sempre bom. Eu adoro histórias, com ou sem maiúsculas, mas, quase sempre chego à História através das histórias que leio. Os idos de março chegaram até mim pomposamente trazidos pela mão de Shakespeare, na peça Julio César, traduzida pelo Carlos Lacerda, por quem minha mãe era apaixonada. Lacerdista doente, diziam na época. Devo ao Lacerda minha passagem por uma escola pública, pois antes dele, e depois dele, só estudei em colégio particular. Já a faculdade, fui eu que escolhi, e só queria a UFRJ, onde entrei, muito bem colocada, atrás apenas de Cecília, minha amiga querida. Fui muito feliz na UFRJ. Adorava minha turma, LEA. Adorava meu grupo, que se mantem unido até hoje. Adorava meus professores, a quem admiro até hoje. Tive dois filhos estudando, já entrei com uma no colo. Me lembro de fazer a inscrição para o vestibular, gravidíssima, minha e do meu marido, que estava me esperando no carro. Quando cheguei lá com a papelada e o retrato do Gui, novo, cabelão, queimado de sol e de óculos escuros, o atendente, um senhor de meia idade olhou para mim e abanou a cabeça: Ô minha filha, você aqui e o surfista na praia?! Não faz isso com você não… Mas o "surfista" nunca subiu numa prancha de surf e nunca me deixou na mão. Ele fez a faculdade trabalhando e eu procriando. Não sei como, consegui dar conta de tudo,  e ainda lia sem parar. Minha sogra, quando me via abrir um livro, dizia: "pronto, agora ela já se fechou no seu mundo! Não adianta mais falar com ela!" Meu marido tinha ciúmes de meus livros. Mas só no início. Depois ele entendeu que para me amar, precisava amar meus livros. E ele fez questão que esses livros nunca me faltassem. Duros como éramos, o presente que ele me dava a cada natal era um crédito na livraria perto de nossa casa, onde passei muitas tardes sentada no chão (naquele tempo as livrarias não tinham essas frescurinhas de poltronas) lendo os livros que não tinha dinheiro para comprar. Escrevo essas coisas e sou varrida por uma onda de sentimentos contraditórios, alegria e tristeza, amor e saudade. Acho que meus amigos me acham uma chata, em minha obstinada viuvez, ninguém entende lá muito bem porque eu fico só. Mas … eu também não entendo muito bem, e não consigo pensar em ter outra atitude. Vou ficando do jeito que estou. Choro um pouquinho, rio um pouquinho, me escondo em casa, até me chamarem para algum programa. Viajo, gosto disso, e vou sempre que posso. Escrevo, coisa que também gosto, e que me dá um sentido, uma canoa a bordo da qual atravesso a vida. E leio, prazer enorme, vício, mesmo, pois sem ler começo ficar inquieta, impaciente, agitada.
Bem, ia falar nos idos de março, no assassinato de César, talvez no nariz de Cleópatra e, quem sabe, no Marco Antônio. Falei dos idos de minha própria vida, e agora vou correr atrás do tempo, para fazer a resenha que estou devendo ao Rascunho, os e-mails que tenho que colocar em dia, e as leituras para a UFF. 
Só para terminar, o André de Leones me mandou um convite para participar de uma comunidade de leitores chamada skoob, que está bombando. E citou a mim e ao Marcelo Moutinho, na resenha que ele fez para o JB. Fiquei muito contente! É bom ser lembrada.

