Tuesday, May 27, 2008

Prazeres permitidos

Queria dizer, muito liberadamente, que prefiro os prazeres proibidos, mas isso seria faltar com a verdade. Porém, como trabalho com ficção, porque não posso assumir essa "persona" e me colocar como uma Lady Di, ao invés de Madre Teresa? Ou, melhor ainda, me colocar como uma Messalina do Leblon, irresistível e insaciável! Quem poderia acreditar numa coisa dessas? Vejam só: poderia contar aqui no blog sobre minha ida a São Paulo, bem no fim de semana do Orgulho Gay. Diria que tinha ido lá justamente por causa disso, descreveria a emoção de estar numa cidade tomada por pessoas dispostas a enfrentar preconceitos e a expor a alegria de se aceitarem como são, membros de tribos alternativas. Mas, na verdade, fui para lá e nem teria percebido toda a agitação se a Parada Gay não estivesse, como a poesia de Drummond, no meio de meu caminho. E eu digo qual era o caminho, para que meus leitores me invejem: O caminho entre a "Liberdade" e o "êxtase". Agora explico, depois de ter deixado vocês com água na boca: Liberdade é o bairro, e o êxtase foi o concerto absolutamente deslumbrante, regido pelo Baremboim, na Sala São Paulo. Ele tocou Wagner, e mais que isso, o Wagner absolutamente genial de Tristão e Isolda. Deveria dizer "ele regeu", e digo agora, pois ele também regeu mais um Wagner, o dos Mestres Cantores e a grandiloqüente (bye, bye tremas) sétima de Bruckner (este compositor tem ou não tem nome de ponte americana?). Bem, que mais fiz? Passeei, fui ao Museu da Língua Portuguesa (finalmente!), mais uma vez à Pinacoteca, fui ao teatro, subi e desci a Oscar Freire (que foi o fundador do Instituto Médico Legal em S.P.), comi em restaurantes gregos, franceses e japoneses, tomei cafés perfeitos, bebi vinhos deslumbrantes, conversei sem parar e agora lamento que não lembrei que os amigos com os quais me correspondo por e-mail vivem em São Paulo. Ah, se eu tivesse lembrado, hein, Vera Helena? Quem sabe a gente teria se encontrado? Mas quero voltar em breve a São Paulo, pois cada vez que vou para lá, mais gosto de ir. E assim se resumem meus prazeres, todos permitidos: boa conversa, boa companhia, bons vinhos e boas comidas, boa música, e até um cigarrinho, para não ficar inteiramente canonizável.

Wednesday, May 21, 2008

Duas ou três coisas que não sei deles

Adoro as visitas dos amigos no meu blog. Quando deixam mensagens, então, adoro ainda mais. E fico imaginando esta turma de leitores. Alguns nunca vi. É o caso do meu constante amigo Guido e da Vera Helena, leitora atenta e perspicaz. Também nunca vi a Bela, mas sei que em breve hei de conhecê-la pessoalmente. Outros vi apenas uma vez, em alguma viagem pelo Brasil afora, e, apesar disso, desenvolvemos uma sincera amizade. É o caso do Helder Poeta e do Amauri. Outros há que são mais próximos, como a Eugênia e o André, também vencedores do prêmio SESC e com quem partilho alegrias e experiências. Sei de outros leitores que nunca ou quase nunca me deixaram mensagens: um é o fiel leitor da Rachel Jardim, que, já que ela não mantém blog, lê o meu. Outros são amigos que já me disseram que lêem estas minhas reflexões, crônicas, fofocas... Nem eu sei como classificar o que escrevo. Meu propósito, de início, era falar muito de literatura, mas, talvez pela falta de com quem conversar ao vivo e a cores, acabei fazendo uma espécie de miscelânea bagunçada como o meu cérebro. Já notei que o blog de muitos amigos escritores, como o do Marcelo Moutinho, do Flávio Izhaki, da Adriana Lisboa, são organizadíssimos. Eles mantêm uma periodicidade certa, uma divisão de assuntos que eu admiro e gostaria de copiar. Mas, talvez seja porque me sento para escrever olhando minha nesguinha de mar e cada onda me traga uma memória diferente, e aí saio nestas divagações. Vejam: já fugi do assunto que tinha em mente comentar hoje, que eram as surpresas que as revelações de meus leitores me provocam. Claro que, não conhecendo o Guido e sempre pensando em Dante e seu amigo cada vez que leio o nome dele, fazia uma imagem mental que ele, agora, me fez revisar, colocando flores e tons psicodélicos. Uau, Guido! Imagino o que eu faria se chegasse em casa e encontrasse os fab four sentados em meu sofá! Em qual dos colos sentaria? Hummm!
Ou as histórias reais que a Eugênia conta e que me maravilham mais do que as novelas de cavalaria maravilhavam ao Quixote! Meu Deus, que vida de sonhos! Quantas aventuras, quantas paixões, quantas confusões! Obrigada, amigos. Aos meus leitores silentes também agradeço. Sei que, volta e meia, M.H, B.G.,R.S.,A.A., aparecem para ler o que publico por aqui. Bem, sei disso não porque tenha alguma armadilha tecnológica escondida, mas porque eles me contam. Eu, incapaz que sou até de fazer pesquisas direito na internet, nunca teria a capacidade de colocar contadores e espiões em meu blog. Podem ficar tranqüilos -- estou aproveitando para me despedir dos tremas, que eu tanto apreciava -- e continuar vindo me visitar sem medo. Eu agradeço e me comovo com seu carinho.

