Sunday, December 28, 2008

A salvação e a mala

Ora bolas, como diria Machado de Assis. Bem, acho que nunca li essa expressão em seus livros, mas ela me soa como plausível e bem antiquada... O que aconteceu foi que o tornado ficou lá por Denton mesmo, e depois de um céu plúmbeo (lindo, não?) e de uma chuva tempestuosa, de repente, tudo clareou e o céu ficou completamente limpo, azul, do azul mais puro e límpido. Incrível essas mudanças climáticas daqui. O tempo aquece de uma hora para outra, depois esfria, depois chove, depois tudo congela... Quando cheguei aqui, as três fontes que enfeitam a entrada do condomínio estavam congeladas. Agora a água flui, o sol se ilumina, e os poentes são escandalosamente belos. Hoje tive vontade de gritar, de tão belo que estava o por-do-sol. Agora tenho vontade de gritar de raiva, tentando fechar as malas para seguir viagem. Las Vegas me espera, e depois, o Grand Canyon. Deve ser lindo, depois conto aqui.
Bem, fiquem tranquilos, pois sobrevivi. Os ventos que sopram por aqui são os bons, e acho que o novo ano vai ser assim, de bons ventos e belos poentes.
Agora, às malas! Detesto ter que fazer isso, mas é necessário.

Saturday, December 27, 2008

Tornado Watch

Parece título de filme, mas é o que estamos vivendo por aqui. A poucas milhas daqui, em Denton, tem um tornado que pode hit the ground, tocar o chão, a qualquer momento. E, como os tornados são vento, e os ventos sopram por toda a parte, ele pode vir para cá. Então estamos aqui, esperando, para ver no que vai dar. Vai ser meu encontro com o mágico de Oz... E eu que pensava que me bastava o Amos Oz... Bem, por via das dúvidas, vou tirar o computador da tomada. Se tiver que sair de casa, levo-o comigo para Oz. Depois eu conto.

Friday, December 26, 2008

Deep in the heart of Texas!

Bem no coração do Texas, é onde estou, longe de NY e seus encantos e seduções... Daí que não me vai ser possível ir às livrarias cult e maravilhosas de Manhattan. Mas hoje de manhã estive na Barnes and Noble (uma das muitas que há por aqui). Se, por um lado, me encantei com a fila de gente que esperava a livraria abrir, me decepcionei com a seleção de livros... Imaginem que na seção de audio books (sempre compro pelo menos um, é uma maneira de conservar meu inglês, que vai desaparecendo) ao invés de clássicos, o que encontrei foi um The Alchimist, by um tal de Paulo Coelho... Será que alguém aí no Brasil conhece o tipo? E não tinha o livro vencedor do Booker Prize -- e, aliás, o vendedor nem sabia que de que prêmio eu estava falando. Claro que fui impertinente, e disse que era simplesmente o prêmio mais importante para literatura escrita em inglês, mas que ele não poderia saber disso... Depois fiquei com remorso: puxa, apenas um dia depois do Natal e já estou com esse espírito de bronca?! Em resumo, ia voltar para casa sem livros, mas não resisiti e comprei uns outros, que nãoestavam na minha lista, mas que chamaram a minha atenção... Um audiobook chamado The Uncommon Reader-- com uma historinha que me pareceu interessante -- um dia a Rainha da Inglaterra entra por engano numa biblioteca móvel estacionada ao lado do palácio de Buckingham, descobre os prazeres da leitura e perde a paciência para com seus deveres reais, acarretando conseqüências divertidas para o seu reino. É mais ou menos esse o resumo.Mas não vou escutá-lo agora.Aqui escuto inglês todo o tempo, vou guardá-lo para a volta. Também comprei um chamado Songs for the Missing, que estava sendo muito recomendada pelos críticos do NYTimes. Essa recomendação, na verdade, não quer dizer nada. Vale tanto quanto as críticas do Prosa ou do Idéias: depende de quem a escreve, e desconheço o autor da crítica, assim como desconheço o autor do livro. Comprei dois do Pynchon, os dois mais fininhos que encontrei, para ver se me acostumo com ele. Sei que o André o adora, mas ainda não achei grande graça naquilo que li dele.
Continuo resenhando o Concerto Barroco. Tarefa difícil, pois tenho tanta pesquisa sobre o livro que me afasto do objetivo da resenha, me perco nas conjecturações sobre o assunto de minha tese, é um problema. Mas ainda tenho tempo. Vai dar tudo certo, no final...
Adorei a interpretação que Guido fez de meus posts! Finalmente virei personagem, coisa que almejei minha vida inteira. Já contei aqui de minha alegria quando descobri que o Rubem Fonseca tinha escrito Lucia MacCartney? Achava que era para mim. Aí fui ler, e descobri que não dava para me colocar como a personagem construída por ele: uma garota de programa. E, o que é pior, uma garota de programa romântica... Brrr! O que é isso? Mas ela está armazenada no meu imaginário, e agora faz parte de meu curso "Mulheres perdidas e desencontradas na Literatura Brasileira" Começo com Lucíola, a puta cheia de escrúpulos, passo por Lúcia MacCartney e chego até a Bruna Surfistinha, a puta que virou modelo de comportamento... Que coisa, né? Como nossos valores mudaram. De ofensa a elogio, a palavra puta hoje é uma coisa banal, perdeu o valor negativo. Aliás, quem alguma vez já viu a Gabriela, da Daspu, sabe que a puta também perdeu sua imagem. A Gabriela é igualzinha a uma vizinha minha, com quem encontro sempre no supermercado e é um modelo de respeitabilidade... Uma senhora sensata e séria, sem nada a ver com os paradigmas das profissionais mais antigas do mundo... Bem, chega de putaria e vamos à vida... Ciao

