Sunday, December 30, 2007

Quem fatiou o tempo?

Mais uma vez me pergunto porque este rito de passagem na noite de 31 de dezembro? Quem 'e que determina que as coisas mudam de um ano para outro? Estou assim, numa fase "protestante" -- questionando tradicoes, inquietamente esperando a noite de amanha, sem ilusoes. Esta e minha terceira passagem de ano sem o Guilherme, e mais uma vez vejo o tempo escoando neste funil de horas, sem que eu me anime, sem que as esperan'cas ressurjam. Vou levando, como se diz. Acho que estou me saindo bem, conforme prometi a ele que faria, mas meu cora'cao continua pesado, minhas alegrias ainda sao ocas, e comeco a acreditar que a vida agora sera sempre assim: risos vazios, planos construidos por mera forca de vontade e nenhuma tesao.
Gostaria de entender o mecanismo da esperanca, da ingenuidade da fe... Mas nao sei de nada, nem sei mais aquilo que julgava saber. E, no entanto, criei novos amigos, alcancei velhos objetivos, estabeleci metas para o futuro. Mas nao tenho nenhuma "vontade". Faco, porque faco, mas se nao fizesse, seria igual. Assim sendo, fico inquieta com tanta gente esperancosa e feliz a meu lado -- nao quero ser desmancha prazeres, mas nao consigo me contagiar nem entusiasmar um pouquinho com a mudanca de data. Mas muita coisa vai acontecer este ano. Minha amiga Ro vai ter seu primeiro filho. Minha amiga Laura completa suas bodas de ouro. Meu segundo livro sera publicado. O livro do Flavio tambem vai ser publicado. Vou voltar para a faculdade.Vou ver o Breno em janeiro, vou viajar com Natercia, vou andar de bicicleta na praia com o Marcio, vou rir muito com a Livia, vou colaborar com o Andre, vou continuar com minhas aulas de piano, quem sabe conseguirei tocar alguma coisa de Bartok? So que isso tudo eu faco assim, meio impostoramente, fingindo uma felicidade que sinto mas que nao e verdadeiramente minha. Nao sei explicar melhor. Tambem nao sei quem fatiou o tempo. So sei que o meu tempo estacionou no passado, e eu nao tenho vontade de seguir adiante. Mas vou andando assim mesmo.

Friday, December 28, 2007

Felicidade é....

Felicidade é um sentimento que chega assim de repente num carinho de amigo, numa palavra boa, numa lembrança. Agora no final de ano, tenho recebido mensagens carinhosas que me orgulham muito, me deixam feliz, contente com a delicadeza de meus amigos. Obrigada a todos aqui do Blog. Eugênia, querida, espero que sua experiência Carmelita te tenha deixado purificada e esbelta, mas saiba que você é uma mulher muito bonita, e uma pessoa muito legal. Meu amigo Guido, dos bons conselhos, vou experimentar sua receita no dia em que me animar a fazer uma feijoada. Tenho a certeza de que deve ficar deliciosa. Escreva sempre, Guido. Você tem tantas boas histórias para contar...E eu adoro lê-las. Meu querido amigo Amauri, como me sinto honrada por saber que você escolhe o hotel de maneira a poder ler meus escritos. Saiba que isso já me motiva a continuar escrevendo, pois sinto que meu esforço vale a pena. Minha silenciosa amiga Betty G., agradeço seu carinho, você me entende direitinho, sabe conjugar o verbo doer como eu sei, assim por dentro. Mas para você eu prevejo muitas alegrias, um futuro com apoio, companheirismo e amor. Acredite em mim. Teka e Fafá, a alegria de vocês me contagia, vocês são responsáveis por alguns bons momentos meus e por novos projetos -- veja só minha nova habilidade no piano! Gostaria de mandar uma mensagem carinhosa a cada um de vocês, mas não dá. No meu coração, agradeço a todos, e repito -- vocês nem imaginam como são importantes para mim. Felicidade é ter amigos assim como vocês.

Thursday, December 27, 2007

Quase novo, sempre novo, já antigo

Um novo ano bate à nossa porta. Mais um pouco e muda nossa folhinha. Mudará alguma coisa em nossas vidas? Muitas pessoas acham que sim. Mudamos a data e mudamos de vida. Fazemos planos, prometemos coisas, fazemos listas, e nem sabemos bem porque é nessa virada de ano que resolvemos tomar essas resoluções. Talvez pela mesma razão que nos leva da dizer que "segunda-feira começo a dieta". Precisamos de um limite e tomamos essas datas, essas convenções, como orientações. Na verdade, cada novo amanhecer é um recomeço, e um milagre. Existe uma oração judaica para o início do dia que diz: Obrigada, Senhor, por devolver minha alma intacta! Dormimos e nossa alma sai vagueando por aí. É realmente um milagre que ela nos seja devolvida sem danos a cada manhã...
Bem, vou ficando por aqui, sem muito mais o que dizer por hoje. Tenho andado ocupada, envolvida em comemorações familiares, assim que conseguir um tempinho venho para nosso recanto, já antigo, de mais de um ano. Obrigada a todos os meus leitores. tentarei escrever antes da nossa data limite, para desejar a todos tudo de bom em 2008. Beijos.

Sunday, December 16, 2007

Domingo de sol e de... feijoada.

