Saturday, March 31, 2007

Ballet (outros quadros)

Passei a manhã organizando os arquivos de meu novo livro, Linha de sombra. No meio do caminho, baguncei tudo, mas um filho, o mais novo, veio me socorrer. Agora tenho um arquivo direitinho, não preciso mais imprimir texto por texto.
Agora, então, posso me dedicar a comentar mais quadros do ballet de Roland Petit. Vamos aos três últimos quadros do primeiro ato do ballet.
Quinto quadro - As raparigas em flor. Ao fundo uma paisagem marinha, de cores impressionistas. As bailarinas, jovens vestidas de branco, dançam nesta praia encantada demonstrando sua juventude e seus sonhos. Em alguns momentos, elas se juntam, e, com suas saias enfunadas, figuram barcos partindo para horizontes de sonho. A música, apropriadamente, é La mer, de Debussy.
No sexto quadro, as meninas saem e deixam apenas duas em cena, Albertine e Andrée. Sob o título "a prisão das dúvidas" as duas dançam ao som de Syrinx pour flûte seule e deixam no ar uma tensão voluptuosa, que não chega a se desenvolver plenamente, mas que persiste, como um eco distante.
O último quadro do primeiro ato é uma obra prima.A cena se inicia toda negra, apenas com uma enorme cortina de seda branca à esquerda, derramando-se sobre o que parece ser um leito, onde dorme Albertine. No quarto, um jovem Proust, de colete, a admira. Ela acorda e a dança vai se tornando um ballet cada vez mais sufocante para a bailarina, que tem seus movimentos tolhidos e cortados pelo parceiro até que ela, cada vez mais apática, se enrijece, como uma morta. O bailarino, ternamente, deposita-a com cuidado sobre a cama cenográfica, que se revela um alçapão. A bailarina some e a cortina, que parecia um facho de luz sobre o leito, se desprende e cai como uma nuvem que se desfaz pelo efeito do vento. Foi tão lindo o efeito que toda a platéia gritava emocionada: Bravo! As palmas soaram como os trovões repentinos de uma chuva de verão.
Ah, que lindo! O mais triste foi não ter com quem compartilhar minha emoção, já disse isso. Ensaiei duas palavras com a vizinha do lado, e me calei, sem saber mais o que dizer. Examinei todos os detalhes do teatro -- o teto pintado por Chagall; as inúmeras esculturas em talhas douradas - o que seriam? anjos? violinos? partituras?; o fechamento do palco por um painel imitando uma cortina desalinhada; os lustres de cristal; as cadeiras forradas e confortáveis, que não rangem e se colocam a uma distância confortável umas das outras. Examinei também os camarotes. Qual seria o da duqueza? Em que cadeira o autor se teria sentado para sonhar as apresentações da Berma?
Olhei em volta, as pessoas retornavam a seus lugares e todas estavam bem-vestidas, elegantes, e em seus rostos havia uma espécie de luz despertada pelo prazer do espetáculo.
Em outro post conto do segundo ato. Assim podemos todos respirar e refletir.