Thursday, December 25, 2008

Mais Natal e mais TV

Preparei uma ceia muito gostosa: Bacalhau (sim, aqui tem de tudo) e rabanadas... Very yummy, como eles dizem aqui para muito gostoso. Então não fiz muito mais além disso. Ao anoitecer, saí para dar uma voltinha a pé pelo condomínio. Lá estavam os Papais Noéis, miraculosamente ressuscitados. Algumas luzes pestanejavam sonolentas em poucas casas. Uma única ostentava uma feérica iluminação, o que tornava difícil até olhar para a casa. Estava exageradamente festiva. Outra parecia a sede do PC, com uma guirlanda de luzes vermelhas em cada janela. Mas a casa estava totalmente às escuras, só aqueles círculos vermelhos apareciam na escuridão, como alvos... Uma outra confundiu as festas e seus enfeites mais pareciam de Halloween. Muito estranho. No meio da noite, insone, lá fui eu ligar a TV, para continuar a exploração dos 500 ou 600 canais. Não importa o número, é tudo muito parecido. Mas ontem encontrei coisas dignas de nota. Uma foi a tal de Book TV. Já tinha visto antes, e não se trata propriamente de um canal, mas de um programa de entrevistas. Claro que ontem a entrevista não era ao vivo, e sim uma repetição de agosto, acho, com a Maya Angelou. Assisti um pouco, mas comecei a lembrar do livro do Amos Oz, Rimas da vida e da morte, e enjoei. É que as perguntas, como ele chama a atenção, são sempre as mesmas. E cada vez mais existe uma tendência de encarar a literatura como auto-ajuda: Qual o conselho que a senhora daria para uma filha que está saindo de casa? -- era uma das perguntas. Isso porque ela é a autora de um livro que fala sobre as relações entre mãe e filha... Será que isso faz dela uma expert? O livro que estou escrevendo versa sobre o mesmo assunto. Será que isso vai me transformar numa especialista? Sinceramente, espero que não, só o que desejo é contar uma história, possível, entre duas pessoas que nunca chegam a se compreender inteiramente.
O outro canal que descobri é uma preciosidade: completamente incrível! A imagem é sempre a mesma: uma lareira. E, em off, alguém lê histórias. Imaginem isso, uma noite escura lá fora, e alguém solitário se aquecendo frente a esse fogo e escutando um amigo, ou um parente, contando uma história, se achando, finalmente, acompanhado.... Patético. No sentido de pathos, emoção, sofrimento. Como fazemos coisas para nos iludir, hein?... Então, como não quero terminar meus dias assim, lá vou eu me despedindo de vocês e rumando para o aconchego da família. Só fugi um pouquinho, viciada que sou nesse blog. E aproveito para agradecer a todos vocês, com suas cartas tão lindas, suas mensagens e seu carinho, que me mantêm o coração aquecido mesmo aqui neste frio. Ah, porque num dos canais me ameaçavam com uma enorme tempestade que está se aproximando do oeste. Deixem-me curtir o restinho de dia bonito, antes que chegue a neve, então! E mais feliz Natal para todos, outra vez, mil vezes. E que tudo o que me desejam lhes seja dado em dobro, em triplo, para que vocês continuem repartindo, com generosidade, entre os amigos.
Beijo natalino, com guisos...