Não sei qual a conjuntura astral que levou todos os cariocas a resolverem comemorar o fim de ano com feijoadas. Talvez porque a "coisa esteja preta", já comi feijoada em aniversário, em confraternização, em reunião de família, em formatura... Isso, já que os aniversários são dois, dá uma média de uma feijoada a cada três dias nestas últimas duas semanas. Mas eu não reclamo, Adoro feijão, preto, com caldinho puxando para o salgado, misturado com a couve bem fininha e a laranja e sua pausa refrescante entre garfadas sólidas. Eu adoro, mas o corpo protesta. E se expande. Não vou mais aceitar convite para feijoada. Nem para as festas bem brasileiras, com cardápios que misturam desde rabada a empadinha de bobó de camarão. Aviso, portanto aos amigos: só aceito convites para chá de tília com madalenas. Portanto, não se admirem, hoje, quando eu chegar na feijoada e recusar, pedir somente uma águinha quente para mergulhar meu pacotinho de chá de boldo (sim, e também aceito o de erva-doce). Meus olhos passearão gulosos pelos pratos fumegantes e apetitosos mas, asceticamente, resistirei, pois penso nas rabanadas que não tardam a chegar!
Estou com um outro problema sério,também de gula, mas de um tipo diferente: Imaginem que estou comprando os presentes de natal para os amigos, e as coisas que gosto de dar são aquelas que gosto de receber: livros, CDs, DVDs. Então comprei um livro para A. Enquanto esperava para pagar, comecei a folhear a obra e fui fisgada, comprei um para mim também. Dei um DVD para B, mas já sei que vou voltar na loja para comprar um igualzinho para mim. Fui comprar um livro de uma autora que aprecio para C e de um autor que adoro para D, acabei comprando para mim um dele que ainda não tinha. O dela, estou relutando em entregar! O pior é que não tenho tempo para ler tudo isso, pois estou com uma pilha de livros que só faz crescer, e me olhar desaprovadoramente quando me aproximo com mais um exemplar para aumentá-la.
Socorro.
Alguma receita para conseguir me moderar? Por favor, ajudem.

Wednesday, December 12, 2007

pensamentos em voz alta I

Não tenho quase nada para dizer, mas não me calo, na esperança de, entre as palavras vãs, surpreender alguma verdade...

Tuesday, December 11, 2007

Mais um presente

Imitação da água
(João Cabral de Melo Neto) Foto de Howard Schatz

De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada,
na praia te parecias.

Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.

Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.

Uma onda que parara
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista

e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.

Uma onda que guardasse
na praia, cama finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,

e em sua imobilidade,
que precária se advinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas

mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.

Beleza, não? Para rivalizar com o dia deslumbrante de hoje.

Monday, December 10, 2007

Cartão de Natal




Acabo de receber um cartão de Natal de meu amigo Dolino, cujas telas aprecio muito. É uma nova modalidade, essa, um cartão criado por ele, mas eletrônico. Gostei tanto que quero mostrar para vocês, vejam como é lindo. E aproveito para desejar:

Feliz Natal
ou
Chanuká
.

Sunday, December 09, 2007

Mais música


Há dias que acordo assim, me recusando a viver. Não atendo telefone, não tomo café, não me ponho para funcionar. Vou esbarrando pelos móveis e coisas, até "pegar no tranco". Hoje o que me ajudou a pegar foi música. Exercícios de piano -- vou poupá-los, não conto as notas que toquei/troquei -- Depois vídeos de música no U-tube. Fiquei refletindo que rock hoje é coisa de velho. Bem, velho não, mas de gente antiga. De Beatles a Rolling Stones; de Dire Straits a The Police; Queen, Eagles, Lulu Santos, Rita Lee, Chico e Caetano. Olho para esses caras e vejo senhores freqüentadores do Jobi, ou jogadores da rede de vôlei do Baixo Vovô, onde "todo mundo é professor e ninguém aprende". Escutei coisas lindas. Mas u-tube é cansativo, parei para olhar a vista e descobri que, por alguma brincadeira de nuvens, as Cagarras haviam se transformado no quadro Monte Fuji com flores, do David Hockney. Bem, numa espécie de negativo, pois as neves, ilusão criada pelas nuvens, estavam embaixo e o pico se destacava escuro. Faltava a flor, mas coloquei uma na janela e recriei a beleza, efêmera, mas agudamente satisfatória. Agora coloco aqui no blog uma imagem de um poster, e compartilho com vocês minha ilusão.
Ontem saiu mais um número de Histórias Possíveis. Desta vez Ronize e Nereu brilham numa constelação afiada, só com estrelas alfa. Agora vou, lentamente, começar a me arrumar para o Municipal -- é dia de Mahler. Há, ainda, muita beleza no mundo.

Saturday, December 08, 2007

Aula de piano

Esqueci de contar meu progresso na aula de piano. Meu professor não cansa de se maravilhar com meus dotes musicais -- tadinho -- que ele jura que são muitos. Isso porque consegui tocar uma musiquinha de três notas, errando apenas três... Mas entendo de frase, até de frase musical. Posso ver as frases, acho que me arrisco até a identificá-las. Consigo ler umas cinco notas, mas às vezes me confundo. Ele me passou muitos deveres de casa: Vou ter que tocar cinco musiquinhas na próxima sexta, pobres vizinhos...Isso significa que vou ter que praticar essas cinco musiquinhas durante toda a semana... Vou ter que escrever as notas e estabelecer o ritmo, ou o compasso, ou sei lá o que aquela fração inicial indica. Em compensação, o professor tocou Chopin e Rachmaninoff, e eu toquei (no CDplayer) Reynaldo Hahn, que ele não conhecia. E falamos sobre ópera, que ele cantarolou e eu reconheci e eu cantarolei e ele não reconheceu... Me despeço com um dó, ré, dóo; dó, ré, dóo; dó, si, dó ré.

Ser ou ...

