Friday, December 30, 2011

Imaginações

Bem, vocês já me conhecem para saber que sou muitas, arlequinal como o poema do Mário de Andrade. 300 ou 350, ou mesmo milhares, fui criada dentro das crenças do mundo ocidental o bastante para saber que toda coisa boa tem seu lado ruim e vice-versa. Os deuses gregos me ensinaram isso com belos mitos, a mesma deusa que defende a castidade é a que protege o parto, para dar um exemplo não tão batido como o do deus que, padroeiro do comércio, presta iguais serviços aos ladrões. Sendo assim que meu gosto por imaginar coisas, se me constitui uma identidade como escritora, também mina minha necessidade de ação. O que imagino, muitas vezes, já não preciso fazer… Mas é esse me colocar no lugar dos outros que me permite criá-los como personagens, que sairão tanto mais verossímeis quanto eu conseguir imaginá-los. Seria esta a trama do romance do Coetzee? Acho que ele postula uma coisa mais sofisticada: os personagens criam sua autoria… Bem, no caso dele, acho que é um pedido de desculpas por ser assim, um descrente intrometido, de frios olhos analíticos, incapaz de amar. Neste romance que li, Slow Man, encontro uma verdadeira confusão sobre o amor, que nem o "retardado", nem a pretensa autora, nem ele mesmo conseguem apresentar. Mas não o culpo: olha que já tem uns dois mil e quinhentos anos que vamos tentando descobrir o que é isso, e nada! Ainda esbarramos em nossa incapacidade de definir o Amor. Eros e Psiquê, apaixonados para sempre, mas incapazes de se conhecer, aqueles danadinhos dos gregos antigos já nos haviam avisado…
E, no entanto, o que é que me toca no romance? A desesperada necessidade de amor de todos os personagens, principalmente daqueles que, já no ocaso, podem até desejar se enganar com um simulacro, mas que sabem muito bem que não se confunde amor com atenção, carinho ou seja lá o nome que se possa dar a esse sentimento meio doméstico de uma velhice acompanhada…
Sei que lido mal com minha viuvez: até hoje não me conformo e tenho raiva de continuar vivendo uma vida que agora me parece "mais ou menos", uma vidinha medíocre na qual deixei de representar o papel principal para transformar-me em coadjuvante. Onde está aquele que me iluminava e me aquecia com seu olhar? Se eu fosse outra, acho que teria saído a procura de alguém que substituísse os holofotes que se apagaram. Mas, leitora de Coetzee, como me satisfazer com simulacros? Mantenho-me, como o personagem amputado, recusando próteses e odiando meu ser incompleto.
Mas não vim aqui falar dessa Lúcia, que pode ser tão irreal quanto as outras que me habitam. Vim falar de outra coisa, muito diferente, de uma conversa que escutei por acaso, mulheres comentando o programa da Ana Maria Brega. Alguém se declarou no Bateau Mouche em Paris, tudo devidamente filmado e mostrado pelo programa, e uma das mulheres que conversavam dizia que esse era o sonho da vida dela! A outra disse preferir que a declaração fosse à meia-noite, sob o luzir dos fogos de Copacabana… Bem, confesso que estou editando um pouco o que ouvi, para pegar meu assunto pelo pé.  
E o pé é que fiquei me imaginando nas duas situações, querendo saber o que mais me agradaria. No Bateau Mouche certamente que não: fica muito bem na foto, mas conheço bastante aquilo lá para saber que esse barquinho só é bom em dia de chuva e frio em Paris. Bem quente, passeando suavemente pelo Sena, nos permite tirar uma ou outra foto e descansar as pernas cansadas de andar. Que ninguém suponha que vai ter um jantar romântico  e especial naquela armadilha turística!… Mas Paris tem seu charme, ser surpreendida num banco de praça com uma declaração deve ser muito bom! E já embarco numa fantasia completa: uma daquelas antigas livrarias que estão acabando, numa seção de poesia: ele retira um livro da estante, começa a ler um poema, um daqueles que eu mesma não saberia escolher, mas que passaria a fazer parte de minha vida para sempre. Depois, é claro, um afago, simples. O livro fechado numa das mãos, a outra estendida tocando o rosto dela (já virei personagem, nesta altura), delicadamente, contornando os lábios que ela separa sem nem mesmo perceber. Depois, puxando-a para si, ele murmura eu te amo dentro da boca da amada, como se estivesse lhe insuflando vida. Seu abraço se prolonga, mas é cheio de emoção pura, elevada. Ela, instintivamente, sabe que sua relação com ele, a partir desse momento, é mais séria, é uma união. E, antes que eles se separem, ela, com a cabeça escondida no peito dele o escuta perguntar: Você quer se casar comigo? Pergunta que ela não vai conseguir responder com palavras, mas com toda a vibração do seu ser, com nervos, sangue e alento que agora passam a fazer, com ele, um organismo único, inseparável!
Acorda, ó escritora! Será que alguém ainda diz essas coisas nos dias de hoje? As livrarias, tenho a triste certeza, já não estão mais de pé. Ou quando estão, têm mais telefones e kindles para vender que livros em belas encadernações de couro… Vejo no que escrevi o ranço do neoplatonismo, que me fez unir os seres num só, como se o casamento fosse o encontro com sua metade alienada. Cai na real, minha filha! Experimenta o cenário de Reveillon. Mas aí é preciso ser jovem, ter boa audição (como escutar uma declaração de amor no meio do espoucar dos fogos?) Ele tem que ser mais histriônico, gritar seu amor na frente de todos, e, otimista, não se preocupar com um possível assalto na hora de faíscar o anel em frente aos olhos de sua bela. O amor dos dois talvez tenha apenas a duração e intensidade dos fogos. É o suficiente. Afinal, 2013 já está se anunciando e ela vai precisar de mais emoções no próximo ano. Se não for outro amor eterno enquanto dure, será a maternidade, anunciada na praia ou na mesa do La Mole, restaurante que se orgulha de fazer parte da vida de seus clientes.
E assim vou me distraindo da solidão, me conformando com a mediocridade da vida singular, e sobrevivendo a essas datas de tanta loucura, de tantas manifestações…

Wednesday, December 28, 2011

Que livro é esse?

Algumas coisas que leio me remetem a livros fantásticos. Hoje, por exemplo, na coluna do Francisco Bosco (pelo qual professo a mais absoluta admiração) leio: ""li um livro que me fez largar o emprego, mudar de cidade e resolver estudar literatura". Não foi o cronista, mas um colega de turma que se apresentou desta maneira. Um colega de turma que se ficcionaliza tanto quanto a Francesca de Dante, condenada ao inferno por causa de outro livro, tão tentador que lhe fez abandonar os mandamentos, mudar de amante e mergulhar no inferno das grandes paixões.
Num poema que escrevi há muito tempo, imploro à Francesca que me revele o nome do livro, pois já tenho os dedos descarnados de tanto folhear as páginas à procura de semelhante turbilhão. Pelos vistos, o James, que devia ser professor do curso sobre romantismo, o encontrou. Um livro que muda nossa vida, que nos arremessa como uma folha num dia de vento, para cima, para baixo, e de simples e decadente folha seca nos transforma em pássaro, nos eleva, nos mostra o mundo sob outra perspectiva que nunca mais poderá ser esquecida.
James, Francisco, Francesca que livro é esse?
Estou bem grandinha para desconfiar que cada qual tem o seu. E talvez não seja o livro em si, mas a chave que trazemos conosco que nos abre a porta da paixão. Li e reli a história de Lancelot, em diferentes versões. Eu não tinha a mesma chave de Francesca. Não tinha ao meu lado alguém, trêmulo de desejo, que me beijasse a boca. E, se tivesse, será que teria correspondido ao beijo? Duvido. Para mim, os versos de Dante são mais tentadores que a história do herói e de sua rainha adúltera.
Estou, também, desconfiada, de que talvez esse "livro" mítico que procuro tenha sido encontrado por mim antes mesmo que eu tivesse a noção de que ele mudaria a minha vida. Não precisei abandonar tudo e mergulhar num ímpeto porque fui seduzida, ainda criança, por uma flauta melíflua e doce que me levou para reinos encantados, onde anseio habitar.
Ontem, trocando mensagens com um amigo, lhe confessei que meu maior sonho seria ser personagem, viver dentro da proteção da capa de um livro, habitante de uma estante onde tivesse vizinhos fascinantes. Ele me respondeu –ah, esses homens e seus hormônios simplificadores! – que isso era fácil, que somos aquilo que escrevemos. Somos? Mas quem somos? Se o que aflora em nossa escrita é o não-dito, como nos reconhecer? Se o que desejamos é trocar de identidade, como ser aquele pelo qual nos trocamos? Damos um pouco de nós a cada personagem, mas eles não nos representam. Nem mesmo quando escrevemos em primeira pessoa, num diário ou numa confissão, logramos ser aquele que surge do mar de tinta, como uma vênus, ou um monstro marinho.
Volto a citar Francisco Bosco: "A experiência da leitura não se esgota ao fim de sua atividade: prolonga-se depois de fechado o livro, instala-se na mente do leitor, transformando-a, e assim confunde-se com a sua vida, transformando-a também."  Tudo o que lemos nos modifica, tudo o que escrevemos nos constrói, e assim, seres em construção, em permanente transformação, multiplicamo-nos e nos transformamos em enigmas. Se podemos, ao olhar a foto de um bebê, proferir a frase "esse sou eu" e não provocar a risada de todos os que nos escutam, é porque aprendemos a ampliar nosso ego em milhões de seres e de imagens que, em algum momento de nossas vidas nos representaram ou representam. Se Flaubert pode dizer que "Mme Bovary c'est moi" é porque ele também descobriu o que Rimbaud, aos 15, nos ensinou a todos: "Je est un autre". Esse mesmo Rimbaud, que, num par de versos, fez o Bosco conhecer o que é verão, também me fez, em outros conhecer o que é a dor. Mas, em nenhum momento, experimentei a dor lida. Conhecer, experimentar, ser: com uma gama tão complexa de avaliações, continuo a me perguntar que livro é esse? E sigo com as leituras, gastando olhos e dedos… 

Monday, December 26, 2011

Por que é que eu invento?