Saturday, March 14, 2009

Pulei o 13

Ontem não deu. Fazendo juz a sua fama de aziaga, a sexta-feira 13 me surpreendeu com coisas inesperadas, até com uma grande tempestade, e eu fiquei caladinha, no meu canto. Hoje acordei como uma formiguinha atarefada. Já fui três vezes à rua, pretendo ir mais outra, arriscando a sorte e passando por baixo da árvore que estão cortando aqui em frente. Uma árvore que tomba, pela chuva, pela idade, pela infestação de cupins… mesmo assim, dói meu coração vê-la ser transformada em pedaços de madeira, em serragem pelo chão. A sombra que me acolhia quando eu chegava na minha rua, agora já não vai mais me refrescar. Me pergunto se algum passarinho teve que abandonar seu recanto ali no fresquinho? Me entristeço com essas pequenas bobagens. Só me alegro com a possível diminuição de cupins a me ameaçar.  E nem consigo me entusiasmar com a próxima viagem: uma ida à Colômbia – Cartagena de Indias, o porto cobiçado pelos piratas, por onde tanto ouro e tanta prata saíram do continente para enfeitar as Igrejas e Palácios da Europa. Depois, San Andrés e as sete cores de seu mar. É, parece legal, mas eu desanimo, desencanto, só penso nos galhos que se retorcem à espera de serem levados para longe daqui. Sinto o perfume que a madeira recém cortada desprende e me lembro de que, ao cheirarmos, estamos inalando moléculas, e, portanto, transportando para dentro de nós mesmos um pouco do outro. Respiro fundo e decido que está na hora de descer mais uma vez. E que não adianta lutar contra o fato consumado.
Para terminar, agradeço ao Guido o cordel que ele me mandou. Vocês podem encontrar no endereço que ele me mandou e que copio aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=38858
É sobre a excomunhão da vítima… Nem abordei o assunto aqui porque ainda me sinto ferver. Minha proposta, já que o padre, ou o bispo, sei lá o que ele é, acha que estupro não é tão grave, é convidar os estupradores para atacarem o padre. Pena que o danado não engravida! Mas, citando o Milk, o negócio é continuar tentando. 
Agora, falando sério, me lembro de um romance que li quando garota, mas já não me lembro do autor nem do título. Sei que era um desses autores muito católicos e que o personagem, padre, é chamado ao hospital para decidir sobre um impasse: sua única irmã estava à morte, e sua única chance era uma operação, para retirarem o bebê que ela estava esperando. Se os médicos não terminassem a gravidez, ela ia morrer, e o bebê talvez morresse. Se os médicos interompessem a gravidez ela ia sobreviver, e talvez até pudesse ter filhos, mais tarde. Pois o raio do padre decide manter a gravidez e, assim, assina a pena de morte de sua irmã. Fechei o livro, em lágrimas, revoltadíssima! Nem sei como a história terminou. E acho que nem vou saber, pois esqueci tudo o mais. Teria sido A chave do reino? Vai ver que é do mesmo autor. 
O negócio é seguir as escrituras – dai a Deus o que é de Deus! O resto não é da alçada dele. E eu garanto que Jesus, que tanto amava as crianças, ia cuidar dessa criança atropelada pela desumanidade e violência, e se indignar contra quem a agrediu. Pois é, confesso que não gosto desse Deus que pretende que a gente aja contra as pessoas a quem podemos amar em favor de quem nem existe ainda.
Bolas! Não ia falar nada sobre o assunto, mas aqui estou eu, indignada. 

Thursday, March 12, 2009

Tempus fugit

Gente, dei uma bobeada e lá se passaram quatro dias desde a última postagem! É que essa semana é de volta às aulas, de reencontro com amigas distantes, de missa por amiga que partiu, de contratações, de um monte de encontros e partidas.
Bem, alguns já sabem, mas quero logo contar para todos e convidá-los a participar:
Em maio vou dar um curso "Labirintos de Borges", no Telezoom. Quem ainda não conhece o Telezoom, é uma cobertura gracinha, bem equipada, na Dias Ferreira 78, portinha colada com o Esch Café. Em noites de lua cheia, o terraço, com vista para o Cristo, é um encanto. Em alguns eventos noturnos eles servem um acarajé delicioso, é imperdível! E a programação é variada e interessante. Agora está havendo um curso maravilhoso, da Ana Christina Nadruz, a melhor professora de História da Arte que eu conheço. 
Mas, voltando ao meu curso: será às sextas-feiras, de dez ao meio dia, no formato de "Café da manhã com Literatura" Eles servem um café completo para o corpo e eu um prato cheio para a mente!
Confiram as atividades em www.telezoom.com.br
Eu conto mais, depois, pois hoje recomeço as aulas  e tenho mil coisas a fazer.
Volto amanhã, com trevos, ferraduras, figas e tudo o mais, para proteção – sexta-feira 13!

Sunday, March 08, 2009

Ia me esquecendo…

Ontem foi ao ar mais uma edição de nosso Histórias Possíveis.  Tenho um conto, juntamente com a Dani e o Cremasco, e o mais novo membro efetivo, o Erwin. Bem vindo, Erwin, um conto sólido e bem construído, digno de Vieira, pelo raciocínio claro, que nos pega pela mão e leva ao final inesperado.
Agora estamos com novo formato e com colaboradores que respondem, a cada semana, a um desafio. O desta semana foi a palavra VIDRO, e dois responderam com maestria. 
Agradecimentos a Dani, e a todos que contribuem para a continuação deste projeto, filho das idéias de André, inesquecível.
Então, porque ainda estão aqui? Vão lá no www.historiaspossiveis.wordpress.com e leiam, e recomendem!