Friday, March 30, 2007

Ballet - quadro a quadro

Promessa é dívida, diziam antigamente, nos tempos de minha avó, quando a ética era coisa que se respeitava. Eu fui criada por ela, talvez por isso seja uma sujeitinha anacrônica -- o que não é um xingamento, viu?
Aqui venho cumprir o prometido, escrever sobre o ballet Proust ou les intermittences du coeur.
Roland Petit dividiu o espetáculo em dois atos. No primeiro, Algumas imagens dos paraísos proustianos, como está intitulado, temos sete "quadros". Descrevo um por um:
Primeiro quadro: Uma matinée na casa de Mme. Verdurin, a burguesa em busca de ascenção social, que copia os modelos dos aristocratas, já em declínio, mas ainda com muito prestígio social. Os figurinos de época, um piano de cauda, um cantor que entooa uma canção de Reynaldo Hahn, e um sósia de Proust que permanece imóvel, numa conversadeira, nos mergulham diretamente nas reminiscências do romance e da vida de Proust.
Rapidamente passamos para um novo quadro, desta vez a interpretação do que seria a "pequena frase" de Vinteuil. Para quem desconhece o romance, Vinteuil é um compositor imaginário, que morre desconhecido, mas deixa uma obra pequena e linda, que perpassa todas as páginas do romance, como fundo musical dos amores vividos pelos personagens. Esta pequena frase, que é o "hino nacional" dos amores de Swann e Odette, é descrita como um diálogo entre o violino e o piano, um fugindo do outro, e depois se encontrando, como uma brincadeira pueril de esconde-esconde num jardim. Roland Petit usou a sonata para violino e piano, de Cesar Franck, já que esta é, confessadamente, uma das fontes de inspiração para o que Proust imaginou como a obra de Vinteuil, e aproveitou as descrições proustianas da pequena frase para a elaboração da coreografia. Um resultado delicado e de muito efeito plástico. O bailarino é o violino e a bailarina representa os sons do piano.
Quadro terceiro: Les aubépines ou les mots fées.
A flor da infância de Proust é a da aubépine, arbusto cujos ramos espinhosos confeccionaram a coroa de Cristo, e que floresce na época da Páscoa. Suas flores lhe despertam o desejo de escrever, e em meio a elas ele descobre seu primeiro amor, Gilberte. O cenário é composto por um pano rendado, dando a sensação de um maciço florido, e as aubépines são representadas por bailarinas vestidas de branco, carregando sombrinhas de renda. No meio delas, desponta Gilberte, ainda um símbolo da pureza.
Quarto quadro:"Faire catleya" ou As metáforas da paixão:
Outra flor poderosa do imaginário proustiano, a orquídea - a catleya - com seu formato sensual e exótico, se transforma num símbolo de Odette, a mulher prostituída que acaba se casando com um dos mais cobiçados partidos da alta-sociedade da época. Swann, delicado e cavalheiresco, faz-lhe a corte como se ela fosse uma mulher de gabarito e a primeira vez que a possui é depois que, na carruagem, um solavanco inesperado desarranja as catleyas que Odette prendeu no decote. Ao reajustá-las, os dedos de Swann tocam na carne de Odette o que acende o desejo entre ambos, que acabam na cama. A partir daí, fazer amor, para o casal, passa a ter o nome de "fazer catleya". Odette, porém, é uma mulher livre, que tem outros amantes, o que tortura os ciúmes de Swann. Finalmente, ele consegue conjurá-los, casando-se com ela. A beleza do quadro está em como R.P. conseguiu, em poucos momentos, contar toda uma história entre os dois, e ainda oferecer tantas informações sobre Odette. Ela aparece numa roupa elegantíssima, em preto e branco, com uma única e enorme orquídea vermelha presa ao decote. Swann está vestido com uma casaca cinza, do mais fino gosto. Odette se revela com trejeitos estilizadamente orientais, moda da qual era adepta, e demonstra que em nenhum momento se deixará prender a apenas um homem, num ballet elegante ao som de um trecho do concerto para harpa e orquestra de Camille Saint-Saëns.
Estou me estendendo demais. Volto em outros posts, para dar mais detalhes.

Thursday, March 29, 2007

Meu bloguinho...

Lembram da música:" Não posso mais ficar aqui ao seu ladinho"...?
Hoje, quando finalmente voltei ao blog, pensei nela. Não é que não possa ficar aqui no bloguinho, mas viajei, não levei o computador, e, quando voltei, tive uma crise de alergia que, com esse calor, não me deixava sossegar. Escrever, então, nem se fala!
Mas aqui estou eu, com mil coisas para contar: Fui a Paris e assisti ao ballet desejado: Proust ou les intermittences du coeur. Lindo. Genial. O ballet foi criado em 1974, por Rolland Petit, mas só agora está entrando para o repertório do Ballet do Opéra de Paris. São tantas as coisas para contar, que vou criar um post só para falar de minhas impressões sobre cada um dos quadros dançados. Esse foi o pior aspecto de minha viagem: sozinha, não tinha com quem compartilhar as emoções. Precisei me virar para o lado e falar, no meu parco francês, com uma estranha. Depois pedi uma caneta a um senhor do outro lado, para anotar detalhes. Se eu falasse um francês um pouco mais decente, acho que teria feito amigos ali. Afinal, toda a platéia estava emocionada, eletrizada com o que via. Era preciso tornar essas coisas todas mais acessíveis. Nessas horas é que a gente entende que não se vive a vida em vão. E que não vale a pena nos isolarmos uns dos outros. A arte nos une, nos explica, nos redime, nos engrandece e revela o divino. Gostaria que todos tivessem a mesma oportunidade de ver e compreender. Pois, para chegar à platéia do Opéra, foram muitos anos de estudo e de reflexão. Mas, a maravilha da arte está aí: um ballet, um quadro, uma escultura,uma música prescindem do estudo e da reflexão, mas, quando acompanhados desses dois processos, o mesmo ballet, o mesmo quadro, a mesma música, se ampliam, de desdobram, crescem em nosso interior, e, ao mesmo tempo que nos alimentam, nos deixam esfaimados por mais.
Mudando de assunto, aqui vai meu pedido de desculpas a Thalita -- coloquei hhh demais em seu nome, no post dedicado a você. Saiba que você está no bom caminho, e que esse caminho nunca termina. A faculdade acaba, mas o aprendizado nunca. E escreva, escreva, que estou aguardando para lê-la.
Outro a quem estou aguardando para ler é o meu novo "irmão em SESC" - Wesley, parabéns! Mas cuidado com esse imperialismo goiano... Será que aquela maravilhosa geração mineira pensou em termos de "dominação"? Acho que esse florescimento em Goiás se deve a alguma conjuntura favorável, que deve ser procurada para ser repetida em outros lugares: escola? grupos de discussão? DNA? Seja o que for, vamos procurar repetir pelo país inteiro! Então, todos me façam o favor de procurar o blog do Wesley(e do André também), pois eu esqueci como se fazem os links... Vamos ver se a gente descobre o que é que os goianos têm, para copiá-los.
Volto em breve, para falar do ballet.