Quando era pequena, fui muitas vezes censurada com esta pergunta: "por que é que você inventou de fazer isso?" Minha família, que parecia saída de um conto de Dickens, não achava muita graça nas minhas "invencionices", que sempre pareciam dar errado. Mas continuei inventando e descobri que, muitas vezes, as "invencionices" dão certo. Só que  desta vez deu errado: quis mudar tudo na ceia de Natal, e estou aqui com cara de Scrooge que não se arrependeu a tempo. Não comi a ceia natalina pela qual esperei o ano todo, nada daquelas coisas tradicionais, e agora vou ter que esperar pelo ano que vem! Mas, acontece, que anunciam que o mundo vai acabar antes. Nevermore, quoth the raven! De Dickens para Poe, assim vou mal. Mas ainda posso piorar: estou lendo Coetzee, vocês já sabem, o escritor que amo odiar. Estava até fazendo as pazes com ele quando o danado começou a fazer troça de mim. Bem, achei que ele estava falando comigo e me zanguei. Mas não vale muito essa minha zanga, não no dia de hoje, pois a chuva influencia o meu humor. Passei da mais completa euforia, de dias azuis e de sol, para torrentes de chuva, se despejando incessante sobre meu paraíso. Desisti de minha "favela chique" e voltei para o Rio, atravessando engarrafamentos, acidentes, toda aquela rotina de sempre. De sempre não, dos últimos dias. Como na igreja, e nas profecias. Agora me pergunto: Por que é que eu invento? Mas respondo: graças aos céus que invento. Assim se suporta um pouco melhor o desespero e o desalento que essa época de festas semeia em nossos corações, por baixo de tanto brilho e de papéis laminados. Minha ceia não deu certo, confesso. Não suportei o tal pernil de vitela, que eu já de antemão sabia que não iria comer. Me desapontei com o bacalhau, diferente do de minha sogra, reconfortante como uma certeza. Me surpreendi com a falta de receptividade de minhas rabanadas, sempre disputadas e consideradas as melhores do mundo (pela família, é claro) que, desta vez, alegou uma ojeriza pelo doce que provoca males nunca dantes suspeitados. As castanhas sumiram na geladeira, as saladas ficaram esquecidas e a única que agradou serviu também de estopim para desavenças. Sobrou o salmão, o champagne geladinho, sem os quais a família teria passado fome. Acho que aprendi a lição: se houver Natal em 2012, não vou inventar moda. Ou talvez possa servir somente o salmão…

Sunday, December 11, 2011

No meio do caminho

Ao contrário do que seria de se esperar, conhecendo-se minhas preferências literárias, não estou citando Drummond, e sim a crônica da Marta Medeiros de hoje. Acho que nem sequer estou citando corretamente, pois ela falava do meio da vida, avisando-nos de que, fossem quais fossem as perdas, a morte só ocorre no final. A Marta é sempre positiva, e não admira que tenha uma legião de admiradores. Meus amigos acham que sou assim, sempre para cima, sempre alegre… Mas aí lêem o que escrevo e ficam assustados. Eu mesma, às vezes, me assusto! Já estou no terceiro conto de Natal, e cada um saiu mais triste que o outro. Logo eu, que sofro da síndrome do Coringa, e estou sempre com um sorriso no rosto! Que histórias são essas?! Não sei, eu também me pergunto. Vai ver que sofro de dupla personalidade.
Já ouvi vários comentários diferentes e interessantes sobre Anunciação, meu conto na Bravo de dezembro. Uma amiga falou em viuvez, outras em esquizofrenia, outras em aborto. Já levantaram discussões sobre religião, sobre TOC, sobre caminhadas matinais e falta de potássio. Já falaram em ritmo, em imagens, em cortes cinematográficos. No entanto, numa coisa, todas, sem exceção, concordaram: é um conto muito triste. Acho que sou uma pessoa envergonhada de ser triste. Mas, na hora de escrever, me revelo. E, no entanto, essa tristeza que é minha, não me identifica. Mistérios da escrita: nada nos revela mais, nada nos esconde mais. Se me procuram no que escrevo, não estou lá. Mas nunca sou tão verdadeira como quando escrevo. E aí? Como solucionar esse mistério?
Outra coisa no meio do caminho de hoje são as sombras na foto do calçadão. Que maravilha de foto! Proustiana, eu diria. Cada pessoa, pequena em seu instante, projeta uma sombra longa, definida e expressiva. Somos esses mistérios, seres de vida ambivalente, pertencemos ao tempo e ao espaço. O que somos no presente não pode nos definir completamente pois também somos o que já deixamos de ser, e o que ainda não fomos. E essas miragens são mais definidas, embora impalpáveis, precárias. Basta uma nuvem para que tudo se desfaça… Parabéns ao Chico Lima, autor da foto.
Durante um tempo, essa que já não sou quis se assinar Lucia Lima. Na verdade, lucia lima, pois tinha lido e.e.cummings e estava encantada pela possibilidade das minúsculas. Nesta época tinha uma letrinha redonda e desenhada, o nome ficava simpático, com as letras bem juntinhas. Mas, depois, conheci o Guilherme e me apaixonei. E adotei o Bettencourt como minha identidade. Sempre assumi este nome como de origem francesa. Agora, nesta viagem, minha companheira de excursão, Gisela, da Bavária, me perguntou por que meu nome era alemão. Admirei-me, mas é uma possibilidade, e faz mais sentido do que em francês, idioma que exigiria adaptações para a tradução do nome. Bet, betten, court, tudo faz sentido em alemão, ela me garantiu. E assim, no meio do caminho, descubro que sou outra, diferente da que eu pensava. Vejam as sombras que projetamos, e que precisam ser lidas e esclarecidas para nós mesmos. Encontrar surpresas, reinventar-se no meio do caminho, dividir-se ou multiplicar-se. Seres em processo, sempre em alteração, até que, de repente, tudo se cristalize numa imagem que aos poucos vai se esfumando…

Friday, December 09, 2011

Coisas de esquecer

Passamos nossa vida nos treinando a "não ver". Quantas vezes dizemos a nossos filhos: não olha, segue em frente? Pessoas dormem nas calçadas da cidade e a gente passa fingindo "não ver". Homens e mulheres montam suas banquinhas de jogo de bicho e a gente  pretende "não ver". Crianças fazem malabarismo nos sinais e nossos olhos os desfocam, ou nos procupamos com as crianças dentro de nosso próprio carro que olham para aquilo e não entendem. Fazemos que não vemos e ensinamos nossos filhos a não ver, também. E pagamos um preço alto por isso. Vamos perdendo nossa humanidade. 

Coisas de admirar

De vez em quando me admiro de coisas assim: basta um acidente de carro para a cidade parar. Como é que pode isso? Alguém me explica? Há uns anos atrás a cidade parou por conta do incêndio do Zona Sul. Semana passada a Av. Brasil, às 3 horas da tarde de uma quarta-feira, parou por conta de 2 carros enguiçados e um acidente. Somos reféns do nosso trânsito, uma coisa inexplicável!
Hoje, antes de abrir esse post, estava olhando as fotos que tirei no Marrocos, e relembrando as ruas e estradas por onde passei. Buracos? nenhum! Já aqui, na Voluntários da Pátria, sempre que passo, me lembro da música dos Beatles (a day in life) por conta dos 4000 holes… Quatro mil buracos? Acho que são mais do que isso.
Andamos de um lado para o outro no Marrocos sobre estradas impecáveis. Viajamos de trem cuja primeira classe, pelo menos, era decente. Não era nenhum TGV, mas estava lá no horário e oferecia conforto básico. Aqui, mesmo que queiramos ir a algum lugar de trem, não existe a opção.
Houve um tempo em que o Rio não vivia sob a ameaça de epidemias de dengue. Um tempo em que as pessoas saíam para namorar à beira-mar. Em que fazia calor nos dias de verão, mas ao fim do dia tudo refrescava, com uma chuva que quase nunca alagava, embora fosse fortíssima. Devia ser nessa época que uma canção italiana, meio saudosista, fazia sucesso Era d'estate, poco tempo fa… Pois é isso. Era verão, faz pouco tempo, e as coisas pareciam melhores. Será que ainda dá para consertar?

Tuesday, December 06, 2011

Estou tentando!

Sei que às vezes é difícil seguir as resoluções, principalmente quando tomadas em épocas como esta: fim de ano, agenda cheia, muita confusão para administrar. Mas estou tentando. Escrevi uma coisinha para minha amiga Tatiana, mas acho que ela não gostou. Não me disse nada, portanto, se leu, não gostou. Mas talvez ela esteja viajando, e não tenha lido ainda. Estou torcendo para ser isso.
Também escrevi um conto de Natal, mas não me satisfez. Natal na África, foi o título que dei. Gostei, mas não era esse o conto que queria escrever, gosto de umas coisas com mais espírito natalino. Esse conto que escrevi era exatamente sobre a falta de espírito natalino, a indiferença com a data. Eu procuro milagres. E, como nunca os encontro, procuro, ao menos no Natal, escrevê-los.
Hoje comecei outro, mas tive que ir ao dentista, e duvido que seja capaz de escrever um conto de Natal com a boca anestesiada. Deixo para amanhã. Ou, ao menos, para quando passar a anestesia.
Abro minha caixa de correspondência com a esperança de quem acha que vai ganhar presente. Mas não ganho nada. Poucas mensagens eletrônicas. E, no correio tradicional, só as boas festas dos entregadores de jornal e de revistas. Além das contas, é claro.
Mas sou uma pessoa que se encanta com os sucessos de outras pessoas: Uma amiga que arranja um namorado e parece feliz, uma nova amizade cheia de boas ideias e de projetos, uma criança que lê com desembaraço e encantamento, um amigo que se restabelece de uma doença, a delicadeza de uma outra amiga que me traz fotos do Harar, um convite para uma sessão de cinema, são coisas que me alegram, me deixam encantada por me sentir rodeada de pessoas especiais.
Daí que chego à conclusão de que vou continuar escrevendo, tentando me disciplinar, mas sem podar essas coisas que dão sentido à minha vida. Pois é assim que funciono. E me volta a esperança de que alguma coisa especial vai-me acontecer, que uma mensagem chegará, que alguém vai aparecer, que as coisas vão melhorar. E, caso nada aconteça, vou fazê-las acontecer por escrito.

Monday, December 05, 2011

Já é dezembro!

Dezembro chegou e eu ainda não escrevi meu conto de Natal. Gosto de escrever contos de natal, mas este ano ainda não tive tempo. Na sexta-feira (esta sexta-feira, dia 2, que já me parece tão distante como se tivesse ocorrido há um ano) estive com alguns amigos na festa de aniversário da SHAHID. Três aninhos! Parabéns, Valéria! Lá recebi um conselho: tenha foco. Não deixe que seus múltiplos interesses lhe atrapalhem, concentre-se em fazer aquilo que você mais quer. Na verdade, ninguém estava me aconselhando, era uma conversa, tipo: "Já repararam que os escritores famosos, como o Hemingway, são obsessivos? Tudo é matéria para seus romances, eles não saem por aí estudando física quântica ou perdendo tempo em especulações sobre a economia"… Eu é que traduzi a conversa para mim mesma: foco! Concentre-se. Dos vinte e cinco mil projetos em andamento, escolha dois ou três e dedique-se a eles. Por que é que você vai ficar lendo coisas que não vão lhe servir para nada? Porque é que você fica se deliciando com historinhas sobre Paris ou romances de amigos, ao invés de escrever suas histórias sobre seus personagens? Mas não quero abrir mão de meus prazeres. Vou-me deixar tentar por livros diferentes, vou passear com uns e outros, vou continuar dando minhas aulas, mas vou arranjar tempo para escrever todos os dias. Todos, eu disse! E começo hoje mesmo! Vou escrever!

Sunday, December 04, 2011

Belo monte

Recebi um link e até compartilhei no Facebook: artistas questionando a hidrelétrica de Belo Monte. Concordo, sou contra essas obras grandiosas que são feitas à custa de grandes sacrifícios ecológicos. Até hoje não perdoo o desaparecimento de Sete Quedas para a construção megalômana de Itaipu Binacional. Tenho horror até de pensar na transposição do Rio São Francisco. Fico arrepiada ao ver as construções de enormes edifícios à beira da baía de Ilha Grande, que, com seus esgotos mal feitos, vão poluir as águas daquele paraíso, como já poluem a paisagem. Sofro com essas agressões, grandes e pequenas. Procuro olhar para o outro lado quando passo por Angra I e II e III e sei lá em que número vai. Me arrepio de pavor ao pensar nos pesadelos do pré-sal. Por isso, louvo a iniciativa dos artistas que questionam e fazem o que podem para chamar a atenção para as incongruências do Belo Monte (e olhem a coincidência com Canudos, vem aí uma tragédia anunciada). Mas a pergunta que não quer calar é a participação da Maitê no vídeo. O que é aquilo? Por que Maitê tem que tirar o soutien? Por que tem que tirar a blusa? O que deu nela, moça tão bonita, que virou essa coroa exibida e desinibida? Sei não, mas parece que, ao invés de estar contra a represa, ela parece estar se preparando é para mergulhar nas águas represadas… Vai ver ela tem um plano secreto, será?