Tuesday, May 20, 2008

Biscoito de coco

E agora? Com a reforma ortográfica, como irei escrever coco? Suponho que nossos gramáticos ou acadêmicos anseiem por aproximar nosso idioma do inglês. Talvez eles acreditem que não progredimos no uso da língua por nos encontrarmos assoberbados com os acentos: é muito "chapeuzinho de chinês", muita "chuvinha", muita "varinha de condão", muito "bigodinho" para ensinar... Vou sentir falta de alguns acentos. Tenho certeza de que minhas idéias ficarão menos luminosas sem o acento que abria o timbre do "e", e que meus vôos ficarão menos seguros sem o para quedas (com acento? sem acento? com hífen?) que, precavida, carregava ao escrevê-los.
Por conta desta reforma ortográfica (com acento? sem acento?) deixei de ter companhia para o almoço hoje. Minha editora tem que reprogramar toda a produção, além de preparar-se para concorrer com editais, sempre apressados. Mas, enquanto a bela Ana Paula sofre, a igualmente bela Isa Pessoa se diverte, almoçando com o Lázaro Ramos. E eu nem sabia que ele era escritor! Aconteceu que, tendo desmarcado o almoço, resolvi me consolar na livraria aqui perto, e lá estavam eles conversando. Tentei não prestar atenção na conversa dos outros, menina bem-educada que sou, mas o Lázaro tem aquela voz de ator que se propaga e vai invadindo a mente dos outros, principalmente a de quem se esforça para ler Benjamin falando sobre Kafka. Aproveitei a primeira distração e embarquei na história que ele contava, sobre uma vila chamada Pati (acho eu) onde os pais dele nasceram. Fiquei sabendo que só se chega lá de canoa, e que as pessoas dependem da boa vontade dos habitantes, pois as canoas não são um serviço público. Se ninguém está a fim de desamarrar sua embarcação e fazer a travessia, a alternativa é nadar. Apesar das dificuldades, o prefeito está construindo um cinema, com um quartinho para hospedar algum escritor que se disponha a ir até lá para dar uma palestra. Como não sei nadar, estava pensando em pegar uma bóia e ir me oferecer para ocupar a acomodação quando a terceira pessoa no grupo, que não sei quem é, perguntou, horrorizada, se não era perigoso, se não havia piranhas na água. Pacientíssimo, ele explicou que só havia caranguejos. E eu fiquei calada, pensando que o caranguejo podia dar uma pinçada na minha possível bóia e eu ficaria na mão. Melhor continuar na segurança de minha cadeirinha, escutando o resto da história. Descobri , então, o que qualquer leitor de revistas Amiga e Caras já deve saber: que o Lázaro escreve contos e que dirige filmes. E ele, generoso e descuidado, contou a história do conto que está filmando. Não precisei enviar meu sorriso de aprovação já que a primeira e a terceira Pessoa fartamente gabaram a história, imaginaram a posição do texto no livro, decidiram todos os detalhes relevantes. Mas o que eu gostei mesmo de saber, e faço questão de contar para todos, foi a iniciativa que este ator, brilhante que é, tomou, e que só eu, que não leio Caras nem Amiga, ainda não sabia: Ele tem um projeto de criar bibliotecas em áreas carentes. Usa o cachê de alguns trabalhos para isso -- comprar livros e estantes e pagar uma graninha para a prima catalogar e organizar os volumes. Parabéns Lázaro Ramos. Muito legal, isso. Desculpe ter ficado escutando sua conversa, mas foi impossível não ouvir. E prometo que não conto para ninguém a história da velhinha que decide voltar à cidade natal. Pelo contrário, não conto e ainda recomendo que comprem o livro do Lázaro, que vai sair pela Objetiva. E que assistam o filme, é claro!