Vocês sabem o resto, não preciso completar o título. A razão da pergunta é pensar: o que faz de mim uma escritora?
Leio os outros -- as outras -- e me sinto tão pouquinha... Insegura, preciso de palavras que me animem nas quais, no entanto, nunca acredito (você só diz isso porque gosta de mim!-- penso).
Mas essas palavras me fazem bem, preciso delas como uma planta precisa de água, mas, diferentemente das minhas belas amigas vegetais, não espicho raízes para os lençóis freáticos: sou uma planta arrancada, sobrevivendo ainda, mas já quase sem seiva.
Tudo o que sempre quis fazer foi escrever, escrever histórias tão maravilhosas quanto as que me encantavam.Não sei como, mas, ao invés das histórias que queria contar, saíam poemas. As histórias saíam, também, mas poucas, anêmicas. Até que um dia, assim de repente, mas sem que eu soubesse que algo estava acontecendo, eu parei de escrever poemas. Fiquei anos, vários, só escrevendo contos, ou escrevendo outras coisas, como, por exemplo, os e-mails mais longos da internet (devo ser campeã nesta categoria). Tento ser breve e concisa, mas não tenho em mim nenhum DNA de Graciliano Ramos. Sou derramada, palavrosa, prolixa. Escrevo. Na hora, gosto do que escrevi. Depois tenho um ataque de rejeição -- releio e detesto tudo. Fico me perguntando porque é que escrevi o que escrevi. Então não leio mais, evito meus textos, até que um dia, mexendo em papéis que proliferam à minha volta, encontro algum conto que imprimi por alguma razão já esquecida, e até gosto do que está escrito. Ou, numa outra possibilidade, me surpreendo com alguma passagem, acho-a repetitiva, quero corrigir, mas dou de ombros, achando que não vale a pena.
Drummond tem um poema que diz mais ou menos isso:
Lutar com palavras
é a luta mais vã
no entanto lutamos
mal rompe a manhã...
Drummond não lutava contra as palavras, mas com elas, notem a sutileza.
Eu?
Preciso delas. Elas me alimentam, me sustentam. Sou aquilo que li e leio.
Então, termino aqui esse post, colocando meu auto-retrato (que Arcimboldo fez a gentileza de pintar para mim). Deliciem-se.

Thursday, December 06, 2007

dezembro

Dezembro --- mês que passa tão rápido, festeiro como ele só. Tem aniversários, casamentos, confraternizações, pré-reveillons, Natal... E ainda compras, compras, compras. Tem praia, acenando de longe, num sonho impossível. Tem passeio à Árvore, ao Coral da Esquina, ao Teatro Municipal...Dezembro passa rápido, levado entre o desejo de ajudar o próximo, de satisfazer as crianças, de esquecer o triste, de preparar a casa... E dezembro engorda, com todas as suas comidinhas e "só um pedacinho"...
Dezembro também tem lembranças, mas, como não dá para lembrar só do alegre, a gente guarda tudo e decide lembrar só em janeiro (como se fosse possível). E aí sai, vai às compras, ou ao encontro de Papai Noel, com uma cartinha onde o primeiro item é "cola para coração" e o segundo, "máscara sorridente".
A brisa do mar desmancha meus cabelos, numa carícia. Dezembro é um lindo mês, afinal!

Sunday, December 02, 2007

Gosto não se discute


Adoro Machado de Assis, li tudo dele, inclusive suas poesias, embora não seja uma grande fã de seu "lavor poético". Em poesia, adoro Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília Meirelles, Camões. Fiz esse recuo no tempo, e me lembrei de Vieira, outra paixão: quando, enfim, tive a capacidade de lê-lo, fiquei deslumbrada, acompanhando seus raciocínios e sua elegante exuberância. Não sou grande fã de García Marques, embora goste de Cem anos de solidão. Adoro Julio Cortázar, Monteiro Lobato e Maupassant contistas precisos. Sou fã de antologias, pois me apresentavam autores que ainda não conhecia, mas detesto os cortes nas antologias, pela mesma razão que detesto novelas de TV: interrompem o autor quando querem, não quando eu quero. Adoro Proust, mais que um autor, um amigo por escrito. Os russos que conheço me fascinam. Flaubert e suas histórias me encantam. Zweig, Alencar, Balzac e Eça, Pearl S. Buck, Melville, Camilo Castelo Branco, Lin Yu Tang todos são autores queridos e lembrados. Vargas Llosa, Carpentier, Callado, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos também... Mais recentemente, descobri Agualusa, Mia Couto e Adriana Lisboa. Isso para não mencionar os amigos-amigões e ser acusada de ser parcial, por isso não vou falar de Rachel Jardim e da turma de Histórias Possíveis. Não posso terminar essa lista de preferências, sem citar Homero, Cervantes e Dante, mesmo sabendo que não seria justo deixar de fora Oswald de Andrade, nem Mário, nem tanta gente boa que habita minhas estantes.
Com tantos autores maravilhosos mencionados, tantos autores deslumbrantes que não entraram na lista escrita, mas que deveriam ter seu lugar aqui, não vou perder meu tempo, nem ocupar meus neurônios lembrando do que não gosto. Quero mais é abrir espaço para minhas preferências. Comecei o post meio tristonha, mas agora já me consolei um pouco. Sou assim, prefiro ver o lado bom, as coisas positivas. Meu grande problema seria responder àquela pergunta-clichê, que acompanha todos os autores que chegam à "fama": Que autor levaria para uma ilha deserta? Acho que, até que me decidisse, a ilha já estaria povoada...

Saturday, December 01, 2007

Acabou-se o que era doce?