Tuesday, November 29, 2011

Crateras

A conferência a que compareci era sobre Crateras de Impacto. São as tais crateras que se formam quando caem grandes asteroides sobre a terra. Minha companheira de viagem,  Dra. Gisela Poesges é diretora de um museu localizado no centro de uma cratera dessas, lá na Alemanha, em Nördlinger Ries.  Basicamente, o que aconteceu por lá foi uma história e tanto: um grande asteroide atingiu a região com uma velocidade de 20 km por segundo. Com toda essa velocidade multiplicada pelo seu peso (que devia de ser considerável, creio eu) esse asteroide penetrou cerca de 700 metros pela terra a dentro, atravessando camadas terciárias de argila e areia, Jurássicas de calcáreo e Triássicas de arenito, e provocando ondas de impacto nas camadas de granito e gnaiss bem lá no fundo (uns 4.500 m). Mas este é apenas o início da história: nuvens de vapor e de rocha se elevam, o solo reage e se eleva, uma chuva de pedras e de rochas derretidas cai sobre a região e forma-se um lago salgado que logo (em termos geológicos, algo como 1 a 2 milhões de anos) passa a ter vida, e que em mais 2 milhões de anos vira um lago de água doce, atraindo toda espécie de fauna. Esta cratera foi identificada como uma cratera de impacto nos anos 60. Pelos vistos, nem todo mundo estava experimentando o Flower Power, havia quem se interessasse pelo Rock and Asteroid Power.
Mas a região, a julgar pelos folhetos que recebi, é um encanto: Cheia de castelos, e muito fértil devido a essa riqueza de rochas misturadas e amalgamadas, existem traços de presença humana desde a idade Paleolítica. O período romano, uma era "Alemana" e outra "franconia", a idade média, todos esses períodos deixaram seus traços arqueológicos na região, que tem 9 castelos e conventos e inúmeras igrejas, e muitas ruínas mais antigas.
Estou doida para ir para lá, ver ao vivo essa região de gente simpática, bons vinhos e de traços históricos. Mais um encanto da Alemanha, país sedutoramente rico e belo.
Muito técnico este post? Talvez, mas não resisto a mostrar meus novos conhecimentos geológicos. Nunca mais serei capaz de olhar para a paisagem sem imaginar um pouco as forças que se combinaram para formar as doces colinas, um terreno plano se estendendo até o horizonte, ou os contornos serrilhados de uma serra. Isso já me assaltava quando ia visitar a Terceira. O centro da ilha era uma cratera, segundo me informou meu marido. Ali havia (deve haver ainda) locais onde uma fumacinha, com cheiro a enxofre, se escapava. E lá visitei uma caverna, com um rio subterrâneo, e muitas plantas.
O prato típico de uma região açoriana é cozido em buracos cavados nesta terra ainda fumegante e quente. Colocam-se os ingredientes na panela, embrulham-na bem, e enterram-na a uma determinada profundidade. Em cima de tudo, colocam uma vara espetada, com uma bandeirinha de cor e formato que a identifique. Exemplo: a verde triangular pertence à Maria, enquanto a rosa retangular é da casa da Aninhas. Isso tudo de manhã bem cedinho, antes de irem trabalhar na lavoura. Passam o dia trabalhando e no fim da tarde as famílias desencavam seus cozinhados, e fazem ali mesmo seu convescote, com um saboroso pão saloio, e talvez algumas fatias de queijo para complementar. A bebida pode ser o vinho da terra, pois lá nas ilhas eles cultivam umas uvas parecidas com nossas antigas uvas, de carninha mole. Mas também pode ser leite, tirado das vacas que pastam disciplinadamente dentro de pastos divididos e subdivididos com capricho, formando uma espécie de tabuleiro de xadrez em diversos tons de verde. Ou mesmo água mineral, pois não faltam fontes por lá. Eu sempre me maravilhava com essa região, que me parecia meio desolada, mas que tinha uma vida rica, interessante. Minha cratera preferida era a do Monte Brasil, um vulcão pequenino, com cara de vulcão de ilustração. Ali na sua cratera, muito verde, meu marido jogava futebol. Acho que foi lá que ele aprendeu a amar o meu país. Pudera, ia jogar futebol no Brasil e morava na rua Rio de Janeiro. Guilherme nasceu para ser brasileiro! Mas me deu o grande amor e carinho que tenho por Portugal e Açores.

Monday, November 28, 2011

E essa agora?

Descobri, somente agora, que tenho muitas estatísticas quanto ao meu blog. Que máximo! Tem gente à beça pelo mundo afora visualizando meu blog. Espero que todos esses visualizadores estejam entendendo, pois minhas postagens são feitas em português, língua de muitos, mas que já não tem mais o caráter universal que teve nos séculos XVI e XVII. Li, não sei onde (provavelmente no romance Shogun, será que alguém lembra?), que era essa a língua de comunicação pelo mundo afora, pois os navegadores portugueses tinham transformado o mundo numa "aldeia global". Iam daqui para lá e de lá para cá, e foram disseminando sua língua, na qual ensinavam as artes e os segredos de marinharia… Por falar em leituras, li hoje a reportagem sobre o José Olympio, o grande livreiro do auge da literatura brasileira. E li o livro Cartas perto do coração, que me deu um grande desejo de viver num tempo assim, em que escritores eram tão amigos, amigos irmãos, se ajudando mutuamente, se comentando, se encorajando contra a indiferença dos editores… Caraca, já naqueles tempos os escritores sofriam e rangiam os dentes, na tentativa de conseguirem ser publicados. Uma vez publicados, no entanto, havia um público muito maior.
Continuando minhas leituras, vejo que a OI Futuro mete os pés pelas mãos com relação a exposição de fotos programada. Não conheço a fotógrafa nem as fotos, mas sou, por princípio, contra a censura. Porém confesso que me incomoda um pouco saber que esta fotógrafa fez fama e fortuna clicando drogados e mendigos. Sei não. Me cheira à exploração terceiro-mundista. Sabem aquelas fotos maravilhosas de criancinhas mutiladas pela guerra e de gente morrendo de fome em campos de refugiados e outras fotos do tipo que nos comovem com facilidade e que fazem a fama e a fortuna de quem esteve lá no inferno mais preocupado com o foco do que com a situação? Sei não. Acho que essas fotos deveriam sustentar fundos de auxílio, e não dar fama e prestígio à ninguém. Mas todos nós temos nosso lado mórbido, que se deixa fascinar por fotos de prostitutas drogadas e de pessoas soterradas pelo mundo e pela dor, desde que bem focadas. Aquele que vira o rosto para o outro lado ao passar por um acidente de carro que atire a primeira pedra. Eu olho. E vejo as fotos e fico indignada, mas nunca fiz nada para melhorar aquelas situações. Mea culpa. Mea maxima culpa! Portanto, não recrimino, mas desconfio da fotógrafa e de mim mesma. Que tipo de pessoa sou?
Vejo que estou há duas semanas sem escrever no blog, mas não consegui conexão. à duras penas consegui postar no Facebook as fotos que tirei no Marrocos. Nem todas saíram boas, mas fiz uma reportagem bem completa da viagem. E fiz amigos novos. E aprendi coisas fascinantes. E estou feliz por ter ido, e voltado. E gosto de estar de novo na minha farrinha cotidiana: leitura, escritura, conversas e lançamentos, com essa sensação de tempus fugit, que o ano já termina e que já estou comprometendo os dias futuros, com planejamentos que se estendem quase até o final do próximo ano. E essa agora? Estou vivendo no futuro, sem passar direito pelo presente…

Tuesday, November 15, 2011

Banquete em Casá

Hoje é dia do banquete de encerramento do Seminário. Sim, estou aqui de penetra num seminário de Astrogeologia, e amanhã bem cedo partiremos num fieldtrip: até telescópios iremos visitar, para olharmos as Leonides, que suponho deva ser algum lugar de origem de meteoritos, pois aqui, quem não está interessado em meteoritos está estudando as crateras que eles formam ao cair na terra. Um barato. Já encontrei gente de todas as partes do mundo, do Havaí a Berlim, da França à Arábia Saudita.
Por falar em Arábia Saudita, não sei se já contei que o rei de lá tem um lindo palácio aqui pertinho do meu hotel. E, como o rei de cá mandou construir uma mesquita com um centro cultural, ele fez o mesmo em sua propriedade. Uma linda mesquita, com uma biblioteca. Só não sei se tem um Hammam, também.
Ontem gostei tanto do passeio ao souk (é assim que se escreve) do Habous, que hoje voltei lá. O dia está lindo, e deu gosto passar a manhã escolhendo quinquilharias que me fascinaram e que agora vão ser um saco transportar para o Brasil. Comprei vidrinhos, copinhos e mais óleo de Argan. Imaginem agora arrumar vidrinhos na mala… Só mesmo eu e minha falta de espírito prático. Mas tomara que cheguem bem lá em casa! Também comprei uns sapatinhos que já vêm com chulé, especialidade daqui. Sabem como é, são novinhos, mas o couro tem aquele cheirinho peculiar. Mas são tão lindos, não resisti.
Preciso ir, agora. Se tiver mais novidades, conto depois.

Monday, November 14, 2011

Chove em Casablanca

Depois de dias e dias de sol e calor, hoje o tempo esfriou. Chove, uma chuvinha miúda, mas a cidade não diminuiu sua animação por causa disso. E o trânsito não parece pior que nos outros dias. Isso aqui é meio caótico em termos de trânsito. As pessoas avançam sinais, os pedestres ziguezageiam no meio das avenidas cheias de carros que, na maior sem cerimônia, avançam pela contramão, uma loucura. Mas as buzinas são raras e ainda não vi nenhum acidente, graças a Allah, que tudo pode e comanda, dos céus, uma legião de esfalfados anjos da guarda, protegendo os pedestres. E os marroquinos continuam sorrindo e atravessando as ruas, despreocupados. De vez em quando vejo alguém brigando (ou não, essa língua que não compreendo me impede de saber se estão brigando ou comemorando alguma coisa) e depois se separam sorridentes, cada qual para o seu lado.
Hoje fui, com Roberto, fazer compras no Habous, um suk (?) muito legalzinho. Mais tranquilo, sem uma montanha de gente, com vendedores simpáticos e suas mercadorias empoeiradas, passamos uma agradável manhã, e nem nos cansamos. Para chegar até lá, foi uma verdadeira volta pela cidade. O motorista nos levou por caminhos bonitos, todos de casas espetaculares. Esqueci de mencionar a famosa casa giratória que vimos na primeira manhã aqui em Casá ( é assim que o pessoal daqui chama sua cidade). Hoje passamos por ela uma outra vez, mas notamos que está desabitada. Pudera, deve ser esquisito morar numa casa giratória…
Passei por uma padaria local, por uma confeitaria, por uma loja de tapetes. Esse Habous fica perto de uma mesquita bonitinha e muito próximo ao palácio real, portanto é um lugar bem cuidado. Gostei mesmo do passeio e das vistas. Agora vou encontrar com o pessoal da conferência, que está voltando da universidade. Não sei o que vamos fazer à tarde, mas preciso dizer que, mesmo debaixo dessa chuvinha miúda e com esse ventinho mais fresco, Casá nos acolhe e recebe bem.