Wednesday, December 24, 2008

Feliz Natal!

Oba! Véspera de Natal, quantas boas lembranças... Quantas saudades, também, é verdade. Hoje o dia amanheceu lindo, e, por incrível que pareça, não tão frio. Mas eu continuo escondida em casa, friorenta, ocupada em reler livros queridos e em rever filmes antigos. Esses canais de TV aqui são uma fonte de velharias incrível! Algumas boas, outras terríveis. Quando canso dos filmes vou até o History Channel, que está passando programa após programa sobre a verdade da Bíblia. Estou admirada com a capacidade de enrolação deste canal: não provam nada, levantam mil hipóteses, falam de A a Z, e não trazem nada de novo, embora suas chamadas sejam tipo: conheça o verdadeiro local de nascimento de Cristo! Saiba tudo sobre a virgindade de Maria! Sobre esse último assunto, eles descobriram uma possibilidade de Maria ter sido estuprada por um soldado romano de nome Pantera....Daí que o filho de Deus pode ser apenas filho de uma pantera.... E Jesus pode nunca ter nascido em Belém, já que sempre foi conhecido como Jesus de Nazaré.... E ele provavelmente não nasceu no Natal.... Bem, parei de ver por aí. Porque não me importaria de ver tudo por terra, desde que me dessem alguma certeza, mas tudo o que a programação estava fazendo era levantar essas lebres, e não acertar em nenhuma. Tudo são hipóteses, e não há nenhuma fundamentação quanto a nada. Por exemplo, a história do tal Pantera é a seguinte: Os soldados romanos costumavam estuprar as mulheres palestinas. Em algum lugar na Europa há um túmulo de um soldado romano chamado Pantera que esteve servindo na Palestina na época que Maria teria, supostamente, engravidado. E só. Daí que eles levantam mil hipóteses a respeito de um possível estupro, etc, etc. E, depois, no segmento seguinte, falam sobre como a data de nascimento de Cristo é apenas uma hipótese, pois o único dado histórico é a sua morte, e as narrativas sobre o nascimento não coincidem com as datas históricas -- por exemplo: o censo da população ocorreu ou seis anos antes do nascimento de Cristo ou seis anos depois....Então, o Pantera estuprador teria que estar ativamente estuprando na Palestina por um período muito mais longo do que o comprovado na inscrição de seu túmulo.
Mas, chega de History Channel. Vamos falar de crise. Todo o mundo aí no Brasil me pergunta se há sinais visíveis da crise aqui. No princípio achei que não, mas agora descobri um triste sinal -- os suicídios de Papai Noel. Andando pelas cercanias, fui vendo vários bonecos de Papai Noel caídos nos gramados, como se tivessem se atirado dos telhados. Aquilo me fez um grande mal-estar, me deixou impressionada. Minha filha me tranquilizou, falando que são bonecos infláveis, como aqueles dos postos de gasolina, mas que só são ligados à noite. De dia ficam lá, estirados como cadáveres. Pode ser que isso não tenha nada a ver com a crise, mas que funciona como um aviso aos navegantes, lá isso funciona. O bom velhinho que antes eu via a cada esquina tocando um sininho e pedindo contribuições para o Natal dos pobres, desesperou-se e se atirou dos telhados, espatifando-se em quintais que já não ostentam mais as luzes festivas. Raras são as casas que estão decoradas, as flores vermelhas que costumavam bordar as escadarias e entradas, continuam nos supermercados, aguardando clientes. Mas os supermercados estão cheios de gente e de iguarias, e os olhos das crianças continuam brilhando de expectativa. Então eu aqui me despeço, com a saudação tradicional:
HO, HO, HO! Merry Christmas!
E prometo que não subo no telhado, para não me sentir tentada...
Feliz Natal a todos.
Não se esqueçam que no histórias possíveis tem muitas histórias de natal para todos vocês, inclusive uma que eu escrevi: Natal no Leblon.