A novela terminou, mas sinto saudades de vir aqui de manhã cedinho, para escolher mais uma ilustração, colocar mais um capítulo...
Foi bom compartilhar com vocês minha história, é bom esse bate-papo, pois companhia, mesmo à distância, é muito bom.
Não esqueçam de procurar Histórias Possíveis, a nova revista eletrônica. Amanhã deve sair uma nova edição, fresquinha, com cheiro de tinta eletrônica, se é que isso existe. Nesta nova edição são contistas diferentes, e isso é que é o barato dessas revistas, a diversidade. Sou fã de "diferente", gosto que as coisas e as pessoas tenham caras e hábitos diferentes, cores e cheiros distintos, sabores e valores contrastantes. No entanto, um outro lado meu se compraz no hábito, na mesmice, no conforto do já conhecido... Mas acho que todos somos assim. Stella, uma de minhas estrelas-guia, me falou de um curso que ela fez, de filosofia, em que o professor García Rosa postulava vetores que tornavam tudo relativo. Então, meu impulso para o novo se relativiza frente ao meu desejo de familiaridade, e assim me equilibro. Quando sigo em frente, não posso esquecer o que ficou para trás ( e eu completo: nem o que está à direita e à esquerda, acima e abaixo) De repente, vejo que sou uma espécie de ouriço, apontando minhas farpas para todas as direções, e o mundo uma espécie de engrenagem onde todos nós, ouriços, vamos encaixando nossos espinhos e girando, e nos movimentando, num louco ballet... Como foi que vim parar aqui? Acho que fugindo de uma notícia horrível que li hoje: do pai que matou seu bebê de cinco dias apenas, arrancando-lhe a perna esquerda quando foi trocar sua fralda. Cronos não teria feito melhor... Fugi, mas fui alcançada, tive que desabafar aqui com vocês, e, mesmo levando o caso para a mitologia, para tornar o horror um pouco mais distante, o mal-estar que me invade ainda é enorme, inquietante. Somos feras, somos bárbaros, mas somos diferentes, e aqui me refugio. Sou diferente do bárbaro, embora carregue em mim um vetor que me relativiza a ele. Mas avanço, assustada, para o oposto, e dou graças pela diversidade.

Friday, November 30, 2007

Último capítulo!

Sim, chegamos ao fim do mês, chegamos ao fim da novela. Depois de hoje é embarcar nas comemorações natalinas, cada vez mais descaracterizadas... Amanhã tem inauguração da Árvore da Lagoa -- grandes engarrafamentos à vista. A temporada de compras já começou. O assédio para contribuirmos com algum tipo de caridade, também. Os enfeites exagerados, cada vez mais luxuosos e de mau gosto estão por toda a parte e as festas de confraternização, as lembrancinhas de amigo oculto, os telefonemas das "primas da Sapucaia" já começaram! As musiquinhas eletrônicas repetidas até o estupor nos anestesiam os sentidos. Arre! Lá vou eu reclamar, mas houve um tempo em que Natal era diferente: a gente saía pelas ruas com um sorriso, com vontade de abraçar todo o mundo, e era um grande programa ir visitar os presépios que se armavam pelas Igrejas. Logo em seguida, porque éramos democráticos e tolerantes, todos iam à praia para receber as baforadas fedorentas dos charutos baratos dos pais e mães de santo, que se postavam, desde o dia 26, em ônibus estacionados na avenida Atlântica, cada vez mais numerosos. A praia se enchia de flores e de velas, e os tambores se aqueciam para a grande noite da virada, e todos nos sentíamos renovados. Os encantos outros são hoje são outros, e também me encantam -- não se enganem, vivo no presente. Mas tenho pena de me sentir acuada e, ao invés do impulso de abraçar e ser abraçada, me preocupar em desviar-me das pessoas na rua, abraçando apenas a minha bolsa... Olhar o próximo com desconfiança é a coisa mais anti-natalina que conheço, mas parece ser o novo mandamento. Ouvi dizer que existe uma campanha, que está correndo o mundo, de "Abraços grátis" -- A gente bem que podia fazer isso aqui no Rio, uma maratona de braços e corações abertos, como o Redentor, nossa maravilha.
E agora -- com meus abraços -- o último capítulo!

Capítulo XIX

Você disse que ia mudar o final.

Não pude. A história de Paula e Francesco não podia ser como a nossa. Aquele Francesco não merecia um final feliz. Ele estava traindo a mulher. Não merecia ser feliz.

Mas quem morreu foi a Paula! Ela é que foi castigada pelo erro do outro.

Castigada? Não, ela ficou com a melhor parte: Não teve que lidar com a culpa que ela já tinha começado a sentir. Não envelheceu. Não ficou com Alzheimer. Não foi trocada por outra. Não teve que lavar cueca nem meia suja...

Mas o Francesco não foi castigado...

Você é que pensa. A mulher dele vai presa, ele tem que cuidar dos dois filhos. Precisa parar de escrever poesia e se dedicar a dar aulas particulares, ou seja lá o que for, para complementar a renda. Os meninos crescem, se revoltam. Um enche o corpo todo de piercing, engorda, pára de estudar, se junta a uma turma de arruaceiros, neo-nazistas, ou mussolinistas, seja lá como se chamam na Itália. O outro se vicia, foge de casa, aqueles dramas de filho drogado, que quando aparece é só para arrumar mais dinheiro para as drogas...

Pôxa! Tem piedade do Francesco.

Não tenho não. Ele também engorda. Se casa de novo, desta vez com uma megera que reclama que ele é um fracassado...

Chega! Pobre coitado.

Olha o corporativismo... Mas ele continua um bom poeta. Os livros dele são redescobertos e ele recebe uma homenagem e um convite para participar da FLIP.

Nossa FLIP?

É, mas ele não vem. Está doente, tem diabetes mal cuidado e acaba perdendo uma perna...

Ah, não aguento mais. Chega.

Viu? A Paula escapou disso tudo.

Vem cá. Deixa eu te mostrar o que é que ela perdeu: Perdeu beijos assim. Perdeu abraços, perdeu as mãos do amado percorrendo suas costas, devagar, arrepiando sua pele...

Tudo isso é muito bom, concordo. E ainda perdeu as conversas, sem fim...

E as tardes de cinema, com aqueles emocionantes filmes de ação!

Isso não é grande coisa, melhor são filmes franceses, que fazem a gente pensar...

Ah, não. Isso é garantia de morrer de tédio: como aquele filme que mostra as imagens de uma câmera de vigilância e que os intelectuais acharam a grande maravilha do ano! Se nem os vigilantes aguentam ficar olhando sempre a mesma coisa...

Fábio, pelo amor de Deus! Não diz isso em frente aos nossos amigos, prá não me envergonhar!