Sunday, November 13, 2011

Mar do Marrocos

Acordo esta manhã e a praia está tomada por homens jogando pelada. Me sinto em casa, em Casablanca! Mais uma vez me surpreendo com a cor do mar: branco. Apenas uma leve sugestão de azul, ou melhor de um cinza azulado.
Parto, então, para visitar a Mesquita Hassan II, com seu minarete de 200 mts de altura, construída parcialmente sobre o mar, já que num dos versículos do Corão está escrito que o trono do Senhor fica sobre as águas. Mas sou tão distraída que esqueço de levar a máquina fotográfica. Ainda bem que tenho o celular, para fotografar as belezas que vejo. Do "petit taxi" que tomamos, no entanto, é impossível fotografar o que quer que seja. Do meu lado a janela não abre, e o vidro deve ter uns 10 anos de sujeira sobre ele. Muito antigos, os táxis circulam tripulados por motoristas com dentaduras muito maltratadas, o que não os impede de sorrir o tempo todo, creio que sonhando com as comissões que pretendem ganhar ao nos levarem às casas de tapetes e mercados. Mas estamos cansados, não queremos comprar nada, apenas circular pela cidade e ver seus contrastes. Prédios lindíssimos em art nouveau e decô, mas completamente dilapidados e sujos. Casas entrevistas atrás de muros altos e jardins luxuriantes. Prédios moderníssimos em avenidas coalhadas de lojas caríssimas. Restaurantes franceses (Paul, Lenôtre, Fauchon) pontuando uma avenida de palacetes. Palmeiras altas se enfileirando, num friso quase geométrico, marcando o horizonte. Janelas em formatos inesperados, colunatas e alpendres no alto dos edifícios, propagandas inteiramente escritas em árabe, aguçando nossa curiosidade. Depois, um almoço à beira-mar, num dos muitos cafés da Corniche. Serviço lento, mas nós não estamos com pressa: queremos vivenciar a doçura da temperatura, que está mais quente que o habitual, nesta época de inverno.
Hoje é a abertura do congresso e daqui a pouco teremos o coquetel de boas vindas. Preciso me arrumar. Se eu soubesse como, colocaria as fotos do iPhone no computador, mas não sei. O palácio Bahia, em Marrakech e a Mesquita Hassan II, de Casablanca, vão ter que esperar meu retorno ao Rio para serem publicadas.

Saturday, November 12, 2011

Casablanca: You must remember this…

Nossa, que boa sensação a de chegar em Casablanca! A presença do mar e o cheiro de maresia, uma nuvem de umidade encobrindo a orla com véus, como as mulheres daqui, a presença de coisas familiares como restaurantes com comida diferente de tagine! Não estou desfazendo dos tagines, mas estava com saudade de um bom peixinho grelhado, de alguma coisa com temperos menos exóticos, embora nada do que comi tenha sido exagerado.
Grandes experiências? Ir a um Hammam! Na verdade, trapaceei um pouco, pois ao invés de ir a um público, fiquei na segurança do ambiente conhecido do hotel. Posso não ter conhecido o lado mais exótico das massagens, mas adorei as técnicas e os produtos, tudo à base de óleo de Argan. Por falar neste óleo, minha diversão tem sido ficar olhando os cabelos e adivinhando quem usa o óleo de Argan e quem não usa.
O mundo me chega hoje, envolto em veus de uma névoa cheirando a maresia. Casablanca fica à beira de uma praia bravia. Talvez o mar não seja violento, não tenha correntes traiçoeiras, mas o tipo de litoral provoca uma faixa enorme de ondas não muito grandes, quebrando umas sobre as outras, num exagero de espuma branca. A faixa de areia, larguíssima, abriga, ao final da tarde, uma pelada. Tenho a sensação de ter voltado ao Rio, se olho apenas para o mar. Se desvio o olhar, os sinais são controversos: na Corniche, uma mistura de europa mediterrânea com traços orientais. No meio disso, um Macdonald's e uma Pizza Hut. Até aqui! Daí que acrescento mais um tempero à mistura: Los Angeles. Onde estou? No cruzamento do mundo! E, só para colocar uma pitadinha de pimenta a mais, a informação de que a segunda religião no Marrocos é o judaísmo. Talvez 45% muculmanos, 40% judeus e 5% de outras religiões. E todo mundo em paz e contente. Viva o Marrocos!
Play it again, Sam!

Friday, November 11, 2011

Pra lá de Marrakech

Bem, isso só será amanhã, quando volto à Casablanca. Hoje ainda estou aqui em Marrakech, naquela maratona turística que nos deixa tão cansados ao chegar o hotel que não se tem ânimo de voltar ao Lobby para nos conectarmos e escrever uma postagem. Neste hotel, Palm Plaza, internet só aqui ou à beira da piscina. De manhã, respondo os emails via celular. Depois saio e não consigo escrever nada quando volto. Mas não tenho novidades que não sejam as mesma sempre repetidas pelos turistas: Marrakech é o máximo! Mas é um máximo dividido em dois, uma moeda de duas faces: um lado real, meio "índia", confuso, sujo, muito cheio; outro lado de conto das mil e uma noites: entramos por um beco, abrimos uma porta e… um gênio nos transporta a algum jardim encantado onde as flores embalsamam o ar, onde os pássaros cantam como em nenhuma outra parte, onde o tempo se congelou em banquetes infindáveis e músicas hipnotizantes.
Delicados costumes hospitaleiros, seja nas casas particulares, seja nos restaurantes e hoteis, ou nas tendas, mesmo as mais humildes, de vendedores de mil e uma coisas encantadoramente coloridas que, quando as olhamos, desejamos com ardor, mas depois vemos que é mais uma quinquilharia que vai ficar num fundo de gaveta, ou numa prateleira, lembrando-nos de nossa loucura momentânea.

Posto aqui algumas fotos, só para dar um gostinho. Quem quiser ver mais, coloquei todas no Facebook. Uma é da cidade e sua cor característica, ocre. Outra é a abóbada estrelada do Lobby, sob a qual estou sentada, escrevendo esta postagem. Amanhã é que vou para lá de Marrakech, para Casablanca. De lá deve dar para fazer outras postagens. Até breve.

Tuesday, November 08, 2011

Em Lisboa

Cheguei ontem, num daqueles lindos e enganadores dias de sol de Lisboa. Lindos porque a cidade é linda, as árvores agitam suas folhas brilhantes num ventinho imperceptível, os telhados vermelhos se mostram lavadinhos e alegram a paisagem, cortada pela fita prateada do rio Tejo, sonolento. Enganadores porque o sol é frio, não aquece, só alegra e ilumina, só ofusca.
Dei alguns breves passeios: pelos jardins da Gulbenkian, pela Baixa, pela Avenida da Liberdade. As estátuas me saudaram com sua pompa habitual: um Marquês aqui, uma rainha ali, Dom Pedro (IV? V? III?) acho que em cada praça um diferente me olhava passar.
Fui ao Polícia, restaurante que meu sogro adorava. Fui tomar um café (uma bica) na Pastelaria Suíssa, fomos tentar encontrar o cachorro quente de minhas lembranças na Ribadouro, mas já há 15 anos que eles não o fazem! Para minha tristeza e a tristeza do garçon que nos serviu. Ensinei meus amigos a comerem prego, já que não havia cachorro. E voltamos felizes para o hotel. Hoje a cidade está triste, chuvosa, creio que lamentando minha partida. Lá vou eu para Casablanca. O tempo lá promete estar bonito. Vai ser bom passear pelas ruas coloridas que os guias me prometem. E eu colocarei  fotos e comentários sempre que conseguir acessar a internet.
Até breve!

Sunday, October 09, 2011

Dai a Antônio o que é de Antônio…

Eis que me vejo fascinada por uma bela moeda de ouro de outros tempos! Isso graças ao meu querido amigo Antônio Carlos Secchin, que entrou para a Academia Carioca de Letras, ficando já não sei quantas vezes acadêmico.  Recebido com um belo discurso, em versos, pela extraordinariamente bela Stella Leonardos, ela fez referência à moeda preciosa de seu nome. E eu, de repente curiosa, fui procurar uma imagem que me revelasse seu valor estético.
Quando pequena fui a feliz proprietária de alguns volumes de um velho Larousse. Num dos volumes, as letras me permitiam verificar "costumes", e eu via os vestidos medievais de nobres e plebeus, passava pelos exageros barrocos, chegava às amplas saias do romantismo, aos rendilhados espartilhados da Belle Époque,  aos cortes masculinizados e sóbrios do pós guerra. Era ali que buscava inspiração para vestir minhas bonecas de papel, uma das minhas brincadeiras favoritas. Em outro volume, podia verificar as moedas, e me espantava com sua variedade. Materiais diversos, tamanhos diferentes, praticamente todas eram redondas (quase, nada de muita precisão nas moedas antigas) Me abismava olhando para os pequenos círculos que deviam ser depositados sobre os olhos dos mortos, ou sob suas línguas). Nem mesmo no outro mundo a gente podia sobreviver sem um dinheirinho! O que faria eu, criança, que não possuía um tostão de meu? Me tranquilizava, dizendo que criança não morria. E caso eu morresse, como a pobre vendedora de fósforos da história, talvez algum escritor tivesse piedade de mim e colocasse uma moedinha entre meus dedos enregelados.
Gostava de ver seus nomes engraçados: Dracmas, Patacas, Pesos, Escudos, Florins, Ducados e Sequins. E minhas preferências recaíam sobre as moedas de ouro, principalmente as brilhosas, polidas e meio gastas pelo manuseio.
De uma peça que vi bem jovem, lá no Teatro Maison de France, e cujo nome e história sequer me lembro, mantenho entesourada a imagem do Paulo Gracindo vivendo o papel de um judeu, apaixonado por suas moedas, que ele acariciava e guardava com volúpia.. Moedas cenográficas, sem dúvida, mas brilhantes, atraentes, aparentemente mais valiosas do que nosso dinheiro, que tinha virado tirinhas de papel sujo, carregando mensagens de amor, algumas, ou orações pedindo a multiplicação das notas, outras.
Nas fantasias de cigana, comuns durante a minha infância, usavam-se colares cheios de moedas, que tilintavam sobre as saias coloridas e emolduravam os rostinhos pintados, presas nos lenços de cabeça. Infelizmente, nunca me fantasiei de cigana. Mas cheguei a ganhar algumas moedinhas de chocolate. Mais uma vez, minhas preferidas eram as douradas, embora o chocolate que as recheavam fossem ruim em qualquer versão. Mas era uma alegria ganhá-las, embora, geralmente, eu as guardasse avaramente, segurando-as na minha mãozinha quente de criança até que elas desmanchassem com o calor e se desfizessem, para minha tristeza.
Uma vez ganhei de presente uma libra de ouro. De verdade, linda e brilhante, minha avó transformou-a num pingente e colocou-a em um cordão de ouro que nunca cheguei a usar. Acho que foi roubado, tal como a pulseira com quinze figas de materiais diferentes que ia ganhando, a cada aniversário, de meu avô. Essa cheguei a usar, e muito lamento a perda. Cada uma das figas tinha uma história, e era um sinal de proteção. Bem que eu gostaria de ter quem me protegesse, agora…
Foi assim que mergulhei no mundo da numismática, no Google. E lá estava a foto, frente e verso, do lindo sequim de ouro. O doge Antônio Venier ajoelhado frente a São Marco, numa imagem cunhada nos idos de 1382.  Como traziam a imagem do doge, também eram chamadas de ducados. E tinham o mesmo valor das moedas florentinas, pois o valor era estabelecido pelo peso e tamanho. Diferenças só nas imagens de umas e de outras e no prestígio, pois em certo momento os banqueiros florentinos  emprestaram aos florins de sua cidade um prestígio que se revelou nas cópias feitas pelo mundo afora. Até no Brasil foram cunhados (creio que os devemos aos holandeses).


