Sunday, June 17, 2007

Dias nublados

Domingo de preguiças e lembranças... Há dias que a gente acorda assim, devagar, se deixando ficar um pouco mais entre os lençóis, e depois saindo da cama arrastando chinelos, cabelos sem pentear, com preguiça de ler as mesmas notícias dos jornais. Depois fica procurando o que fazer entre as páginas de algum livro, mas a cabeça parte em devaneios, inquieta. Cada frase, cada letra é um desvio. Lembramo-nos de músicas antigas, italianas, com suas exageradas declarações de amor - coisa de cantores como o Wando, que está em alta, depois de ter seu dito machista repercutido em todos os jornais. Acho a ministra um horror, seu "relaxa e goza" pior ainda, mas acho infinitamente mais pobre essa reação que as pessoas ainda admiram no Brasil - uma tirada machista. O Wando vai me perdoar, mas duvido que ele conheça alguma bem-amada, pois amante machista não sabe amar bem. Como é que se ama? Quando é que se ama? Quem sou eu para responder essas questões transcendentais, que todos os dias me assombram! Vivo formulando perguntas, tenho a sensação de que sou habitante de uma charada. O mundo é tão cheio de enigmas! E eu me pergunto, mas nem sequer espero pela resposta, vou logo perguntando outra coisa, e mais outra, e ainda outra... E, no entanto, sou daquelas que acreditam em muitas "certezas". Vivo tendo pequenas epifanias que se esvaem tão logo eu tente formular em palavras essas visitas do espírito (santo?) São sensações, de repente todo o mundo faz sentido e me perpassa. Se tivesse à mão meu livro de Drummond, transcreveria A máquina do mundo. Por um breve instante nos é dado vislumbrar o funcionamento dessa máquina. Por uma instantânea eternidade visitamos o Aleph. E depois, continuamos, para o final trágico, edipiano. Nada do que Freud ensina como edipiano, antes com a idéia de destino, de nosso inevitável destino. E daí, num salto epistemológico permitido nos domingos nublados, saltamos ao Egito e à bela deusa Nut, com suas asas douradas abertas sobre nós. Pena que eu seja tão despreparada e preguiçosa, se não colocaria aqui uma imagem da deusa, como ela aparece em alguns sarcófagos: Sobre a cabeça e entre as pernas um disco, representação do sol, nascendo e se pondo, no eterno retorno, apogeu e ocaso, voltando para o mesmo útero e recriando-se de novo.
Agora me pergunto: como foi que cheguei até aqui? Quando tudo o que queria era agradecer os comentários e o carinho da EZ e da VH?
Antes de me despedir, só mais uma coisa: estou encantada com a idéia de energia. É, energia, coisa que eu nem sei explicar direito, mas que os cientistas vivem esmiuçando: energia, que, segundo entendi, é imortal. Se é imortal, e nós somos feitos de energia, só preciso de mais uma epifaniazinha para compreender como recuperar a forma que essa energia adotou um dia.
Acho que era mais simples quando eu ficava sonhadoramente repetindo que somos "poeira de estrelas"... E somos! E convido a todos a ler Calvino.

Saturday, June 16, 2007

Ne me quitte pas

Estou com saudades de meus leitores. Andei pensando em dois blogueiros que de vez em quando me visitavam, e que eu visitava de volta, para minha alegria. Por onde andas, helderpoeta, dos belos versos e de um bom gosto incrível para escolher ilustrações para seus posts. E você, Wagner, tão delicado, que volta e meia me deixava uma mensagem pequenina, só anunciando sua visita? Onde anda Daniela Mendes com seu talento, seus contos e insights sempre interessantes e surpreendentes? Por onde anda Vera Helena, sábia e perspicaz? Por onde anda o Amauri dono de palavras gentis? E a Thalita e seus sonhos? Por onde andam os comentários do enigmático Desejo, solto, sem rosto nem nome, um legítimo filho de Vênus? E Berthe, nom de plume de uma amiga de sorriso amplo e idéias grandiosas? E aqueles de visitas únicas, que nunca mais voltaram? Por que partiram?
Não seria bom se os blogs tivessem identificador de chamadas e a gente pudesse, nos agudos ataques de solidão, lançar apelos a todos os que, um dia, tiveram a curiosidade de nos ler? Outros passaram pelos posts do nadanonada, e, tímidos ou desdenhosos, não deixaram rastros. Outros, amigos, mandaram comentários pelo e-mail pessoal da autora. Outros amigos visitam sempre: meu mano mentor André de Leones, com seu canissapiens que já se profissionalizou nos blogs e noutras literaturas. Outros enrolados com teses e prêmios, andam sumidos, como o Wesley. Estou com saudades desta turma, ne me quittez pas! Quem lembra desta música, lamento tão triste, um atrás da porta francês?

Wednesday, June 13, 2007

Ítaca

Há um pequeno livro de poemas no mercado que parece uma jóia preciosa: Poemas, de Konstantinos Kaváfis, publicado pela José Olympio. O tradutor é José Paulo Paes, que faz uma longa apresentação. O poeta é ótimo. Quem gosta de poesia e ainda não o conhece, tem que correr "em busca do tempo perdido". Como estou dirigindo um grupo de estudos que está examinando A Odisséia, fui checar o poema Ítaca, na tradução acima e na de Marguerite Yourcenar, ambas excelentes, só que a da MY é em prosa.
De presente para meus leitores, transcrevo Ítaca, pois o que é belo tem que ser compartilhado.

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
As muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar,
mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho,
mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

Ave Sangria

Li uma entrevista de Marco Polo Guimarães no site Interpoética e adorei. Primeiro porque fiquei conhecendo um pouquinho mais este amigo que conheci há um ano apenas, e a quem vi apenas duas vezes, e no entanto, estimo como se fosse uma "estrela da vida inteira". Não vou dizer mais nada sobre ele. Leiam lá no site a entrevista, e vejam que pessoa mais interessante e que excelente poeta ele é. Mas vou perguntar se alguém aí no espaço tem as músicas do Ave Sangria, grupo do qual ele foi o vocalista. Fiquei morrendo de vontade de escutar esses roqueiros arretados portadores de peixeira, irreverentes seixos rolados nordestinos que ousaram desafiar os cabras da peste. Queria colocar aqui um retrato do grupo, que achei na net, mas não soube reduzir o tamanho da foto. Ah, como me identifico com Macunaíma! Sei que posso aprender, mas digo, ai, que preguiça, e deixo para depois. Então, aqui vai o blog sem foto, mas quem quiser conhecer os meninos, é só googlar, que eles têm página. E feliz dia de Santo Antônio para todos!

Friday, June 01, 2007

Um pouco de poesia

Há quanto tempo não venho aqui! Quanta saudade de jogar conversa no cyber espaço, para ver quem é que me escuta...
Há muito tempo que não coloco nada literário aqui neste blog, porisso hoje vamos de poesia, para começar bem este mês de junho.

Vênus

O olhar de tranqüila indiferença

o sorriso levemente zombeteiro

entre as espumas do mar

Uma cabeleira

de algas douradas

pernas esguias

quase enguias

sobre uma concha

talvez algumas flores

ou dedos feito anêmonas

sublinhem

a beleza de quem

desconhece o belo

o olhar

tranqüilamente

indiferente

e o sorriso

abertamente

zombeteiro

cabelos

membros

espumas fúteis

beleza

na sinuosidade

da concha