Monday, December 22, 2008

Bbbrrrrr

Esse é o ruído que supostamente todos os que se aproximam de mim, desde ontem, podem escutar: meu corpo tremendo de frio...
Tinha me esquecido do impacto que faz o contraste entre a beleza do dia e o frio que se sente aqui nos EUA. No Brasil, quando o sol brilha, o calor comparece, mas aqui, o dia despejado não significa nada em ermos de temperatura. Somos realmente obrigados a olhar o termômetro antes de sair, sob pena de acontecer o que me aconteceu: instantaneamente meus lábios racharam com o frio.
Agora estou aqui, sob as cobertas, me esquentando e escrevendo, enquanto tento esquecer a dor dos meus lábios.
Passei a manhã com Carpentier, amor antigo, mas há muito não revisitado. Como ele é bom! E como foi bom ter passado um tempo longe dele, pois agora encontro coisas que não tinha visto antes, talvez até porque eu ainda não conhecesse essas coisas que agora encontro. Sua familiaridade com Proust, por exemplo, tinha me passado despercebida, e agora me atinge com o impacto de um raio. Vou ter muito o que fazer, nesse próximo semestre, reestabelecendo minhas leituras de Carpentier e Lezama, vis a vis Proust. Pois agora farei uma triangulação, várias triangulações, e a partir daí, surge uma espiral magnífica, instigante.
Mas agora preciso levantar e andar um pouco: Não posso passar o dia assim toda torta na cama, ou minha coluna não resistirá. Vou me exercitar no frio, isso depois de passar uns dois quilos de protetor lábial, de preferência com anestésico!
Depois escrevo mais...

Friday, December 19, 2008

Se se morre de amor...

Me lembro de um poema bem romântico que começava assim. Acho que estava num dos livros de J.G. de Araújo Jorge, poeta que encantava minha mãe...É, ela gostava dele. Minha avó gostava de Raimundo Correia, meu avô de Jorge de Lima. Eu gostava de ficção, mas lia muita poesia, que sempre andou pelos livros lá de casa. Mas o que me encantavam eram livros de histórias, que me transportavam a um mundo onde me sentia mais feliz. Tartarin de Tarascon; a Menina das Nuvens; O albergue do Anjo da Guarda; Histórias que a velha paineira contou; As mil e uma noites; Grimm, Andersen; Lobato. Tantos livros, tantas histórias... Juca e Chico, os dois meninos levados que são barbaramente castigados e comidos. A moura torta, que, na verdade, descobri isso depois que aprendi espanhol, devia ser A moura vesga, o torta é problema de tradução. Desses livros para os considerados "sérios", foi uma pequena passagem. Mas até hoje adoro um livro infantil, que agora são ainda mais belos que antigamente. Lá no almoço do Mussa, brinquei dizendo que pertencia à pré-história da humanidade, que tinha nascido antes do computador! Muitas pessoas protestaram, e começamos com uma sessão de recordações de como era escrever antigamente. Escrevíamos os trabalhos a mão, acreditem ou não. Alguns trabalhos eram feitos a máquina, isso quando alguém no grupo possuía uma máquina de escrever, coisa que não era tão comum assim. Eu sempre fui uma péssima datilógrafa, e vivia com os dedos cheios de bandaid, porque ficavam todos feridos por resvalarem e entrarem por entre as teclas. Na verdade, não eram todos os dedos, pois eu só usava o dedo médio e o indicador. O indicador ficava dobrado por sobre o pai de todos, para reforçá-lo, pois as teclas eram muito duras e eu nunca tive força nas mãos. Daí que esses quatro dedos se esfolavam, doíam, era um horror. Quando a IBM inventou a máquina elétrica, achei que as coisas iam melhorar para mim, mas não foi bem assim. Era preciso me readaptar, pois demorar um pouco mais com o dedo sobre a tecla significava uma linha inteira de sssss ou de ppppp, então usava a fita corretora, que apagava milagrosamente nossos erros. Só me acertei mesmo com o computador. Por isso olho com incredulidade esse pessoal que curte escrever a mão. Eu, hein? Escrever, rabiscar, fazer sinais para inserir textos ou mudar de posição frases inteiras? Deus me livre! Amo meu computador! Adoro as mágicas que ele é capaz de fazer, mesmo quando ele resolve me boicotar, apagar tudo o que escrevi, transformar letras em números, ele ainda é o melhor instrumento escrevinhador que já tive.
Bem, com essa sessão nostalgia, o tempo passou e já me sinto melhor. Porque às vezes dói tanto estar viva que mal consigo aguentar. Então, termino, dizendo que a resposta para a dúvida poética é sim, é possível que se morra de amor. Mas, para a pergunta retórica, se se morre de tristeza, afirmo que não. Eu sou a prova.