Mas vejam se essas belas moedas não merecem minha homenagem, mesclada aos parabéns que desejo a meu amigo e poeta. Confiram as imagens do Zequino e do Florim que pesquei no mar virtual que nos envolve. E que Antônio receba o que é de Antônio.

Friday, October 07, 2011

Ao mestre, com carinho

Mais uma homenagem ao Steve Jobs. Uma macã, com amor, para o mestre.
Ontem, minha amiga Angela Dutra de Meneses reclamou que, em meio a todas as eulogias, ninguém teve coragem de dizer uma das coisas mais óbvias sobre ele: ele foi lindo! Realmente, em meio a todos os nerds e geeks, ele parecia o mais saudável, o mais belo, o mais audacioso. Um pop star da computação. Tanto que todos os comentários o associam mais ao marketing que à computação de dados, como se, para saber computação, o sujeito tivesse que renunciar ao charme. Não sei, só sei dele quando ele aparecia anunciando mais algum produto incrível da Apple, mais um "must have" que a companhia criava. Mas o imagino ainda jovem, com o xará, numa garagem da California, nos primórdios. Que ele devia entender alguma coisa de computador, lá isso devia.
E, mais tarde, com que charme e desenvoltura ele aparecia, cada vez mais magro, perdendo a cabeleira, fazendo brincadeiras com relação aos boatos sobre sua morte. Um moderno gladiador, enfrentando uma luta que não descansava. Um belo exemplo, o cavaleiro negro, predestinado. Suas origens inspiram, suas vitórias inspiram e até mesmo sua morte inspira.
E se ele foi grosso, sarcástico, impiedoso segundo alguns, para outros foi extraordinário, genial, um grande líder. Não o conheci, não li sobre sua vida mais do que algumas poucas linhas em jornal, mas lamento sua partida. Muito cedo. Minhas perdas também ocorreram assim, muito cedo. E eu me pergunto, sem esperar nenhuma resposta, por que é que outros, inúteis ou ridículos, ou mesmo danosos e perigosos, continuam vivendo enquanto essas gemas raras partem tão cedo???? Por que nadas, zeros à esquerda, têm uma saúde de titânio, indestrutível, enquanto outros, geniais, trazem essa limitação genética? O negócio é seguir o conselho do próprio Steve Jobs e ligar os pontos. Pode ser, que em algum momento, essa mixórdia que é a vida faça sentido.

Thursday, October 06, 2011

Pesadelos

Abro o jornal e vejo a foto do Steve Jobs. Morto. O mundo ficou um pouco mais pobre sem ele. Queria saber o porquê dessa sensação de luto que me invadiu com a notícia. Meu contato com ele é só através deste meu Mac, do meu iPhone, meus brinquedinhos de menina grande. E uma grande torcida para que ele se recuperasse, para que ele sobrevivesse a essa doença odiosa, que me parece ter inteligência  própria e zombar de nossos canhestros e agressivos meios de combatê-la. Perdida esta batalha, meus olhos se entristecem e procuram fugir dessa tristeza. Viro a página e outro assombro me assusta: o casamento da duquesa. Existiria um rosto por trás daquela máscara?
Proust, meu querido autor, é chamado por alguns de "especialista em duquesas". Na verdade, elas foram as top models da época, com seu charme, suas jóias, seus salões iluminando as noites da Belle Époque. E, foi a partir de beldades como as que conheceu nos salões que o autor frequentou que o narrador criou sua fascinante e impertinente duquesa de Guermantes, que reinou até sobre as princesas de sangue real. Se ele estivesse vivo, sem dúvida estaria acompanhando as marchas e contramarchas deste casamento da duquesa de Alba. Só o nome já me transporta: espero logo ver um quadro de Goya, com suas cores quentes, com as jóias que enfeitam e aprisionam seus retratados. Nada me prepara para o que vejo: uma face em papier-mâché, moldada por uma criança sem capricho para uma festa de dia das Bruxas. No entanto, minhas leituras de Proust deveriam ter me preparado para essa visão: o baile final a que o narrador comparece revela exatamente a mesma coisa desta foto: pessoas que, somente sabendo viver das aparências e dos valores externos, envelhecem como caricaturas de si mesmas. Incapazes de aceitar a passagem do tempo, de incorporar as mudanças de valores, elas continuam se comportando como há vinte, trinta, cinquenta anos atrás. E dançam flamenco em suas festas de casamento, ou fazem trejeitos considerados charmosos no século passado, ou se enganam com amores tão naturais como flores de plástico.
Resolvo vir escrever, deixar que essa minha incredulidade se escoe e que esses sonhos ruins se afastem. E penso no barbante da Cora: o barbante com que aprendi a fazer tapetes de crochê, que fizeram xales e bolsas, tantos trabalhos manuais ensinados pela minha avó. E no papel de pão, sem cor e sem graça, trazendo o pão nosso de cada dia, frente ao papel cor de rosa, com barbantinho colorido que trazia para nossa casa delícias compradas na cidade pelo vovô. Rissoles, coxinhas, empadinhas que tanto amei e para as quais hoje torço o nariz, achando tudo muito grosseiro, muito engordurado… Eu, que me habituei a comer sushi e ceviche, que peço grelhados e elogio o pobre chuchu, já me horrorizei com a possibilidade de ter de comer peixe cru e bifes sem molho.
Recordar é viver? Ligar os pontos do passado para ver o sentido da presente, seria esta a receita? Ou será melhor, como a duquesa, viver num eterno presente, esquecer o próprio rosto e aprender a se reinventar?
Não há fórmulas, eu sei. Um pouco de cada coisa, talvez seja o melhor, para que a morte não nos pegue de surpresa no meio da festa.

Tuesday, October 04, 2011

De livros e helicópteros

Pena que minha imagem seja pequenina, mas trata-se do edifício de uma biblioteca nos EUA. Não é dos mais criativos, mas é um dos que mais me agradam. Volta e meia recebo essas apresentações que nos mandam pela rede, com coisas curiosas. Recebi, por exemplo, uma série de fotos da flor papagaio, que floresce na Tailandia, segundo me explicaram, apenas uma vez por ano. Uma flor disfarçada em pássaro. Falta-lhe o voo, sem dúvida, mas talvez ela compense essa falta com algum perfume que venha voando até nossas narinas. Não sei.
Já recebi, algumas vezes, essas imagens de edifícios curiosos ou das bibliotecas pelo mundo afora. Gosto de ver uns e outros, assim destacados, imobilizados na tela, com suas cores e silêncios. Pois, por alguma birra, meu computador nunca executa o fundo musical (o que provavelmente pode ser uma bênção)
Ali fico eu, olhando as imagens e revisitando alguns, ou visitando outros. Não conheço esta biblioteca redundante. Mas, sempre que vejo seu retrato, me lembro da biblioteca de NY, com seus dois leões de pedra, Patience and Fortitude. Eles prometem me proteger enquanto eu estiver distraída ali dentro. Posso perambular segura pelas obras, mergulhar no mar de histórias ali represado, pois os leões da entrada velam por mim. Gosto muito deles, do prédio robusto e pesado, das árvores e do parque ao seu redor. Até o burburinho da cidade movimentada me tranquiliza. Todas aquelas obras, lá dentro, existem apesar do caos de fora. Existe salvação para a humanidade!
Mas os barulhos de minha própria cidade me inquietam. Hoje estranhei a presença de um helicóptero insistindo em despertar a todos no Leblon. Eu acordo cedo e não tenho ouvido esse ronco fora de hora, por isso não entendia o que ele anunciava. Foi a TV quem me avisou que aqui, ao meu lado, um bueiro ameaçava explodir, soltando uma fumaça lúgubre bem em frente ao Banco do Brasil. E o helicóptero desempenhava sua função de vigia, olhos bem abertos tomando conta não apenas do trânsito mas de nossas pequenas ou grandes tragédias anunciadas. Depois, quando saí, vi primeiro o Corpo de Bombeiros e mais tarde os funcionários da Light e outro da CEG. Uma equipe abria um buraco do lado de lá da rua, a outra do lado de cá. Indiferentes, os homens nem usavam máscaras, nem proteções especiais, transformando a ameaça em rotina. Voltei para casa e me abriguei na minha própria biblioteca, entre as páginas de um livro. Velando por mim, as miniaturas de Pacience e Fortitude, e o olhar carinhoso dos retratos…

Tuesday, September 27, 2011

O silêncio dos …

Acabo de assistir a um bate-papo mediado pelo Marcelo Moutinho cujo tema era o silêncio dos escritores. Acho divertidas essas reflexões que a gente tem que fazer, tipo falar sobre o silêncio. Até porque, outro dia, estava numa mesa de bar falando sobre os tipos de silêncio. Sincronicidade? Antigamente a gente dizia que era coincidência. Agora tem de analisar. Estamos viciados em interpretação. Mas, voltando aos silêncios: O silêncio no interior, naquelas noites escuras de sertão, é o silêncio mais barulhento que já escutei em minha vida. E até hoje esse silêncio me deixa angustiada e tristonha. E com medo. Nele escuto gritos de animais não identificados, ameaças que não consigo traduzir, zumbidos de insetos que me consideram apetitosa… Fujo desse. Gosto do silêncio à beira mar, que também é barulhento, concedo, mas embala. As ondas quebrando, a gente julga que elas têm um ritmo. Vez por outra uma gaivota grita. Os barcos rangem ou sacodem seus artefatos metálicos ao sabor do vento, e criam música.
Geralmente, ao longe, a gente pode escutar os ruídos abafados de algum jogo de vôlei, ou uma pelada de praia jogada ao entardecer. E tudo isso vem misturado ao cheiro bom de maresia, um cheiro fresco, saudável, mas que a gente renega pois indica a umidade que vai estragar eletrodomésticos e fazer a roupa cheirar a mofo. Mas quem é que pensa nisso, à beira mar, com um bom livro? Ou, se a noite já caiu, quando se passeia, de banho tomado, apreciando a brisa que sopra para secar nossos cabelos com brincadeiras sem fim? Essa me parece a moldura ideal para doces palavras de amor. Melhor ardentes, pontuadas por beijos. Aqui solto um suspiro de saudades.
Mas volto ao silêncio, desta vez dos escritores. Escritor faz silêncio? Sim, enquanto escreve, ele se mantém calado, na escuta das vozes interiores. Mas, como se passa muito tempo em silêncio, na frente de um computador ou de um caderno, quando a gente encontra um público disposto a nos ouvir, falamos muito. E nos esquecemos de que somos muito melhor por escrito. Já escutei muita bobagem por aí, já falei a minha quota de bobagens e vou seguir ouvindo e falando, enquanto der. Mas sempre saio das palestras pensando que poderia melhorar minha "redação". Viver por escrito é mais suave, dá tempo para fazer revisão. Quando silenciamos e escrevemos podemos ouvir a nossa própria respiração, podemos escutar a respiração do outro. Damos asas aos pensamentos, os nossos e os dos outros. E é em silêncio que percebemos uma outra linguagem que se manifesta em gestos, às vezes inconscientes. E é nos silêncio que podemos ler os sorrisos, os olhos revirados, o abanar de cabeça os pequenos sinais que os outros nos dão, e que servem de jangadas nas nossas tempestuosas ondas de palavras.
Perdoem-me então, aqueles que andavam com saudades aqui do blogue. Andei falando demais, escrevendo de menos. Silenciarei para poder usar melhor as palavras. E deixo vocês com ainda um outro tipo de silêncio, esse nosso impossível silêncio urbano, feito de ruídos de trânsito, de gritos de criança, de cantos de alguns pássaros, de marteladas distantes, de motores de helicópteros, de aulas de música. Esse silêncio que nos avisa que pertencemos a uma cidade viva, ainda amável, mas muito bagunceira.

