Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
"Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
"Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."
Recém chegada de Paraty e da Flip, não é de estranhar que venha com a cabeça cheia de poesia. Da poesia de Drummond e de retalhos de poesias que a gente vai esquecendo pelo caminho. Tropeço aqui e encontro a lua irônica do poema de sete faces, claudico ali e as mercadorias, melancolias me espreitam e zombam de meu titubear. Entre as pedras do caminho, reconheço versos de João, na luz balão de cada manhã entretecida. No barco ancorado me julgo transportada ao Recife e sorrio nesta Pasárgada que existe para mim e seduziu Manuel. E mesmo o Shakespeare que se insinuou entre as palestras, metamorfoseia-se nos Tupis or not Tupis que vendem seus artefatos pelas ruas.
Poetas amados, alguns quase esquecidos, seus poemas me aguardavam nas estantes e agora me surpreendem em sites de pesquisa. Armo minha rede, do jeito que posso, e adormeço minha sede infinita. Bicho da terra, pequeníssimo, entre criaturas me resigno a amar minha falta, minha secura, na cidade que me ilude, e me deslumbra.
Hesito. O corpo veio, a mente se recusa a chegar. Entre o ontem e o hoje a saudade se insinua, se instala e me faz perder o compasso e a ordem gramatical. Ainda há Rimbaud, talvez seja possível resgatar seu barco e partir. Ou deixar-me desfazer no mangue seco, sonhando com as ondas e com as flores do mal, mas… ninguém me chama de Baudelaire, ninguém me quer! E, no entanto, eu me deixo tentar numa rima, numa dissolução. É quase que um delírio, e meu vai e vem me embala e, finalmente, minhas retinas fatigadas desistem de ver o que lá não está.
Adormeço tarde. O sonho chegou primeiro.
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