Friday, March 16, 2007

Rapidinhas

Parece que nunca consigo encontrar tempo para escrever com mais vagar. É mentira. Tempo eu tenho, mas ando preguiçosa, de uma preguiça que não é física, mas mental. Quando me sento na frente do computador, vou direto para os joguinhos de paciência, vício muito pior do que qualquer bloqueio criativo. Nem mesmo os e-mails para os amigos tenho escrito. Desculpem, vou procurar um Pacientólatras Anônimos para me ajudar. E, agora, mais uma loucura me assalta: o delírio deambulatório -- ou seja, um desejo incontrolável de ir para outro lugar, de sair, de viajar -- e, sem ter um super-ego que me tolha, compro as passagens e embarco, sem medir as consequências dessas viagens rapidinhas em minha vida. Então, lá vou eu de novo. O pretexto agora é assistir um ballet de Roland Petit. Estou quase me despedindo. Talvez escreva ainda uma ou outra vez nos poucos dias que me sobram antes de mais esta viagem. Talvez leve meu computador e me coloque, cheia de pose, num café, me fazendo passar por escritora numa cidade de escritores, quando, sem dúvida, estarei jogando paciência... Mas, se o juízo voltar, escreverei ainda antes de partir. Poderei falar sobre os filmes que assisti: Notas sobre um escândalo e Letra e Música. Ou sobre os livros que ando lendo (quais são mesmo?). Ou sobre estratégias para espantar a solidão... Ou, ainda, me enganar, e ficar em mais uma nota rapidinha, fugindo de tudo, em especial de mim mesma.

Wednesday, March 14, 2007

O sonho de Talita

Antigamente, era nessa cartilha que se aprendia a ler. Hoje recebi um comentário de outra Thalitha, também sonhadora: Ela está feliz, passou em Ciências Sociais. Eu também estou feliz por ela. Ainda me lembro de minha emoção ao encontrar meu nome entre os aprovados para a UFRJ, em Português-Literatura, minha primeira e única opção. Como não tenho o e-mail da Thalitha, uso o blog para lhe dar parabéns e também para afirmar que escritores vêm em todos os modelos: sociólogas inclusive, é claro! Beijos, muitos parabéns. Fico aguardando suas histórias.

Beleza pura


As fotos que tirei não revelam o encanto que senti ao ver essas geleiras de perto. O fato é que, ao viajarmos, as experiências nos bombardeiam por diversas frentes: Vemos, ouvimos, sentimos, cheiramos, provamos. Esse passeio de barco até as geleiras se compõe com outras sensações: o frio, por exemplo, que era intenso, apesar de ser verão. O ruído e o movimento do barco em que estávamos. As explicações dos guias. O gosto de café ou de chocolate quente. O som que parece reagir de forma diferente, junto ao gelo. Para mim, essa viagem tinha ainda outra dimensão: as viagens dos exploradores -- Darwin e Moreno -- eram mencionadas a toda hora. E minha própria viagem ao outro fim do mundo, ao Nord Cap, tão desolado, tão diferente deste fim de mundo ameno, cheio de árvores, habitado por selvagens nus e curiosos. Bem, desses a gente só tem notícias, há muito que desapareceram. Mas, debaixo de nossos vários agasalhos, em pleno verão, era impossível deixar de pensar naqueles seres que, para se proteger, só usavam a gordura dos leões marinhos.
O ponto alto da viagem? Não foi atravessar os Andes a pé, foi mesmo a visita a Upsala, o glaciar silencioso que se desfaz em icebergs, verdadeiras esculturas em águas marinhas. É bem verdade que não cheguei a caminhar sobre o glaciar Perito Moreno. Isso talvez tivesse dado maior relevo a essa massa de gelo que avança, que estala, que atroa e desmorona constantemente. Do que fiz e vi, a chegada a Upsala foi a melhor parte.

Tuesday, March 13, 2007

O retorno

Depois de uma linda viagem, retorno ao porto inseguro. Minha vida, flutuando entre icebergs azuis, me pareceu uma beleza: o efeito embriagador do belo me deixou livre, sem lastro. Naquele instante, tudo fazia sentido. Depois, pouco a pouco, a gente vai voltando a ser quem era. O barulho do motor do barco adormece nossos sentidos e quando olhamos ao redor, a magia já desapareceu. O que vale é que ainda sobra um pouco de beleza nas lembranças, nas fotos. Depois tem mais.