Monday, September 12, 2011

Rua Vermelha, nº 13






Numa pousada literária (Capitães de Areia) passei esses dias de FLIMAR, entre a Praia do Francês e Marechal Deodoro. A pousada é uma graça, a um quarteirão da praia, uma piscininha gostosa que não experimentei, pois sou amiga de mar e o daqui me chama com suas águas quentinhas e transparentes, suas ondas quebrando no recife e formando penachos brancos só para me impedir de ler os livros que carrego comigo para a areia, caso me canse do mar e da paisagem. Isso não acontece, e os livros foram e voltaram, todos os dias, sem serem abertos. Mas de noite, fiel, volto a eles e me entrego à leitura de coisas novas, que fui ganhando por aqui. Desde as Letras do Junco, cidade que virou Sátiro (Dias) por obra de algum político, a poemas e jornais, leituras mais ou menos amenas, conforme o estilo dos autores, mas sempre prazerosas. Pois esta aqui é a terra de Nossa Senhora dos Prazeres, que merece toda a minha devoção. E, como meu maior prazer é a leitura, a esta devoção me entrego com desvelo a cada noite.
Estou aproveitando o pouco tempo de wi-fi que me resta, antes que o motorista venha me buscar.
Termino, portanto, aproveitando para postar algumas fotos, igrejas e casario de Marechal Deodoro e algumas curiosidades que me deliciaram e espero que encantem a vocês também. Reparem na terapia que vim aqui fazer e no vídeo de radicais livres que me deixou intrigadíssima!

Sunday, September 11, 2011

FLIMAR






Acabou-se o que era doce. Vim para cá, Marechal Deodoro, no estado de Alagoas, no dia 7 de setembro. Quem me conhece sabe de meus amores por essa terra deslumbrante. Alagoas tem praias lindas, algumas das mais lindas do mundo. E eu só conheço um pouquinho daqui. Esta foi a quarta vez que vim para cá, e não consigo ir além da praia do Gunga e das falésias que são ali próximas. A primeira vez que visitei Maceió foi com a Helena, que tem amigos por aqui. Depois vim pelo SESC duas vezes e, desta vez, vim pela FLIMAR. Pena que não tive chance de ficar aqui no computador, alimentando esse blog. Tenho tantas coisas para contar! Conheci pessoas maravilhosas, realmente encantadoras. Reencontrei pessoas fantásticas, que adoro, desde tanto tempo (5 anos, já!). Encontrei outros escritores, alguns que ainda não conhecia, outros com quem não tinha tido ainda o prazer de conversar melhor, embora já houvesse uma simpatia e alguma relação de amizade. Estreitar laços, aproveitar abraços carinhosos, conseguir a fã mais fofa da FLIMAR, a Maria, filha do Flávio Carneiro. Foi uma experiência muito gratificante, cheia de alegrias.
A programação da FLIMAR foi variada, com gente boa dando boas palestras. Por enquanto, contentem-se com as fotos das belezas locais, do bichinho preguiça e da sereia da praia.

Thursday, August 25, 2011

Mamutes e jararacas

Reabilitaram as jararacas, cujo veneno virou remédio. Remédio para pressão, remédio para o cérebro, remédio para a gente pensar melhor. Já estava na Bíblia, como diria Nostradamus. Ou ele não diria, mas um leitor do profeta em questão poderia interpretar a serpente do gênesis como uma jararaca que estivesse protegendo o cérebro tão pouco usado de Adão e Eva. Em que os dois se ocupavam, no paraíso? Em dar nome aos bois, é o que diz a Bíblia. Adão ( e eu assumo que Eva também desse seus palpites) tinha como incumbência nomear todos os animais e vegetais. Toda a criação! Haja imaginação. Não admira que alguns nomes tenham saído feios. Mais que feios, horríveis. Querem um exemplo? Xenartros e suas zigapófises. Bem, esse seria um Adão helênico. Tentemos outros: carduça, deputado. Esse adão brasileiro, depois de inventar girassol, borboleta, cascata, papagaio, inventou mijo, rubicundo, catarro, súcubo. Gastou sua imaginação. E, sentindo preguiça, foi criando uns nomes adaptados, tipo "pé de mesa", "braço de cadeira", "cravo de defunto". Aliás, defunto é outra dessas palavras feias. Outras saíram bem legais. Abracadabra, por exemplo. Ao ouvi-la, a gente já espera alguma proeza, pois ser capaz de dizer abracadabra sem trocar nenhuma sílaba já é um prodígio. Em compensação estupro é uma dessas palavras que não precisavam ter sido inventadas. E que são reinventadas a cada vez que são faladas. Tente dizer estuprada num meio de frase, assim meio corrido. Vai sair diferente. E estupefaciente?! É mesmo um golpe que precisa de uma boa jararaca para ser corrigido! Jararaca, cascavel, jiboia, coral, as cobras possuem nomes sonoros como trinados, que aguardavam a reabilitação das peçonhentas (argh!)
Mamute era uma boa palavra. Pesada, sólida como o animal que designou, impunha-se numa frase. Infelizmente fizeram um filme terrível com esse nome, e o estragaram. Agora, ao ouví-la, vou me lembrar do Depardieu, de suas toneladas de nariz, de seus centímetros de braços, de seu rosto suarento e de seus cabelos ensebados (ugh!). Outro dia vi no facebook uma campanha de salvação de palavras. Quais as palavras que você salvaria? Acho que a pessoa estava se propondo a salvar "inconsútil". Eu poderia ficar com balangandã, mas talvez preferisse azul, ou luar, ou rio. Talvez essa última, com sua plurissemia (aiii!) que deixaria minha palavra ora verbo, ora topônimo, ora acidente geográfico. E a imagem de um rio azulado pelo luar se revesa com a do Rio banhado de luar azul… E, ao fundo, uma jararaca se desenrosca preguiçosa, à feição de um rio entre folhagens.

Sunday, August 21, 2011

Melancolia

Escolhi o sábado chuvoso para ver o filme do Lars von Trier. Fui assim meio de pé atrás, receando ficar deprimida, mas o filme não permitiu: lindo, interessante, com imagens e situações inesperadas, sem melodrama, mas com tantos detalhes saborosos!… Para mencionar apenas um, a figura deliciosa do organizador de festas que não quer olhar a noiva e cobre o rosto. Como no velho truque das caixas chinesas (estudei isso na Faculdade de Letras…) uma história repete a outra: um astro rebelde atrapalhando a festa. E ninguém quer ver.
Mesmo na escuridão, na depressão, nos desentendimentos, tudo o que fica é a beleza. Uma beleza nada piegas, mas sempre incompleta. Sem clichês, sem baboseiras, sem lágrimas desnecessárias, com uma boa dose de agressividade e uma excelente dose de silêncio. Com contundência. Saí de lá com a luz de Melancolia brilhando no meu horizonte e me dando vontade de viver num mundo assim. Assim como, ameaçado? Bem, ameaçado nosso mundo está, claro. Mas num mundo em que ainda encontramos pessoas que sabem o valor da vida. Mesmo que em extinção. E que sejam humanos até o último nanossegundo! Um filme que precisa ser visto e depois digerido, comentado e apreciado.
A semana foi de muita correria, de ida a São João de Meriti e de encontro com almas boas, íntegras, corajosas, cheias de esperança. Adorei. E espero que Sant'Anna e São Joaquim sejam felizes para sempre, mesmo que só no palco, sob a direção de Abílio Ramos. E que os poetas que conheci mantenham sua sensibilidade, sua integridade e sua força.
Visitei, pela primeira vez, a minha editora, Record, em suas incrivelmente simples instalações. Livros por toda a parte, fiquei com a impressão de que as divisórias são feitas por livros, e nada mais. Enchi meus olhos com uma coleção de Jabutis para ninguém botar defeito. O troféu não é lá uma beleza, nem brilha mais do que as estrelas. É pequenino, escurinho, quase uma muiraquitã. Mas segurar um, sopesá-lo, ler o que estava escrito em cada pedestal, me deixou com o que os americanos chamam de "longing". Não sei bem como traduzir: anseio, desejo? Admiração desejosa? O fato é que, de todos os prêmios literários no Brasil, o Jabuti é o que mais me encanta, pois tem aquela coisa modernista de "clã do jabuti", de sobrevivência na adversidade, que é a marca do herói totêmico de nossa nacionalidade. Viva o jabuti! Nosso heroi, esperto e desajeitado, meio lento, mas capaz de colar seus caquinhos e seguir em frente. Começo a entender minha identificação com ele…
E me lembro do poema de Drummond, que sempre me comove até às lágrimas, Elefante:

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
e as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,caio

no meu vasto engenho

como um simples papel

A cola se dissolve

e todo seu conteúdo

de perdão, de carícia

de pluma, de algodão,

jorra sobre o tapete

qual mito desmontado.


Amanhã recomeço.