Sunday, May 18, 2008

Beatles forever

Aprendi a falar inglês por causa dos Beatles. Eu era totalmente apaixonada por eles, e ainda hoje me descubro, inconstante e infiel, revendo preferências: John ou Paul? George ou Ringo? George ou Paul? Ringo ou John?E fico nessa análise combinatória, permutando nomes e amores, mas sabendo, pois Menotti del Picchia me ensinou, que o bom do amor está na variedade...
Bem, ontem à noite fui à casa de uma amiga, para comemorar o aniversário do marido dela, e quem acabou ganhando presente fui eu: Uma exibição de um filme absolutamente delicioso: Across the Universe. O roteiro foi escrito a partir de músicas dos Beatles e a diretora, que era set designer (cenógrafa?) antes de ser diretora, caprichou nas imagens maravilhosas. Tudo é lindo no filme, e a historinha, uma crônica dos anos 60, é contada de maneira eficiente e lírica. Não guardei o nome dela e como a sessão terminou muito tarde, não quis ficar atrás perguntando e anotando. Depois descubro e conto para vocês. E saí de lá com a impressão de que ela prefere o Paul, pois o inglesinho sugere uma versão anos 00 do Paul...
Foi o fecho ideal para um dia que começou com um outro tipo de presente: uma ida à Escola SESC de Ensino Médio, um oásis de esperança, um lugar que me fez acreditar que o Brasil ainda tem futuro, que vai dar certo apesar de todas as manchetes de jornal. O SESC me faz ter orgulho de ser brasileira, juro! Pessoas idealistas, compartilhando o lado bom dos seres humanos, ensinando que podemos, sim, ser comparáveis aos deuses. A Escola é um show, traz alunos de todo o Brasil para um convívio em excelentes instalações, com professores altamente gabaritados e motivados, e oferecem a eles, além de 5 refeições diárias (coisa que, adolescentes que são, eles parecem apreciar muito) lap tops, video clubes, biblioteca, teatro, música, ballet, um ginásio poli-esportivo de gabarito, estudo dirigido, e, ainda, diversão. É uma utopia posta em prática. Amei ir lá e poder participar, de alguma forma, para a grandeza deste projeto.
Hoje, então, tive que terminar um trabalho acadêmico e, para isso, precisava da informação sobre uma revista onde publiquei um artigo. Como não acho nada do que guardo, fui me procurar no Google. Oh, espanto! Apareceram 109.000 referências, quando digitei Lucia Bettencourt. Desanimei e fui procurar no Yahoo. O número diminuiu, mas, mesmo assim, era exorbitante, umas 67.000 entradas. Logo percebi que eu não estava com essa bola toda: Tenho uma homônima, cantora famosa, que divide comigo essas entradas, e tenho outras homônimas, não tão famosas como a cantora, que estão em diversas páginas açorianas. Bem, descobri o título do meu artigo (nem isso eu lembrava mais) e em que revista foi publicado, mas não consegui os dados bibliográficos. Vejo que, com todas essas mudanças de computador durante minha vida, perdi muitos arquivos de trabalhos passados, que, embora vivos em minha memória, aparecem sem título, sem referências, meras recordações... Acho que não vou poder cumprir minha promessa de mandar meu trabalho sobre Carolina Maria de Jesus para a professora Fernanda, que conheci lá no SESC. Mas, mesmo sem minha colaboração(totalmente dispensável, diga-se de passagem), sei que ela vai brilhar em suas aulas e tese.
Descobri também que a propaganda do prêmio SESC que foi publicada na Veja e no Rascunho, aparece num site chamado Propaganda da Vez. Fui lá, para descobrir porque era da vez, mas não havia nenhum comentário.
E agora bye, bye, pois o dia está lindo e eu resolvi que vou aproveitar um pouco de toda essa beleza lendo na praia

Tuesday, May 13, 2008

Bate outra vez, com esperanças...