Rosnados e Agrados

Começo pelos agrados,ou melhor, pelos agradecimentos . Obrigada a todos vocês, pelo carinho e preocupação demonstrada. Estou bem, ainda que não totalmente 100%, já que no final de ano é difícil a gente não se exceder. Vejam: domingo estava convalescendo de minha gripe, mas, no dia seguinte, lá fui eu à festa de aniversário de um amigo querido. Coisa bacana, bem organizada, em hotel na Av. Atlântica, como ele merece. Era também a comemoração do seu aniversário de casamento, estavam lá amigos de uma vida inteira. Só sei que a mistura de remédio para gripe com champagne me deu uma disposição que me fez ficar dançando até a festa acabar. Resultado, passei o dia seguinte de cama, para poder me recuperar para a festa de fim de ano do grupo de Proust, no dia seguinte. Resumindo, estou assim: um dia agito, outro descanso, e, mal ou bem, vou dando conta de tudo. Agora faço as malas, Natal no hemisfério Norte, Reveillon em Las Vegas -- quem sabe assim enlouqueço de vez? Levo na mala o computador, e algumas idéias para desenvolver o romance, no qual quase não tenho trabalhado... E também artigos para desenvolver a tese: adoraria terminá-la este ano!
Quanto aos rosnados -- refiro-me à mania de colocarem "rsrsrs" para traduzirmos como risos. Sempre acho que estão rosnando para mim! É igual aos americanos que se despedem com "xoxoxo" que eles pretendem que signifique beijos (x) e abraços (o), mas que eu interpreto como um xingamento. Não é meio esquisito, esse negócio?
Bem, agora vou tomar as últimas providências pré-viagem.
Só que, antes de me despedir, quero mencionar algumas conversas com alunas, que me fizeram muito bem. ML me liga e conta de seu prazer com a leitura das cartas de Fradique Mendes, do Eça. E depois diz: Devo esse prazer a você, pois foi você que me ensinou a gostar de literatura.
Ah, como isso me deixou feliz! É a melhor coisa que uma professora pode escutar -- ter conseguido revelar o mundo de prazer e descobertas que nos espera em cada livro. UAU!
Já L me escreveu um e-mail, se revelando encantada com Tolstói, e falando do prazer que são os nossos encontros. E eu sempre digo a elas: O maior prazer é meu: onde mais eu teria a chance de ter uma platéia cativa, me escutando falar do que gosto? Obrigada a vocês, minhas alunas queridas, mil vezes obrigada, pois sou eu que sou devedora a vocês. O carinho e o estímulo que vocês me dão foi meu caminho de volta à vida. Que não é a mesma de antes, mas que tem, ao menos, essa doçura!

Sunday, December 14, 2008

FEBRE!