Saturday, August 13, 2011

Cada qual com a madeleine que lhe aprouver…

Leitores de Proust sabem que a madeleine, aquele bolinho em forma de concha e gosto meio alaranjado, é a chave para as "memórias involuntárias", que a Clarice e outros escritores conhecem como "epifanias". Pois o Bloch hoje fala do seu chaveiro de jabulani como uma madeleine, e lá embarca ele num texto sobre roupas, mordidas de cachorro, Botafogo e Proust. E ainda consegue encaixar mais uma ou outra lembrança e uma e outra homenagem à sua ilustríssima família – isso para não mencionar o grande modelo de correção contra o qual se mede: Dapieve. Eita! Parabéns, seu Bloch, assim não precisa mesmo contar caracteres, você já chegou lá, nas merecidas férias!
Escrevo hoje numa reconciliação com o Prosa e Verso: fiquei de bom humor com a comédia da vida intelectual em quadrinhos. O leão de chácara perguntando se o cara tem carterinha de pedante é muito bom. Mas continuar e exigir que ele pague dois ingressos, um para ele, outro para o Ego, é tirada de gênio! E as outras tirinhas também são legais, como têm sido legais as pequenas vinhetas do Gatão de Meia Idade (no Segundo Caderno), falando dos presentes. Numa o Gatão oferece à sua gata, um livro de Proust. Ela agradece, dizendo: Que bom, a letra é bem grande! Noutro ele a presenteia com um disco (foi o que ele disse) de Chopin, e ela: "Dá para dançar? Adoro dançar!" Não preciso mais fazer assinatura dos paulistas! Mantenho minha esperança.
Mas a leitura continua, e me assusto: A matemática da ficção?! Contar histórias por meio de sucessões de máximas, silogismos e figuras geométricas?! A ficção como um objeto estranho "com o qual não saibamos muito bem o que fazer"?! Bem, se é matemática, talvez possamos acertar contas… Quem tem lucro?
Mas o Prosa fala sobre Versos, mesmo que seja à margem. Nas cartas, Vitor, que se apresenta como tradutor da UFRJ, concorda com PH Britto que afirma que no Brasil existem 300 leitores de poesia. Acho que não precisamos entrar na matemática da poesia, pois a ordem de grandeza é mesmo pequena em termos dos nossos 200 milhões de brasileiros… Na outra página, a chamada para uma exposição poética: TeKnósPoiÉsis – Poéticas do oral ao digital: uma experiência para todos os sentidos. Tudo junto e misturado, assim como seus patrocinadores. Fico curiosa, acho que vou acabar indo, mas desta vez telefono primeiro para evitar o barraco do Mia Couto. O evento foi muito procurado, mas a platéia era só de convidados. Os cidadãos do Rio, que financiam a Biblioteca Pública de Botafogo, são cidadãos de segunda classe perante os convidados da Cia das Letras… seria essa a lição? Espero que não. Hoje estou com um espírito muito magnânimo!
Mas aí a última reportagem me faz estremecer: O futuro do ensino de Literatura no país está prestes a sofrer um golpe?! E logo do desmoralizado ENEM(a)?! Resigno-me a embarcar nas estatísticas. Não tem jeito, para quem gosta de ler, a matemática está virando coisa fundamental. Cito:
"Poesia e letra de canção somadas comparecem em 42% das questões; romance, medíocres 12%; conto, apenas 3%; em contraste, histórias em quadrinhos têm gordos 19%".
Cito de novo:
"Drummond é quem mais aparece, 19 vezes; em seguida vem Machado de Assis e Bandeira, 7; depois, nenhum autor aparece mais de 5 vezes. Graciliano Ramos e João Cabral aparecem 3 vezes cada, menos do que Jim Davis (do Garfield) e Bob Thaves (da tira Frank e Ernest), com 4 vezes cada"…
Acho que é mesmo hora de mudar para os domínios da Matemática. Para mim, é um pouco tarde, mas aconselho aos novos escritores que sigam o exemplo do escritor português, e que usem suas letras para fazerem fórmulas algébricas. Misturando isso com uma tinta oriental, turca, árabe ou mesmo um certo ar africano, o sucesso de vocês estará garantido. Pelo menos até a próxima semana.

Friday, August 12, 2011

O drama da idade

Recebi de uma amiga, L, um email com muitos desenhos engraçados mostrando que o tempo passa para todos, até para os personagens de desenho. Vejam, Piupiu fez 60 anos esta semana, e lá aparecia ele sentadinho em seu poleiro, todo enrugadinho. A Barbie com 50, perdeu suas formas e se deliciava com bombons e TV. O Superman exibia seu barrigão de 72, o Thor e o Hulk, aos 48 anos, parecem aqueles coroas que, inconformados com a idade, se vestem como adolescentes. Batman e Robin aos 70, continuam juntos, só que o Robin, careca e encurvado, empurra a cadeira de rodas do Batman. A Mulher Maravilha, já quase aos 70, insiste no maiô, mas já não sidera mais ninguém, nem mesmo o cachorrinho que ela domina com seu chicote. O Spiderman, com mais de 50, envelheceu mal, e está preso ao soro, muito doente. São brincadeirinhas, e a gente ri, mas se inquieta um pouco. Principalmente quando junta isso à notícia da recuperação de Sininho, a hipopótamo que perdeu a mãe que estava com 53 anos. Segundo informava o jornal, a mãe foi sacrificada na sexta passada pois estava muito velha, já passara dos 48, média de vida dos hipos, e cheia de doenças: artrite, problemas respiratórios, úlcera sei lá o que mais. E a Sininho, com 10 anos, entrou em depressão e deixou de comer. A tratadora, entrevistada, disse que ela já tinha voltado a se alimentar, e que ia se recuperar, que era o processo de luto normal. Fiquei pensando que ninguém acha errado sacrificar um animal que sofre, mas todos se levantam contra a eutanásia. Por que será que os humanos estão condenados ao sofrimento? Por que libertamos apenas os animais? Quero ser "posta para dormir" caso as mazelas cheguem a me incapacitar!
Para terminar filosofando mais um pouco sobre idade, falo sobre Rosa, a peça que assisti ontem, e que não é propriamente sobre a velhice, mas sobre a memória. A memória de uma mulher judia, que se confunde com a história de seu povo. Rosa está de luto, mas um luto muito maior do que se possa pensar a princípio, pois está de luto pela humanidade perdida. É um monólogo muito bem sustentado pela atriz, que vai revelando as perdas sucessivas que não a abatem. Em sua trajetória, desamor e perdas, paixão e sobrevivência, Deus e a vida são avaliados com uma dose de humor, resignação, e encantadora vontade de acomodação. "Por outro lado", o que a sustentou e ao seu povo até então, periga de transformar-se num lado mais sombrio e ressentido, de acerto de contas infrutífero. Muito boa peça. E triste, embora seja engraçada. Como diria Rosa, é o "por outro lado"…

Thursday, August 11, 2011

Tempos de minha avó

Saio com a família e o papo é amor. Amor físico, que ontem foi tabu, coisa proibida, e hoje é discutido abertamente nas mesas de restaurantes. Fico escutando, descobrindo novas tecnologias que me fazem rir, graças à maneira que são descritas. Mas hoje, ao sentar aqui para escrever, o que me vem à lembrança são as histórias de minha avó.
Vovó era uma espécie de "terrorista" do sexo, suas conversas eram todas voltadas ao grande perigo de praticá-lo antes do casamento. Era uma história atrás da outra contando dramas familiares solucionados, às vezes, por um bom coquetel de guaraná com formicida. Claro que já existia a pílula anticoncepcional, mas essa ainda não tinha carimbado o passaporte no imaginário da minha avó. E o caso da virgem que engravidara do cunhado, "um sujeito porco, que deixava as toalhas sujas no banheiro!…" era comentado com algumas variações. A porca poderia ser a mulher ou a empregada. Na versão da minha avó, a virgem era sempre uma vítima.
Sua grande aversão era pelas "assanhadas" ou "sirigaitas". Essas eram um horror! Uma sirigaita dessas, apesar da mãe tão cuidadosa, que a acompanhava em todos os lugares, conseguiu "namorar" e engravidar na fila do leite! Era no tempo da guerra, acho eu, quando havia fila para tudo. A mãe devia mandar a filha para a fila bem cedinho, e lá ela encontrou um leiteiro ou outro cliente madrugador e tomou outro tipo de leite.
E haviam histórias terríveis, de moças que se enfaixavam todas para que não se descobrisse que estavam grávidas, e quando os filhos nasciam, estavam deformados porque não tinham podido se desenvolver. Ou histórias engraçadas de mulheres, respeitáveis e respeitosas que, quando grávidas, "enjoavam" do marido e só lhes apeteciam os maridos das vizinhas… Essas eram perdoadas. Afinal, enjoos de gravidez eram coisas que minha avó respeitava.
Uma história atrás da outra, mas agora, relembrando-as, vejo que em nenhuma delas era o sexo o vilão. Não tinha percebido isso, mas seu problema era a gravidez. Já na palestra de ontem, no SESC Tijuca, um dos participantes me contou de seus grupos na Igreja, e dos conselhos do padre: "quando sentirem os sintomas da atração, vocês devem se afastar e rezar até ficarem calmos!" Meu aluno comentou: "nós, com 14 ou 15 anos, se seguíssemos o conselho do padre não pararíamos de rezar!"
Bem, aí a gente fica pensando que, se todos os problemas do mundo fossem a sexualidade dos jovens, estaríamos no paraíso terrestre. O problema começou foi com Deus, ciumento, que não pode admitir aqueles dois adolescentes saudáveis e lindos fazendo aquilo que seus hormônios aconselhavam. Expulsar os dois por conta disso? Uma pequena mordida na maçã?! Mas se é uma maçã gostosa, sumarenta e doce, por que não?
Sábios são os americanos: an apple a day keeps the doctor away. Uma maçã por dia, sem culpas e sem desculpas pode ser o melhor remédio.

Monday, August 08, 2011

Sem prosa nem verso

Desapontamento: espero toda a semana pelo suplemento literário do Globo e, quando ele chega, tudo vem dedicado à cidade. Cadê meus livros? Será que vou ter que assinar jornal de São Paulo? Ôrra, meu!
Desapontamento II: Mia querido Couto fala hoje às 15:30h na Biblioteca de Botafogo. Por que justo no dia e na hora de minha aula? Será que vou ter que brigar com a Cia das Letras?
Desabafos à parte, não vejo razão para brigar com a Cia, que me proporcionou uma beleza de palestra no sábado passado. Alex Ross falando sobre Chacona, comemorando os 25 anos da editora. Ela vai trazer um time de gente boa, e finaliza com o Amos Oz… Acho que por isso tem ventado tanto aqui no Brasil, para anunciar a chegada do Mágico de Oz. Não, não precisam rir, a piada é mesmo boba, mas me permite uma transição de assunto, ao gosto de Machado, embora sem o mesmo talento. Passo para o vento, do vento ao frio, do frio ao nevoeiro, que pode perturbar a aviação mas que torna minha linda cidade misteriosa e desejável como Salomé. Que prazer andar pela praia e ir acompanhando o desvelamento preguiçoso das montanhas! E olhar o mar impetuoso com suas ondas, cercado pelas placas cautelosas : Cuidado, correnteza.
Fico querendo me transformar num barquinho de papel e me deixar flutuar até ver onde essa correnteza pode me levar… Na falta de coragem de mergulhar nas ondas (que devem estar geladas) flutuo nas ondas do pensamento e vejo a imagem do barquinho retirada do filme Persuasion. Adorei. Assisti encantada com umas coisas disparatadas, que não sei por que chamaram a minha atenção: Atores e atrizes fora dos padrões de glamour, mas dentro do espírito da época de Jane Austen – Sem maquiagem, sem tratamento de uniformização dos dentes, sem branqueamento exagerado.
Homens e mulheres suam, suas peles brilham, a gente quase que surpreende um cheiro de suor ao entrar nas casas junto com as câmeras. Os homens fascinam. Sei que ela descreve o universo feminino como ninguém, mas talvez por isso os homens – tão desejados – sejam extremamente fascinantes. Mesmo os que a gente, à primeira vista descartaria como horrorozinhos, logo se mostram encantadores seja pela sensibilidade, seja pelo aprumo com que envergam suas fardas. E que fardas! Dei por mim imaginando como seria difícil resistir àqueles maravilhosos oficiais de marinha, chegados vencedores das guerras napoleônicas, ricos com o botim de guerra, auto estima elevadíssima pela vitória, e estatura ampliada pelo chapéu. Numa das cenas, em que o grupo passeia pelo molhe e é mostrado em silhueta, era quase que um friso grego, não de meros mortais, mas de centauros. Bem, foi assim que os vi: altos, altíssimos, com suas crinas ao vento…
A história? Sim, sempre legal, um mecanismo de compensação de Miss Austen, que amou e foi amada através de suas personagens. Vingou-se das irmãs comedoras de doces, vingou-se das manipuladoras, zombou com simpatia das mães e tias faladeiras e preocupadas apenas com o casamento das herdeiras. Na sua bem educada compostura e na capacidade de observação e reflexão, as mulheres em segundo plano são premiadas em sua constância e equilíbrio. Viva Jane Austen! Estou quase acreditando que o amor acontece desse jeito, e que não se trata de um furacão que nos arrebata para Oz. Nem de um nevoeiro que torna a noite mais fria e que nos embriaga com seu cheiro de maresia… Embora noites assim possam ser ideiais para o amor!