DIA DA MULHER

Recebi votos carinhosos dos amigos e das amigas, pelo mundo a fora. Celia GouveiaC, artista brasileira radicada em Nice, Laura Burnier, outra artista de talento, Marcio Galli, amigo de tanto tempo, Henrique, poeta de grande talento, a Bis-Tekinha, toda energia e entusiasmo, meu distante Amauri. Mensagens e ligações para quem amanheceu em ressaca de tristeza. Mas já está passando, vou enxugando as lágrimas e abrindo o sorriso, meio irônico, pensando que, enquanto estivermos recebendo homenagens pelo "dia da mulher", significa que ainda temos muito o que batalhar… Cadê o dia do homem? Cadê o dia do branco? Cadê o dia do banqueiro?O dia do comerciante? Cadê o dia do filho/a? 
Quem está por cima da carne-seca não precisa de dia, pois todos os dias são deles… Enquanto isso vamos comemorando o dia da Mulher, o do Índio, o da Consciência Negra, o do bancário, o do comerciário, o do Papai e o dia das Mães…
A mensagem mais curiosa, que recebi hoje, foram instruções de procedimento em caso de panela pegando fogo. No dia das mulheres já não tão prendadas, um serviço de utilidade pública para que elas não ponham fogo na casa. Ao menos, não destruam, fisicamente, o Lar!

O que será que significa ser mulher hoje em dia? Os modelos são os mais conflitantes possíveis. Podemos escolher entre Mulher-Salada de frutas,  Mulher de malandro, Mulher maravilha, Mulher macho, Mulher independente, Mulher de carreira, mesmo com duplo sentido, mulher isso e mulher aquilo. Já não existem mais definições e certezas. Antes era-se mulher de família ou mulher da rua, e a gente que se enquadrasse o melhor possível nestes papéis. Daí aquelas donas de casa de Nelson Rodrigues, sonhando em serem putas –única alternativa –, mas se consumindo nos dramalhões da culpa burguesa.

Apago todo um parágrafo, eu mesma me canso de minhas desvairadas filosofias. 
Feliz dia das Mulheres, para todos os modelos, até mesmo para as cri-cris e relutantes como eu! E basta!

Friday, March 06, 2009

Carta dos leitores.

A Cora Rónai escreveu uma coluna maravilhosa falando sobre as livrarias ameaçadas de extinção. Aquilo me entusiasmou, e eu acabei mandando um e-mail para ela. Geralmente não sou de mandar e-mails, nem cartas para a redação. Conto nos dedos as que já enviei até hoje. A primeira, ainda nos tempos do "snail mail", foi para protestar contra uma reportagem do Ela, que dizia que quanto maior a escolaridade feminina menos chance as mulheres tinham de arrumar um namorado. E aí entrevistavam jogadores de futebol, cantores sertanejos, e modelos/manequins. Acho que entrevistaram duas intelectuais, que se colocaram na defensiva, assustadas com a cobrança. Falavam que, com mais de doze anos de estudos, a chance de a mulher arrumar um parceiro sexual era praticamente nula. Gente, doze anos de estudos não te leva nem a terminar uma faculdade! Lá mandei eu uma carta desaforada e meio gozadora, lamentando muito que a repórter – que eu supunha ter completado seus estudos de jornalismo ou de comunicação, seja lá como isso se chame hoje em dia – estivesse impossibilitada de tirar seu atraso. Claro que não me responderam.
A segunda vez foi uma cartinha ao Xexéo, a quem assisti numa palestra dizendo o quanto os jornalistas apreciavam essa facilidade dos e-mails, que estimulavam os leitores a reagirem a suas colunas e davam um feedback precioso, que era muito estimulante. Lógico que, boa moça que sou, logo na coluna seguinte do Xexéo mandei uma mensagem bem educada e incentivadora. Ele deve ter apreciado e se sentido muito estimulado, mas não me disse nada, e eu nunca mais insisti. Só que, recentemente, a Fernanda Torres publicou uma coluna falando sobre Proust, de quem sou ardorosa devota. Tenho a imagem dele junto a meu computador, na esperança de que o santo me transforme numa escritora de qualidade. Impulsivamente mandei um e-mail dando os parabéns pela coluna, falando de como o exemplo dela poderia estimular a leitura de uma obra que, pela sua extensão, assusta um pouco, mas que, uma vez iniciada, se transforma num vício, difícil de largar. Descobri que ela publicou na Revista de Domingo! Achei o máximo. Agora, estimulada por esse assunto que me apavora – como poderei viver sem frequentar livrarias? –, escrevi um e-mail para a Cora e ela me respondeu!  Juro! Escreveu prá mim, dizendo que tinha adorado o e-mail (bem, talvez ela tenha dito gostado, ou apreciado, mas foi como eu entendi) e que tinha tomado a liberdade de colocar lá no blog que ela mantém. Lá fui eu ver o blog, que adorei. Cheio de retratos de gatinhos bonitinhos, e com um vídeo tirado do YouTube, nota dez – pena que, em minha ignorância, eu não saiba quem é o cara que está falando. Vou pesquisar. Aconselho, então, a todos os meus leitores : visitem o blog da Cora, que é imperdível. Para facilitar, aqui vai o link:
E aqui está a resposta que recebi dela, para vocês verem como ela é simpática:
Salve, Lucia!