Vai assim, tudo em maiúsculas, para expressar meu protesto! Febre, daquelas altas, de dor no corpo e calafrios, há quanto tempo não sentia. E, para falar a verdade, estou até gostando dessa parada forçada, que me tira de circulação e me desobriga do espírito borbulhante da época. Agora que vivemos numa era de felicidade artificial, em que todos ostentamos no rosto sorrisos congelados, e em que banimos de nosso vocabulário as palavras de revolta e indignação, às vezes fica mais difícil conviver, cientes de tanta superficialidade. Sinto falta do tempo em que podíamos viver sob o signo de Saturno, o grande melancólico. Bem sei que se podia ser igualmente chato, mas também necessitamos de uns bons gritos de desespero e de lágrimas de dor. Há quantos anos não fazem mais um sucesso cinematográfico do tipo "Laços de família"? Choro e ranger de dentes, ver o sofrimento alheio, nos consolava de nossos infernos particulares. Agora a gente minimiza nossas dores, disfarça. Somos inundados por frases lapidares cunhadas por BBBostas (desculpem o termo) do tipo: "faz parte"; "que se há de fazer"; "não podemos nos abater"...
Pois eu, escudada pela febre que me solta a língua, digo que as coisas ruins podem fazer parte da vida, mas ninguém as quer, e por isso é normal protestar, espernear, gritar. Sofrer calado é muito pior que sofrer gritando -- até as dores físicas se tornam mais suportáveis quando gememos. É preciso acordarmos, parar com esse conformismo que nos leva a aceitar as coisas cada vez mais escabrosas que nos impingem. Precisamos reclamar, espernear, ser desagradáveis e chatos -- desde que não embarquemos só nessa e percamos nosso bom humor para sempre. Afinal, a "fossa" foi sempre uma boa fonte de inspiração para versos e canções. Chega de circo, vamos ao teatro, e ao teatro de tragédia, de lágrimas de esguicho, de pura catarse. Mas, viva Aristófanes e seu riso...

Friday, December 12, 2008

Fractais

Esse desenho, um fractal, é um presente do Guido, leitor aqui do Blog, que me manda suabela criação. Ele explicou o que são os fractais, desenhos geométricos etc. etc. mas meu truquezinho de copiar e colar não deu certo. Voltarei com a explicação. Mas, mesmo sem explicação, aqui vai o desenho que ele me autorizou a colocar aqui e ainda, modesto, perguntou se merecia. Pois eu respondo que eu é que não sei se meu blog é digno de tanta beleza. Reparem bem nas cores, e no movimento que tem o desenho. Não sei se graças ao nome desse amigo que não conheço ao vivo, mas que estimo com toda a simpatia virtual, achei o desenho meio evocador de Dante. Explico: Guido Cavalcante é o nome de um poeta amigo de Dante, que o colocou no purgatório, junto de outros poetas admiráveis, ao lado de Arnaut Daniel, il miglior fabbro (acho que é assim que se escreve.), ou seja, o de técnica mais apurada. Pois nestes galhos dourados de luz vejo as almas que se projetam para alcançar a beleza desse coração verde que se abre para acomodar as estrelas, ao longe.. Viajei? Não importa. O que importa é que é lindo e que meu amigo pensou em mim e me fez um carinho. Carinho que eu queria fazer para tantas pessoas distantes, que, no momento, se encontram às voltas com todos esses problemas de final de ano. Essas datas exigem muito do emocional das pessoas. Eu mesma vou fugir, procurar um cantinho distante onde me esconderei até o dia 7 de janeiro. Vou fugir das buzinas, das chuvas que esfriam nosso sempre adiado verão, das comidinhas que se repetem em torrentes de sabores e de exageros, dos humores instáveis, das pequenas grosserias, das grandes desatenções, das feridas disfarçadas em agrados, mas... pensando bem, para onde formos , essas coisas vão atrás, como satélites... Elas estão sempre à nossa volta, mas nessa época ficamos mais suscetíveis.
Voltemos, pois, ao fractal do Guido: na beleza das cores e na incrível luminosidade que elas geram, senti um alento que me fez um pouco mais feliz. E me despeço, então, repartindo essa minha pequena felicidade.