Tuesday, August 02, 2011

Agosto já chegou

Nos tempos romanos, agosto era o mês mais prestigiado do ano: mês de Augusto, que surripiou um dia do meu pequeno fevereiro, pois não podia ficar com menos dias que o mês de Júlio César, que o antecede. É o mês do signo de Leão, mês do Sol e das honras – isso tudo lá no hemisfério norte–. Aqui é o mês do inverno, da volta às aulas e dos ventos. Também é conhecido como o mês de cachorro louco e mês do desgosto. Esse desgosto, que é uma rima e não uma explicação, talvez se deva ao suicídio de Getúlio, que já foi tão importante e hoje poucos sabem quem foi. (Triste o povo que não conhece seu passado, já disse algum filósofo, com outras palavras.)
Como é época de ventos, também é época de soltar pipa, e esses pedaços coloridos de sonhos sempre me encantaram muito. Hoje já quase não se vê alguém soltando pipa na zona sul. Mas domingo, passando pelo centro da cidade, lá estavam cerca de uma dúzia de pessoas se divertindo e mostrando sua perícia. Lindo! Sugiro um show de pipas, para a abertura dos jogos que se aproximam.
Mês de cachorro louco? Não sei por quê. Mas a loucura dos cachorros deve de estar contaminando os políticos do mundo afora, todos eles enlouquecidos disputando um osso do Estado. Não gosto de falar de política, mas olho com apreensão a derrocada dos EUA. Obama não tem coragem de persistir com seu blefe, pois me parece ser um homem de bem, interessado no país. Seus adversários são jogadores profissionais, e a eles só importa a vitória, mesmo que, vencendo, eles destruam o saloon. E observo com tristeza ainda maior o nosso próprio país, onde todo mês é mês de corrupção, onde todo órgão parece já estar sofrendo com a metástase deste câncer…
O mês é de frio (pouco) e de liquidações (muitas). De encontrar os amigos nas salas de aula, de tratar de estudar pois o ano já-já acaba. Imaginem, já entramos no segundo semestre!
Agosto é mês dos pais, mês de muitos aniversários, portanto, mês de muitas festas. Nada de começar dietas em agosto. Setembro já vem, e aí sim podemos experimentar aquelas dietas da lua, da sopa, do leite, do tipo sanguíneo, seja lá qual for a que estiver prometendo um verão com menos gordura.
Ainda dá tempo de tomar mais uma tacinha de vinho! Se esfriar mais um pouco, quem sabe um fondue na Casa da Suíça, ou um cozido farto, fumegante? Hmmmm, que delícia! Aproveitemos o augusto mês de agosto!

Sunday, July 31, 2011

Dia de quê?!

Do orgasmo!
Da pequena morte francesa. Do Big Bang, para alguns. Do vai chegando já passou, para outros. De plus, encore! Do fake: soque o travesseiro e grite, aconselha o jornal de hoje. Mas, os homens gostam de variedade, portanto, aconselham a alternar: grite e só então soque o travesseiro. Eu sugiro simultaneidade: grite enquanto soca o travesseiro. E me postarei à escuta, e ouvirei uma sinfonia orgasmática sacudindo o ar da cidade, do país inteiro. Ou será que o dia do Orgasmo é Mundial? Nesse caso o próprio planeta vai girar mais acelerado, impulsionado pelas ondas sonoras dos gritos e sussurros.
Imaginem só os chineses, tão obedientes, cumprindo a determinação. Mais de um bilhão (quantos serão eles agora? Dois bilhões?), mesmo que, pudicamente, abafem seus gritos, os gemidos uníssonos podem provocar ventos de mais de 100 km por hora. Que se encontram com os ventos causados pelos indianos, – mais um bilhão? –, que não me parecem precisarem ser estimulados a gozar. Afinal, foram eles que escreveram o Kama Sutra, não foram? Talvez aquelas posições complicadas sejam maneiras de evitar os gritos. Experimente se concentrar em plantar bananeira, abrir as pernas, suspender o yoni, alongar o yogi, e ainda gritar? Tudo se desequilibra! Não admira que os deuses hindus sejam azuis: com tanto malabarismo, se esquecem de respirar!…
Mas, supondo que os gritos chineses sejam seguidos pelos indianos, já provocamos um tufão capaz de fazer a Terra sair da rota. Vou parar de me preocupar, no entanto. Acho que aqui no Leblon o dia não "pegou" tudo está silencioso e calmo…
Talvez seja porque as pessoas estejam petrificadas como o sorriso do Brejvik (é assim o nome do coiso?). Mona Lisa? Dever cumprido? Quem sabe Botox? Viro a página e encontro mais um motivo de suspensão de tesão - um filme que se pretende interessante mas que é doentio. E que não merecia todo o estardalhaço que estão fazendo ao redor dele. Deixá-lo morrer no silêncio, no esquecimento, essa teria sido a melhor punição. Os gregos, que sabiam das coisas, quando o crime era muito ruim mesmo, ao invés de condenarem à morte, mandavam para o ostracismo. Ou, como diria meu avô, "Vai morrer longe!" Exílio, abandono, perda de lugar social, isso antigamente era feito fora dos muros da cidade. Agora é mesmo nas ruas, à vista de todos. Quantas pessoas não abandonamos à própria sorte (ou falta de), e passamos por elas sem ver, sem escutar, sem nos preocuparmos?
Talvez por isso, nessa manhã calma, só o que escuto sejam os sinos longínquos e o canto do bentevi. E motores de aviões que hoje já podem circular pelos ares cariocas.
Nas revistas, nenhum consolo. Apenas a frase do psicanalista, atestando que a dor do abandono é sempre proporcional à intensidade do afeto investido…Se nunca houve afeto, a gente se redime, né?
Será?
Talvez, no momento do orgasmo, células afetuosas se procurem e seja este o grande prazer de toda a coisa. Talvez seja melhor estabelecer o dia do Afeto, um pequeno gesto de boa vontade, um mínimo de compreensão, um olhar que se ilumine ao ver o rosto de um Outro. Afeição, pura e simples. Sem precisar de socos nem de gritos.

Tuesday, July 26, 2011

Que luxo!

Todo dia um tempinho para escrever, isso é um luxo!
Obrigada pela informação sobre o dia do escritor, amiga! Vejam nos comentários, por favor.
Hoje fui ao dentista, e, como sempre, fiquei ouvindo sua conversa, me informando. Foi lá que soube que as pessoas que foram assistir ao show da Amy Winehouse aqui no Rio e a viram bebendo, a cada gole, aplaudiam-na, incentivando sua persistência no vício.
Fico achando isso uma maldade: aplaudir a auto-destruição do outro é ter uma atitude mesquinha e sacana (desculpem o termo).
Passei o dia na rua, correndo para cá e para lá, e pensei numa porção de coisas para escrever aqui. Só que esqueci de tudo.
No final do dia, tomei um taxi, cujo motorista, ao contrário de mim, sabia de tu-do! Ele tinha um telefone desses que pegam televisão e estava assistindo o jornal, numa tela tamanho 3X4. E comentava desde a morte da Amy até a falência dos EUA, e ligava com o que tinha escutado na Voz do Brasil, e sempre pontuava com um:"eu não disse?"
O trânsito estava engarrafado e ele me deu uma aula de economia, outra de psicologia, mais uma outra de relações internacionais… Finalmente chegamos a nosso destino, e eu estava infinitamente mais sábia.
E aí fui conversar bobagens com uma amiga, feliz, feliz! É tão bom não saber de tudo… E ainda esquecer o que se soube um dia…

Monday, July 25, 2011

Dia do Escritor!


Parabéns para mim, nesta data querida…
Não sei por que, mas hoje é dia do Escritor. Aceito e comemoro, mas espero que alguém mais sabido que eu me conte o porquê do dia 25 de julho. O que teria acontecido nesta data?
Ontem, no Municipal, um dos Prazeres, o que é maestro da Orquestra da Petrobrás, falou de Prokofiev e de sua morte no mesmo dia da morte de Stalin. E acrescentou: Ele foi enterrado sem flores, pois todas tinham sido compradas para o enterro do ditador. (Bem, acho que ele não disse ditador.) Mas aquilo me deu uma pena enorme. Como se ele tivesse sido usurpado de um direito que era dele, o de ser enterrado com flores. Mas tem gente que não quer flores.
Não vou ficar falando disso aqui, flores ou não no enterro. Mas vou contar o que fiz nesta minha última ida à França. Visitei o túmulo de Rimbaud, em Charleville-Mezières, e também o túmulo de Proust, em Paris, no Père Lachaise. Acho que já até escrevi sobre isso. O túmulo de Rimbaud é de mármore branco e tem uma cruz e um pedido: Rezem por ele. É gêmeo do túmulo de sua irmã, e ficam os dois dentro de um cercadinho, como se estivessem prendendo a alma do poeta, para que ela não saia mais de lá. Em frente, do outro lado do caminho, tem um banco de jardim e fiquei sentada um pouco ali, pensando na incongruência daquele túmulo. E com uma outra preocupação: onde estará enterrada a pena amputada de Rimbaud. Quem assistiu Tomates verdes fritos aprendeu que partes grandes da anatomia humana, quando amputadas, precisam ser enterradas em cemitérios. Mas talvez possam ser doadas para estudos, acho eu. O que teria acontecido com a perna do poeta?
O túmulo de Proust fica meio fora de caminho, todo em mármore negro, seu nome em dourado escrito na campa. E nas laterais, o nome de seus pais, também enterrados ali. E, do outro lado, o de seu irmão e cunhada. Puxa, será que precisava amontoar toda a família no mesmo lugar? Que ele tenha ficado no mesmo túmulo dos pais, tudo bem. Ele ia gostar disso. Mas acho que seu irmão e sua cunhada não tinham ideia de como Marcel era importante para a história literária. Teria sido mais discreto deixarem o irmão brilhando sozinho.
Para terminar falando de flores: No túmulo de Rimbaud, nada. No de Marcel, recados manchados de chuva, e hediondas flores de plástico num vasinho. Uma maluquete passou por lá, leu o recado manchado, não gostou, e jogou-o no lixo. Resmungou algumas coisas para mim e foi-se embora. Não entendi nada. Mas fui até uma loja e comprei umas orquídeas. Queria Catleias, mas não havia. Comprei Wandas brancas e deixei lá sobre o túmulo. Para Rimbaud, levei um arranjo, com uma borboleta. Asas para ele voar. Espero que o tenham levado para longe.