Sim, senhora, dona Hipócrita. Pode deixar que vou fazer cara de “pensador”, se falarem no filme perto de mim.

Você está me gozando: o que é que você quer dizer com “cara de pensador”?

Regra número um: o importante não é o que o “autor quer dizer”, mas o sentido que o texto adquire em seu contexto.

Ô, meu amor, não faz isso com sua Mari, não, tá?

Não. Até porque já estou de saída. Maracanã, lá vou eu!

Maracanã? De novo?

É jogo do Botafogo, final. Um clássico! Imagine, Botafogo e Flamengo, e no Maraca! Hoje é um grande dia. As torcidas. Uahhh! As bandeiras, enormes. Os refletores, a fumaça colorida.

Você parece criança!

Por que você não vem comigo?

Detesto futebol.

Jogo no Maracanã não tem nada a ver com futebol. Tem a ver com o público, com o espetáculo de uma paixão compartilhada...

Prefiro ficar lendo meu livrinho...

Eu ia gostar que você fosse comigo.

Ah, não. Ninguém merece. Me poupe.

É pena. Porque eu ia mesmo gostar, se você fosse. Tchau.

Que bobagem. Uma infantilidade, isso. Eu nem gosto de futebol... Que é que eu ia fazer lá? Só se fosse para ficar vendo ele sofrendo com as ameaças de gol. E escutando ele xingar o juiz e o técnico... E para escutar aquele riso gostoso de alegria, quando ele joga a cabeça para trás e se entrega, e depois volta a si, procurando o meu olhar... Ah, não, e eu não vou estar lá para ver os olhos dele brilhando de alegria! Fábio! FÁBIO! Me espera. Eu vou sim! Fábio. Ah, meu amor!

Inda bem que consegui te alcançar!

Thursday, November 29, 2007

Confusões

Não desanimem com a minha imperícia: na novelinha, ou novela, como vocês querem, os personagens de Mariana são Paula e Francesco, mas ela baseou os dois no casal Paolo e Francesca, que estão no "quinto dos infernos", como dizia meu avô, o círculo infernal dos que pecaram por amor, segundo Dante. Se algum dos meus leitores não conhece a história (ela é famosíssima entre os que estudam literatura, pois o livro aparece como "alcoviteiro") aqui vai um resumo: Francesca era filha do príncipe de Rimini ( a Itália estava toda dividida em cidades-estado) que estava em luta com o príncipe da cidade vizinha, Giovanni Malatesta. Eles fazem um tratado de paz e, para selá-lo, combinam o casamento da jovem e linda Francesca com o brutal e velho Giovanni. Só que este tinha um irmão uns 20 anos mais moço, Paolo, que se apaixona pela cunhada e ameniza a existência da infeliz emprestando-lhe livros, que passam a ler juntos. Uma tarde, quando liam sobre a infidelidade de Guinevere e Lancelot, Paolo, tremendo, roubou um beijo de Francesca, que termina sua história dizendo mais ou menos isso: "naquela tarde não lemos mais..." Não leram, digo eu, porque "escreveram" uma linda história, mas foram surpreendidos pelo furioso Giovanni de nome profético, que ficou com sua testa pior do que já estava, com o novo problema. Os amantes foram parar no Inferno de Dante, que os suplicia, segundo alguns com a indissolubilidade de sua relação: ficam juntos pela eternidade. Mariana, minha personagem, separa os amantes que ela criou. Vejam como:

Capítulo XVIII

Paula olhou o amante com tanta intensidade que seus olhos pareceram crescer e transbordar, como um mar em dia de tempestade. Ele ainda não sabia que ela havia tomado aquela decisão. Este era seu último dia juntos. Ela ia partir. Regressar ao seu mundo protegido e tranquilo. Nos poucos dias que compartilharam, eles haviam se amado de todas as maneiras. Ela abandonara todas as reservas e se entregara como uma adolescente. A cidade resplandecia lá fora, com seus pomposos dourados e suas impossíveis volutas, mas os dois se bastavam, e permaneciam no quarto atravancado de móveis exageradamente grandes. Ela havia perdido o pudor que a dominava nos primeiros encontros, e se deixava ficar nua, deitada de bruços sobre a cama de espaldar, os lençóis revoltos formando relevos sobre o colchão que curvava-se, ligeiramente, para dentro. Francesco sentava-se à mesa imprensada entre as duas janelas altas e escrevia, febril, até que ela deixasse seus dedos travessos brincar com os cachos de seus cabelos revoltos e desalinhados, ou passear pela pele sedosa de suas costas, queimadas do sol generoso da região. Quando tinham fome, tomavam um cichetti e l’ombra, algum tipo de refeição ligeira acompanhada por uma taça de vinho, chamada de “sombra” pelo hábito que os gondoleiros tinham de guardar na sombra uma garrafinha de vinho para se refrescarem.

Paula havia desabrochado nas mãos de seu amante. Seu corpo se revelara um instrumento digno de figurar numa grande orquestra, com surpreendentes ressonâncias. Mas a enormidade de sua descoberta a assustava, e ela desejava voltar à tranqüilidade de seus dias dedicados aos livros e à contemplação da vida, protegida por trás de sua redoma. Ela precisava dizer a ele que não estava à sua altura, que não podia ser a musa de um poeta. Ela era uma mulher comum, sem nenhuma grandiosidade. Ela comia, respirava, andava e sofria como as outras, não era mais bela, nem mais alta, nem mais perfeita. Ao contrário. Ela sabia que estava cheia de pequenos defeitos e manias, que tinha hábitos arraigados que lhe custava muito abandonar para adotar uma vida em comum. Além disso, outra coisa a impelia a partir. Francesco era casado. Sua mulher e seus dois filhos deviam chegar no fim de semana, e ela não podia suportar a idéia de separar uma família. Ela não conhecia a outra, mas imaginava os filhos dele, e o que a ausência do pai provocaria.