Acordei assim, hoje -- esperançosa. Será que é porque vai terminando o verão? Bem, na verdade, já terminou; abril, o mais cruel dos meses, também já terminou. São muitos os pontos-finais. Mas o meu coração, inexplicavelmente, se agita esperançoso, bate, canta músicas antigas e animadas. Revejo contos abandonados, termino poemas há muito por terminar. Meu corpo, ainda molengo da virose que me atacou, se recusa a obedecer às ordens que lhe dou. Falto à ginástica, não leio as obrigações, jogo paciência entre uma revisão e outra. Saio à rua e encontro amigos. Distribuo sorrisos, pródiga.Volto para casa, e o cansaço retorna, mas ainda tenho ânimo de visitar o computador, contente por receber o Rascunho, feliz com o presente inesperado de uma amiga querida. Me aconchego na manta tricotada em cores alegres que ela me enviou, como num abraço. Desisto de jantar. Retomo o livro que devia estar lendo, mas me distraio, sentindo o perfume das rosas. Lembro dos versos que passei o dia revisando: os poemas que dedico ao meu amado. Acho que é isso, esse amor que ainda me habita e me sustenta: Meu amor, você me dá sorte na vida...

Friday, May 09, 2008

Mais coisas boas!

Estou de molho em casa, com uma gripe esquisita, que ao invés de me fazer tossir e espirrar só me dá um cansaço e um desânimo antológicos. No entanto, recebo boas notícias:
Ontem nasceu o Nicholas, filho de minha amiga Ronize, com 50 cm e 3,460. Um fofo simpático, sorridente, que quis chegar a tempo de dar beijinhos na mamãe, no dia delas.
E, por falar em Dia das Mães, este é o título de meu conto lá no Histórias Possíveis. Não pensem que é um conto bonzinho. Fala de mães más, já que elas estão em todos os jornais.
Mas voltemos às coisas boas: Outro amigo, o Dolino, me manda notícias de seu sucesso pelo mundo. Ele andou expondo seus quadros e recebeu grandes manchetes nos jornais da Costa Rica. Por onde ele passa, sempre faz sucesso, e eu fico feliz por ele.
Outro amigo mereceu, há pouco tempo, uma grande reportagem no ELA, do Globo. Trata-se de Daniel Lannes. Acho bom investirem nele agora, que está começando. Ele ganhou uma bolsa de estudos e vai para Los Angeles, mas os quadros dele estão na Marsiaj, aqui na Gávea.
Querem mais? então aqui vai um poema de Kaváfis

ÍTACA

Constantino Kavafis.

Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.



Constantino Kabvafis (1863-1933)
in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.

Acabo de descobrir que há um vídeo no U-Tube. Mas a gripe já está me vencendo, e, com o corpo doído, deixo a quem quiser a missão de ir lá assistir.

Thursday, May 08, 2008

Quantas coisas legais!

Desta vez o título sai assim, com ponto de exclamação, bem enfático, para mostrar como estou feliz com a participação de vocês. Olá, Wagner. Há quanto tempo! Eugênia, espero que você tenha ido visitar o texto do Guido sobre o F.B., muito legal. Alô caladinhos, a todos vocês o meu carinho e meu sorriso deslumbrado de quem vê um poderoso iate branco deslizando veloz pelas águas do Leblon, e parte em viagem mental, lembrando de outros iates, outros mares e outras ilhas.
Meu amigo Aquino publicou no seu blog uma foto do ateliê do Bacon.
Vejam só a bagunça! Mas eu nem posso falar, pois também sou uma bagunceira incorrigível
Meu amigo André apareceu numa foto do globo on-line, numa reportagem sobre os Amores Expressos, dos quais ele participa. Vejam aqui.
Estou fazendo umas gracinhas, mas não sei se estes links vão dar certo. Tomara que vocês possam ir nestes destinos cibernéticos e que se deliciem. E, como o dia está lindo e eu quero dar um presente a todos os meus leitores, transcrevo aqui um poema, Tecendo a manhã. É um dos meus prediletos, e fala não só da manhã, mas da cultura, como um todo, e é isso que estamos fazendo aqui, entrecruzando nossos fios de luz, nossos encantamentos, ampliando nossas almas. E, com vocês, João Cabral:

Tecendo a manhã

1


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


2


E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


(A Educação pela Pedra)

Monday, May 05, 2008

Manhã

Tenho um conto, que foi um dos três agraciados em Passo Fundo com o prêmio Josué Guimarães, que fala exatamente de uma manhã assim, enevoada:

Naquela manhã cinzenta o mundo não lhe parecia muito interessante. Sem sol, sem vento, sem chuva, o mundo estava como que embalado para mudança, todo algodões e papel de seda, aguardando o transporte.

É assim que ele começa. A mulher senta-se em frente a um computador numa manhã como essa e começa a devanear, pensando sobre o que é a vida, e, ao final, percebendo que a sua vida era aquela que se escrevia. Se algum dia alguém analisar minha obra, acho que vai classificá-lo como literatura "mulherzinha", que é a maneira meio pejorativa, meio afetuosa que algumas pessoas aqui se referem ao que pode ser chamado de literatura feminista. O quanto eu já lutei apaixonadamente pelo respeito à literatura feminista! Até desistir de assistir aulas de H. B., quando estava estudando lá em Yale, desisti, como protesto ao fato de ele ter dito, na sala de aula, que o feminismo não era grande coisa. Isso foi numa outra vida, e já não lembro exatamente das palavras que foram ditas. Só lembro mesmo do meu sentimento de indignação quanto ao que foi dito. Levantei-me e fui embora da sala de aula, como se ele estivesse perdendo alguma coisa com a minha partida. Pretensiosíssima....Ele falou alguma coisa a cerca de mudar o mundo -- literatura capaz de mudar o mundo... Então para terminar com uma homenagem a uma escritora que queria ser recebida sem preconceitos, Cecília Meireles, aqui vai de brinde o Romance LIII ou das Palavras Aéreas

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

ai, palavras, ai, palavras,

sois de vento, ides no vento,

no vento que não retorna,

e, em tão rápida existência,

tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,

e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

todo o sentido da vida

principia à vossa porta;

o mel do amor cristaliza

seu perfume em vossa rosa;

sois o sonho e sois a audácia,

calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas,

ai! com letras se elabora...

E dos venenos humanos

sois a mais fina retorta:

frágil, frágil como o vidro

e mais que o aço poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos,

pelo vosso impulso rodam...

Detrás de grossas paredes,

de leve, quem vos desfolha?

Pareceis de tênue seda,

sem peso de ação nem de hora...

- e estais no bico das penas,

e estais na tinta que as molha,

e estais nas mãos dos juizes,

e sois o ferro que arrocha,

e sois barco para o exílio,

e sois Moçambique e Angola!

Ai, palavras, ai, palavras,

íeis pela estrada afora,

erguendo asas muito incertas,

entre verdade e galhofa,

desejos do tempo inquieto,

promessas que o mundo sopra...

Ai, palavras, ai, palavras,

mirai-vos: que sois, agora?

- Acusações, sentinelas,

bacamarte, algema, escolta;

- o olho ardente da perfídia,

a velar, na noite morta;

- a umidade dos presídios,

- a solidão pavorosa;

- duro ferro de perguntas,

com sangue em cada resposta;

- e a sentença que caminha,

- e a esperança que não volta,

- e o coração que vacila,

- e o castigo que galopa...

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Perdão podíeis ter sido!

- sois madeira que se corta,

- sois vinte degraus de escada,

- sois um pedaço de corda...

- sois povo pelas janelas,

cortejo, bandeiras, tropa...

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Éreis um sopro na aragem...

- sois um homem que se enforca!