Tuesday, December 09, 2008

Divergências

Chego em casa e escuto música. Alguém faz uma festa aqui na rua. Fico pensando que esta pode ser uma boa maneira de terminar um dia que começou mal, com alguém batendo no meu carro dentro da garagem, e que passou por diversas decepções e desenganos. Incansável, lá vou eu atrás da boa música que leva os moradores do bairro a confraternizar, tomado espumante e comendo biscoito polvilho. Viva meu bairro, penso eu, sorrindo para quem me sorri e escutando os papos das vendedoras do predinho, falando dos estilistas e dos florais, e de todas essas coisas que sempre escuto com simpatia e incredulidade. Será que essas coisas realmente existem, me pergunto. De repente, a conhecida de uma conhecida vem arengar no meu ouvido sobre a inconveniência daquela música na calçada. Mas é uma música tão boa..., tento argumentar. E ainda é cedo, é melhor escutar as canções que os ruídos do trânsito e os motores dos caminhões de lixo que passam hoooras compactando o lixo com seu ruído monótono. Mas a cidadã está zangada, quer descansar, quer falar com a Inglaterra, quer jantar sem ouvir música. Uma outra conhecida de uma conhecida luta pelo direito da festa, e enfaticamente, pelas costas da outra, manda-a visitar a puuuuuta que pariiiuuuu. Depois sai cambaleante, com a taça de espumante nas mãos, feliz por ter lutado pelo direito de festejar, inerente a todo habitante do Leblon! Eu desisto de comprar mais um livro e volto para casa, pensando em Amos Oz, em Tolstói, em osteopatia e filmes. Termino aqui, lambendo as feridas do dia, sentindo falta de quem me garanta que tudo isso passa, que amanhã vou me sentir melhor.

Friday, December 05, 2008

Madrugadora

Acordei cedo, antecipando minha ida à ABL, para assistir o Sermão de Quarta-Feira de Cinzas interpretado pelo Pedro Paulo Rangel. Hoje, 12:30h. Grátis. Isso é bom demais. Com isso pretendo depurar meus ouvidos de algumas coisas que andei escutando ontem: um discurso, de um chefe de nação, usando termos escatológicos... Me recuso a reproduzir o que foi dito, pois assim como descobri que, quando cheiramos, estamos consumindo um pouco daquilo que cheiramos, já que o odor são átomos que penetram nosso organismo através das narinas, estou convencida de que falarmos de certas coisas suja nossa boca. As palavras, que em sua origem são arbitrárias, com o uso colaram-se de tal forma às coisas que representam que voltam, hoje, a uma função mágica. Quando falamos/escrevemos estamos presentificando aquilo que dizemos. Quase que sinto o aroma da flor quando digo "rosa", que chega, idealmente bela e viçosa, na cor que meu sentimento do momento exige, no meu papel, nas minhas retinas, em minha manhã.
Volto, assim, a Alagoas, cuja imagem agora se transforma num coração, vermelho, pulsando ali no peito nordestino do Brasil. Já repararam, que o estado tem uma forma que lembra um coração? Pois esse coração pequenino tem uma profusão de "heróis", de pessoas admiráveis, que vão de Calabar a Zumbi; de Zagallo a Marta (é, a jogadora de futebol); de Ledo Ivo a Jorge de Lima; de Hermeto Pascoal a Djavan. E não termina por aí a lista. Nosso primeiro presidente, o Marechal Deodoro, é de lá. A política está cheia de alagoanos, mas não vou continuar neste terreno. Passo ao cinema e lembro de Cacá Diegues. E, na república das Letras, termino mencionando o grande dicionarista Aurélio Buarque de Holanda e o homenajeado da vez, Graciliano Ramos. O que me faz refletir um pouco. Todos admiram o romance Vidas Secas, cujo título, neste autor tão parco de adjetivos, é o único adjetivado. Não me consta que tenham estudado isso, mas é um tema para reflexão. Eu também admiro o romance, mas confesso minha parcialidade quanto a São Bernardo. Acho que é um livro excepcional. E Paulo Honório é um filho legítimo de Bentinho, nosso Casmurro moderno. Eis aí outro tema para reflexão. Se eu estivesse orientando teses, sugeriria isso para os meus alunos, ao invés de ficar lendo essas coisas mirabolantes sobre a influência dos ditongos orais nas epifanias claricianas... Macabéia que me perdoe, mas está na hora de voltarmos a ler outra coisa na academia! Já imaginaram os orgasmos intelectuais que se pode ter nas fricções entre Paulo Honório e Bento Santiago?
Gente, a ansiedade para partir em direção à ABL está me deixando boba. Perdoem-me. Memento Homo quia pulvis es et in pulverem reverteris... Sim, lembrem-se de que somos pó e ao pó retornaremos: dessa minha mente que já virou farinha, e que um dia foi poeira de estrelas (não me canso de repetir isso!) saem as coisas mais disparatadas, mas nós, instruídos por Vieira, podemos nos desculpar e nos engrandecer, mesmo em nossa insignificância.
Vejo vocês na ABL.