Era preciso abrir mão de sua pele macia, do cheiro que ela já não sabia se se desprendia do corpo dele ou do seu , do carinho e do aconchego que os braços dele lhe proporcionavam. Ela era uma mulher forte. Adulta. Madura. Ela resistiria. Ela lembraria de seus comentários e de seus versos coloridos como os dias de verão que haviam passado juntos. E usaria o que ele lhe ensinara para poder olhar os desenhos das nuvens e os espaços vazios entre os quadros dos museus.

Ela levantou da cama, silenciosamente, e começou a se vestir com gestos lentos. Francesco continuava escrevendo, absorto. Um sorriso flutuava em seu rosto, um sorriso resignado e angélico, como os que perpassavam os lábios dos santos mártires nos quadros clássicos. Ela ia para o martírio de amor. Renunciaria a ele para tê-lo para sempre em um sacrário.

As batidas na porta foram suaves, quase não se fizeram ouvir. Ela não as teria escutado, se não estivesse tão junto às espessas madeiras trabalhadas da porta, já em seu caminho para fora da vida de Francesco. Atravessando a bolsa nos ombros, deixou sobre a cama o papel onde explicava sua partida. Tratava-se de uma carta confusa, cheia de repetições e argumentos que não se sustentavam logicamente. Ela deu um último passo para trás, olhando-o com tanta intensidade que se admirava que seus olhos não deixassem marcas pelos locais que percorria. Voltou-se, e abriu a porta. Paula chegou a ver o clarão que iluminou um rosto retorcido de angústia. Não escutou os ruídos que se seguiram, os gritos, o eco, o baque do corpo caindo. Só sentiu o turbilhão. Depois, o nada.

Wednesday, November 28, 2007

Um carro, uma estante

Quando adotei o André como irmão, foi meio que por impulso, a gente ainda nem se conhecia, mas ouvi a voz dele e minha intuição já me avisou, como um jingle: "esse cara é bom". O tempo foi confirmando as coisas boas, e cimentando nossa irmandade. Mas esse post dele tem que ser copiado e repetido, como um mantra, confiram: http://aleones.wordpress.com/2007/11/20/um-carro-na-estante/

E, agora, mais um capítulo, quase final.

Capítulo XVII

Até que enfim parou de chover! Estava doida para dar uma voltinha. Me despedir da cidade. Estou com pena de você, que não viu nada...

Vi muita coisa. Passeei por aqui por essas ruas escondidas. Visitei todas as lojinhas...

Vamos tomar um vaporeto e ir para o Lido?

Não, vamos ficar aqui mesmo, fazer um passeio de gôndola.

Claro! Você não andou de gôndola, isso é imperdível. E, depois, vou te levar para tomar um sorvete! Ai, são tão bons! É difícil escolher qual o melhor sabor. E um espresso duplo, uma delícia.

Você está tão animada!

Estou contente. Perdi um quilo e meio! Bendita gripe. Quer parar de me filmar?

Não é você. É a cidade. Olha que escadaria maravilhosa. Parece a torre de Pisa.

É o Palazzo Contarini del Bovolo. Vamos dar mais uma andadinha, para você ver como o la Fenice ficou lindo. Olha lá.

Nossa, ele é muito pequeno. Pela fama achei que fosse muito maior.

Não, esse teatro pertencia a uma família, que o construiu em 1792. Não é chique? Um teatro particular? Depois , não lembro quando, passou a ser da cidade, acho que foi depois do primeiro incendio, em 1836. Não deve ter sido antes, porque Rossini e Verdi estrearam algumas de suas óperas aqui. Sabia que os italianos, durante a ocupação austríaca, protestavam aqui no teatro? Jogavam flores brancas verdes e vermelhas no palco, da cor da bandeira italiana, e gritavam Viva, Verdi!

E isso é protesto?

É que v-e-r-d-i são as iniciais de Vittorio Emanuele, Re d’ Italia. Espertinhos, não?

Olha, o que é isso? Fila para gôndola?

Ih, o dia inteiro é assim. Mas anda rápido. Logo, logo chega a nossa vez. Porque você não aproveita para filmar a praça de San Marco, enquanto eu fico aqui na fila?

Prefiro ficar a seu lado. Vou filmar o vai e vem das gôndolas. Olha que lindo. Repara na perícia que esses remadores têm. E olha como fica lindo o grupo de embarcações junto a todos esses mastros coloridos. É uma loucura, são centenas de gôndolas.

É que aqui é uma espécie de ponto final delas. São poucos os lugares onde se pode pegar uma gôndola. Eu só conheço aqui no Molo, e lá perto da ponte de Rialto. Mas lá ainda é mais movimentado, porque todo mundo anda por lá, para fazer compras. Nunca pensei que uma ponte conseguisse sustentar tantas lojas. E são altas, alguma têm uns dois ou três andares. E tudo em cima da ponte, dá até medo.

Agora é nossa vez.

Viu como foi rápido? Cuidado. Ai, eu morro de medo. Está balançando muito.

Não se preocupe. Você está segura. Viu? Eu não deixo você cair.

É melhor eu sentar ali do outro lado.

Não, senta aqui mesmo, do meu lado. E abotoa esse casaco, não vá apanhar uma recaída. Põe o lenço aqui, no pescoço.

Não, Fábio. Não é preciso. E vira essa câmera para lá. Estou ficando irritada com isso.

Sabe que o seu documentário vai mostrar a escritora mais ranzinza de todo o Brasil?

Eu reclamo muito?

Só um pouquinho.

Eu devo ser muito chata. Não admira que eu esteja sozinha.

Você não está sozinha, está comigo.

É diferente. Somos amigos. Eu estava falando de uma coisa mais intensa...

Intensa como? Assim?

Fábio! Você me beijou!

Beijei. E de língua!

Mas, você não entende...

Quem não entende nada é você! Será que eu preciso colocar um cartaz no meio da rua? Será que tenho que mandar publicar no jornal? Eu sempre fui apaixonado por você. Mas esta é sua última chance!