Adorei o seu email – e tomei a liberdade de levá-lo lá para o blog, onde a coluna tem uma sobrevivência de mais alguns dias e a turma pode discutir o assunto. Apareça por lá: cora.blogspot.com. A casa é sua. Curiosamente, você vai ver que, lá, também falei na questão dos acentos.

Um abração,
Cora

Thursday, March 05, 2009

Batatas fritas…

OK, vocês venceram!
Peço desculpas por ficar tanto tempo sem escrever, e explico: estou na fossa. Termo tão antigo que já perdeu seu charme e agora tem um caráter meio repugnante. Mas é isso mesmo. Não posso falar em depressão, coisa muito forte para o que estou sentindo. Estou mais para melancólica, devido, acho eu, à época do ano. Afinal, sábado que vem era meu dia predileto do ano. Dia 7 de março. Agora é mais um dia que tenho que atravessar.
Mas, para meu bem, ou meu mal, sou uma deprimida de bom humor. Estou sempre de bom humor, acho que isso deve ser doença! Meu humor só se modifica em filas – de banco, de supermercado, de inscrição. Não entendo, mudo mesmo, parece que algo dispara e eu fico insuportável. Mas, mal chega a minha vez de ser atendida, the bitch disappears, e volto a ser a doce Lucinha de sempre. 
Além das filas, outra coisa que revela meu lado Ms. Hyde é meu prazer em assistir ao pior seriado da TV – House. Digo pior porque o seriado pretende nos fazer acreditar que o House é um gênio dos diagnósticos, mas só nos mostra todos os erros que ele vai fazendo. Assim até eu sou boa de diagnóstico, na base do erro e acerto:
 – É câncer, façam uma sonografia.
 – A sonografia está normal, Dra. Lúcia. 
– Então é uma infecção, façam uma punção lombar. 
– Não há sinal de infecção, Dra. Lúcia. 
– Ah, então é porque é uma bactéria desconhecida, vamos envenenar o paciente pois assim a bactéria morre! 
– Mas, Dra., se fizermos isso o paciente também morre… 
– Ahá! Mas morre curado, e isso é o mais importante. Eu preciso acertar o diagnóstico, mas não estou nem aí para o que acontece com o paciente!
Digam-me com sinceridade, eu não poderia ser uma roteirista de House e estar ficando milionária em Hollywood? Ou estar trabalhando para a Globo, passando férias na Ilha de Caras, conversando platitudes com alguma atriz que mudou o visual de loura para morena, já que ela (nenhuma delas) sabe representar e que para incorporar o personagem precisa mudar o cabelo, para que os espectadores entendam que agora ela já não é mais a outra… Ou talvez a razão dessa mudança de coloração seja porque o encarregado de escalar as atrizes seja daltônico, ou mesmo cego.  No roteiro, todas as cenas de amor falam de como a pele branquinha e os cabelos louros da moça deixam o herói louco de amor . O cara escala a Giovana Antonelli, pois é cego e não sabe que ela é morena,  e a saída do contra-regra é pintar o cabelo da moça e passar maquiagem para clarear a pele dela, já que o roteista se recusou a reescrever toda a história para acomodar a escalação.
Bem, voltei. Não zanguem comigo. Na verdade, adorei os puxões de orelha! Desculpem. Amanhã tem mais.