Thursday, December 04, 2008

Laços...

Já é a segunda vez que começo a escrever um post e desisto, no meio do caminho. Geralmente embarco numa idéia e me distraio com ela, como quando, na praia, achamos uma conchinha, levantamos da areia e a reviramos entre os dedos, olhando seus desatinos. Cada concha, em sua precisa matemática, é um desatino -- um desvio, um subterfúgio. Desenhos e cores, arquitetura e esconderijo, firmeza e fragilidade. Não admira que a gente ainda se fascine com elas, que, cada vez mais raras, desaparecem nas praias. Quando era pequena, meus pés as temiam. Perigosas, elas cortavam, doíam, transformavam em desprazer o delírio da praia. Mais tarde elas passaram a tabus -- nada de levar conchas para casa, para não ter "azar". Mas eu gosto de conchas e de corais. Gosto de peixes e de anêmonas. Gosto de belicosos caranguejos, de lagostas criteriosas exercendo seu trabalho de edição. Uma vez passei uns tempos numa casa com um aquário. Um aquário enorme, onde nadavam tartarugas, lagostas, budiões, sargentos, garoupas. As estrelas do mar grudavam-se do lado de fora, desenhando na parede um firmamento sem firmeza. Todos os dias eu contemplava os peixes, como um deus contemplando sua criação. E, como esse deus, não fazia idéia do que se passava na cabeça dos peixes. Estariam entediados ali dentro? Ou se sentiriam felizardos, a salvo de tubarões e de redes? Nunca compreendi aquele mundo, e, depois de um tempo, findas as férias, o abandonei, sem remorsos.
Olho agora para o céu azul e me pergunto se haverá um rosto me contemplando, distraído. Olhos que olharão sem ver, curiosos, mas indiferentes. Ou será que este rosto que não vejo pertence a alguém que já se foi e nos abandonou nas mãos de algum caseiro encarregado de nos alimentar e pouco mais?
Meu avô, que acreditava em tudo, estava convencido de que não chegaríamos ao ano 2000. E dizia que a primeira destruição do mundo tinha sido pela água e a segunda seria pelo fogo. Mas acho que as águas estão tentando, mais uma vez, demonstrar sua eficácia destrutiva. Ou, pelo menos, revelar nossa absurda displicência com a vida. Será que algum autor estará preparando uma revisão da Bíblia, para acomodar tantas tragédias naturais? O livro dos déspotas, em contraponto ao Livro dos reis, onde se contariam as histórias de figuras terríveis que nos assolaram nos últimos tempos. O Cântico dos desencânticos -- terrível trocadilho -- mas que não merece título melhor já que versaria sobre o desamor. Uma versão revista e ampliada do Apocalipse, incluindo os refinamentos tecnológicos que agora nos podem atormentar... Para neutralizar tudo isso, aconselho um remédio vindo lá do século XVII: Sermões de Vieira. Hoje e amanhã o Pedro Paulo Rangel está oferecendo uma leitura na ABL, às 12:30h. Grátis. Vamos lá?