Fábio, isso é um erro.

O que é que é um erro? Este beijo? Ou este? Ou este aqui?

Fábio, você está se aproveitando de mim... Estou carente... Ah, Fábio, assim, vai. Oh. Você beija tão bem. Ai, pára, está todo mundo olhando. E a câmera? Esta ligada? Desliga, isso vai.

Você só tem um defeito.

Qual?

Fala demais. E a câmera está desligada.

Monday, November 26, 2007

Feliz Aniversário

U.C.B., meu querido sogro, faria aniversário hoje. O "patinho", meu primeiro carrinho, amarelinho, foi comprado num dia 27 de novembro. Signo de Sagitário, que mira as estrelas, sonhador. Gosto desse dia. Acho que hoje vai ser um dia de bons fluidos, de boas acontecências...
Vamos novelar. Já está quase acabando.

Capítulo XVI

Acorda, Mari!

Que foi?

Você está tendo um pesadelo...

É horrível!

Está tudo bem, fica calma. Não chore.

Estou com muita dor de cabeça...

Sua febre voltou. Acho que vou te levar para o hospital. O porteiro da noite me disse que tem um aqui perto.

Não me deixa. Fica aqui comigo.

Estou aqui do seu lado.

Me abraça.

Ah, Mariana...

Por que você vai embora?

Não vou embora. Estou aqui com você, para sempre.

Não me deixe.

Não chora. Calma, calma. Acho que você está delirando. Deixa eu ver a sua febre... Cuidado! Assim você quebra o termômetro. Mariana! Meu Deus! Acorda, Mari. Acorda!

Fábio.

Que susto você me deu. Deixa eu me vestir, vou te levar para o hospital.

Não, não quero. Estou bem.

Você está com febre de novo.

Me dá o remédio. Está na hora.

Estou preocupado, é melhor eu te levar para o hospital.

Bobagem. Homem é tão assustado. Não é nada.

Você estava delirando, e até desmaiou.

Delirando? O que foi que eu disse?

Sei lá, não prestei atenção.

Falei da gente?

Não entendi direito.

Mas, era da gente?

Acho que não, era um pesadelo, você não queria que eu fosse embora.

Que dia é hoje?

Porque?

Já está na hora de voltar para o Brasil?

Você não pode viajar dessa maneira!

E o livro?

Você já terminou, não lembra?

Terminei?

Terminou. Você separou o Francesco e a Paula.

Você já leu a Divina Comédia?

Li.

Não viu que Paolo e Francesca estavam juntos no Inferno, e que esse era o castigo deles? Juntos para sempre. O amor acaba e eles, literalmente, se danam. Eu me baseei na Divina Comédia para escrever a história. Os amantes que se juntam por causa de um livro, o amor que eles não conseguem resistir... Só que fiquei com pena, e dei outra chance a eles.

Não, você não entendeu nada! As palavras de Francesca são mais ou menos isso: não há maior dor do que recordar o tempo feliz na tristeza. Lembre-se que Dante era um moralista. Ele não está punindo o amor dos dois: ele está punindo o adultério que eles cometeram. E eles estão juntos para recordar o tempo feliz... O amor deles não acaba, o problema é que eles têm a consciência culpada por terem cometido adultério.

Não existe amor para sempre...

Existe!

Os próprios cientistas falam que não. A paixão tem curta duração...

Não confunda paixão com amor. Paixão é coisa infeliz, é sofrimento. Amor é outra coisa.

Eu não sei o que é amor.

Amor não é para se saber. Se a gente mete o intelecto no meio, estraga. Olha a lenda de Eros e Psichê. Se a Alma humana resolve “conhecer” o Amor, ele desaparece. Amor é para sentir, no escuro, sem noção de outra coisa que não seja o sentimento. Amor exige entrega, confiança.

Eu queria tanto amar! Queria me apaixonar, mas não consigo! Nem escrevendo eu consigo. Estou farta de viver assim, sozinha, solitária. Eu queria alguém. Eu preciso de alguém que me queira, que tenha prazer de estar comigo, que me escute...

E você não tem? Eu te escuto. Eu adoro estar com você...

É diferente. Você é meu amigo.

Sou tão repulsivo assim?

Repulsivo? Você não é nada repulsivo! Você é atraente, bonito, charmoso, inteligente, sexy.

Tudo isso? Se eu sou tudo isso porque você nunca ...

Prá não estragar nossa amizade. A gente ia perder essa intimidade, essa liberdade que nos une!

Então você já me olhou com outros olhos?

E você?

Homem é diferente.

Sabe que eu detesto essas suas recaídas machistas? Diferente por que? Homem e mulher são absolutamente iguais!

Não são não, graças a Deus! Essa história de viver num mundo de iguais é a coisa mais autoritária que conheço. Mulher e homem são diferentes, e é preciso respeitar as diferenças uns dos outros. O bom é isso, o não igual, o nosso esforço para chegar no Outro. Poder olhar e não ver um espelho, entende?

Sabe que eu nunca entendi por que é que a Vera te deixou?

É porque nos dois nunca estivemos juntos, realmente. Nunca fui capaz de ter uma conversa com ela. A gente não se falava...

Mas você adora conversar! E ela também.

É, mas a coisa não fluía entre nós. Ela estava sempre ocupada. E me cobrava. Queria que eu fosse mais ambicioso, que eu parasse de dar aulas para ir ser assessor daquele meu tio, que era deputado, lembra?

Se você tivesse ido trabalhar com ele, teria uma grana preta, agora.

E daí?

E ainda estaria casado com a Vera.

E quem disse que eu gostaria de estar casado com a Vera? Só lamento é pela Clarinha. Ela está crescendo longe de mim. É uma pena.

Você está sempre com ela, Fábio! Todo fim de semana, nas férias, todos os dias vocês se falam.

