Sunday, December 11, 2011

No meio do caminho

Ao contrário do que seria de se esperar, conhecendo-se minhas preferências literárias, não estou citando Drummond, e sim a crônica da Marta Medeiros de hoje. Acho que nem sequer estou citando corretamente, pois ela falava do meio da vida, avisando-nos de que, fossem quais fossem as perdas, a morte só ocorre no final. A Marta é sempre positiva, e não admira que tenha uma legião de admiradores. Meus amigos acham que sou assim, sempre para cima, sempre alegre… Mas aí lêem o que escrevo e ficam assustados. Eu mesma, às vezes, me assusto! Já estou no terceiro conto de Natal, e cada um saiu mais triste que o outro. Logo eu, que sofro da síndrome do Coringa, e estou sempre com um sorriso no rosto! Que histórias são essas?! Não sei, eu também me pergunto. Vai ver que sofro de dupla personalidade.
Já ouvi vários comentários diferentes e interessantes sobre Anunciação, meu conto na Bravo de dezembro. Uma amiga falou em viuvez, outras em esquizofrenia, outras em aborto. Já levantaram discussões sobre religião, sobre TOC, sobre caminhadas matinais e falta de potássio. Já falaram em ritmo, em imagens, em cortes cinematográficos. No entanto, numa coisa, todas, sem exceção, concordaram: é um conto muito triste. Acho que sou uma pessoa envergonhada de ser triste. Mas, na hora de escrever, me revelo. E, no entanto, essa tristeza que é minha, não me identifica. Mistérios da escrita: nada nos revela mais, nada nos esconde mais. Se me procuram no que escrevo, não estou lá. Mas nunca sou tão verdadeira como quando escrevo. E aí? Como solucionar esse mistério?
Outra coisa no meio do caminho de hoje são as sombras na foto do calçadão. Que maravilha de foto! Proustiana, eu diria. Cada pessoa, pequena em seu instante, projeta uma sombra longa, definida e expressiva. Somos esses mistérios, seres de vida ambivalente, pertencemos ao tempo e ao espaço. O que somos no presente não pode nos definir completamente pois também somos o que já deixamos de ser, e o que ainda não fomos. E essas miragens são mais definidas, embora impalpáveis, precárias. Basta uma nuvem para que tudo se desfaça… Parabéns ao Chico Lima, autor da foto.
Durante um tempo, essa que já não sou quis se assinar Lucia Lima. Na verdade, lucia lima, pois tinha lido e.e.cummings e estava encantada pela possibilidade das minúsculas. Nesta época tinha uma letrinha redonda e desenhada, o nome ficava simpático, com as letras bem juntinhas. Mas, depois, conheci o Guilherme e me apaixonei. E adotei o Bettencourt como minha identidade. Sempre assumi este nome como de origem francesa. Agora, nesta viagem, minha companheira de excursão, Gisela, da Bavária, me perguntou por que meu nome era alemão. Admirei-me, mas é uma possibilidade, e faz mais sentido do que em francês, idioma que exigiria adaptações para a tradução do nome. Bet, betten, court, tudo faz sentido em alemão, ela me garantiu. E assim, no meio do caminho, descubro que sou outra, diferente da que eu pensava. Vejam as sombras que projetamos, e que precisam ser lidas e esclarecidas para nós mesmos. Encontrar surpresas, reinventar-se no meio do caminho, dividir-se ou multiplicar-se. Seres em processo, sempre em alteração, até que, de repente, tudo se cristalize numa imagem que aos poucos vai se esfumando…

1 comment:

Vera Helena said...

É preciso um bocado de tristeza, já dizia o poeta. Concordo. Gosto do melancólico na sua escrita, e, pode parecer paradoxal, mas seu senso de humor nasce daí (sim porque sempre te identifiquei pelo senso de humor). Um exemplo neste texto mesmo: "uma amiga falou em viuvez, outras em esquizofrenia, outras em aborto. Já levantaram discussões sobre religião, sobre TOC, sobre caminhadas matinais e FALTA DE POTÀSSIO." é fantástico! A propósito, belo texto!