Mas é diferente, assim. A gente nunca vai ter lembranças, assim tipo, de família, entende?

Não, nem quero pensar muito nisso. Não tive filhos, e o tempo passou, e agora acho que já não dá mais, já está muito tarde. Às vezes fico pensando que eu devia ter feito uma inseminação...

Taí, por que não fez?

Por que não queria ter filho com um estranho. Um doador anônimo. Ui, chego até a ficar arrepiada.

E por que não pediu a um amigo?

Isso lá é coisa que se peça? Imagine eu chegando prá você e pedindo alguns decilitros de sêmen.

Decilitros? Você pensa que é assim? Centilitros ainda vai. Mas o negócio é mais para mililitros... Assim, tipo uma colher de sopa.

É mesmo. É que não sou boa nessa coisa de medidas. Nossa! As pessoas iam ter que fazer amor na banheira!

Deixa eu ver a febre.

Já baixou. Estou me sentindo bem melhor. Você é um ótimo enfermeiro.

Você é que é uma ótima paciente.

Conferências

Já fui a diversas conferências pela vida afora, e, apesar de meu interesse, da qualidade dos conferencistas, dos temas abordados, acho que não guardei nada do que escutei. Fico tão embalada olhando as pessoas, vendo seus trejeitos, avaliando seu à vontade frente ao público, olhando a mobília, as estátuas, todas as coisas periféricas, que a substância das palavras me escapa. Claro que na hora eu percebo, entendo, concordo ou discordo. O que me falta é a memória do conteúdo, depois. Para reter algo, preciso escrever sobre aquilo que ouvi. Se não, vou me lembrar dos óculos do Saramago, do cavanhaque do Eco, das mãos pequeninas do Manguel, mas não de suas palavras e de seus pensamentos. Isso não acontece, porém, quando vou a um concerto. Não me lembro dos maestros nem dos músicos, mas me lembro da música, não das notas em si, mas da experiência da beleza que senti. Já não sei mais o que a Filarmônica de Berlim tocou aqui no Municipal quando a escutei. Mas lembro que, naquela noite, entendi porque as duquesas largavam palácios e jóias, maridos e filhos e iam atrás de um Beethoven, ou de um Liszt, ou de um Chopin -- como não existiam os meios de reprodução do som, para escutar de novo essas maravilhas, só seguindo-os.
E, agora, o momento mais esperado do dia: a continuação da novela! Boa leitura, a todos.

Capítulo XV

Está tão escuro, que horas são?

Quatro.

E já está assim escuro?

Quatro da manhã.

Eu dormi tanto assim?

Deixa eu ver a sua febre.

Estou tão suada. Preciso de um banho. Você não foi dormir?

Estava preocupado com você. A febre não baixava. Agora baixou. Você só está com 38.

E o que você ficou fazendo aqui?

Li o manuscrito. Está muito bom.

Gostou do final?

Vou preparar seu banho.

Não gostou.

Gostei. É que não esperava que eles acabassem assim. Vem, deixa eu te ajudar a levantar.

Eu levanto sozinha.

Olha aí! Cuidado. Quase caiu, viu? Essa tua gripe é muito violenta, e você está sem comer... Põe o chinelo, não anda descalça no chão frio.

Deixa. Agora aqui eu fico sozinha. Eu me seguro. Sai, vai.

Mas deixa a porta do banheiro entreaberta.

Que idéia! Deixo destrancada, mas entreaberta não.

Está com medo?

Não estou ouvindo.

Não posso falar mais alto, são quatro da manhã!

Não escuto nada.

Deixa, não tem importância. Enquanto isso eu vou ajeitando as coisas aqui no quarto.

O quê?

Estou fazendo tua cama.

Fábio?

Já terminou?

Sabe que você é o melhor amigo que eu tenho?

E você a minha. Vem, deita aqui.

Não, vou pegar roupa limpa, minha camisola está muito suada, e eu não vou ficar de roupão de banho.

Deixa que eu pego. Tá na gaveta? Eu pego.

Não, não mexe aí. Fico com vergonha de você ver minha roupa de baixo.

Por quê? Que é que tem? Mulher tem cada frescura! Não mostra isso, não mostra aquilo, mas vão prá praia de fio dental.

Eu não uso fio dental.

E isso aqui?

Fábio! Que droga! Eu não disse prá você não mexer na minha gaveta?

Sinceramente, prá que é que vocês mulheres se dão ao trabalho de vestir uma calcinha dessas? Não vêem que não cobre nada? Isso não protege nenhuma das partes importantes.

Esse tipo de calcinha é para ocasiões especiais... Ah, estou tão mole! Nem consigo levantar o braço para pentear meus cabelos.

Deixa que eu penteio. Sempre tive vontade de pentear os teus cabelos.

Já notei. Você sempre arruma um pretexto para mexer neles. “Está no seu olho, tem uma coisinha aqui presa, acho que vi um fio branco”...

É que seus cabelos são lindos. Tão pretos. Os cabelos de Iracema deviam ser assim, pretos como a asa da graúna...

Os meus são pretos como a caixinha de tintura.

Olha o seu pêssego. Quer comer agora?

Ah, está uma delícia. Não sabia que eu estava com tanta fome!

Come mais um.

Não. Só quero água. Estou morrendo de sede. Olha só como a minha boca está ressecada.

Vem, deixa eu te ajudar a deitar.

O dia está amanhecendo...

Está frio, lá fora.

É a umidade. Aqui chove tanto. Estou com saudade do sol... De ficar na praia, te vendo jogar vôlei...

Você sempre debaixo da barraca... Não vai nem na água!

Não gosto de água fria!

Não quer a coberta?

Agora estou com calor. Acho que vou dormir mais um pouquinho.

Antes me diz uma coisa: por que é que tua história acaba assim?

Por que eu não acredito em amor! Quando a gente baixa a guarda, vapt, lá vem o golpe!

Como é que você pode ser assim?