Abro o jornal e vejo a foto do Steve Jobs. Morto. O mundo ficou um pouco mais pobre sem ele. Queria saber o porquê dessa sensação de luto que me invadiu com a notícia. Meu contato com ele é só através deste meu Mac, do meu iPhone, meus brinquedinhos de menina grande. E uma grande torcida para que ele se recuperasse, para que ele sobrevivesse a essa doença odiosa, que me parece ter inteligência própria e zombar de nossos canhestros e agressivos meios de combatê-la. Perdida esta batalha, meus olhos se entristecem e procuram fugir dessa tristeza. Viro a página e outro assombro me assusta: o casamento da duquesa. Existiria um rosto por trás daquela máscara?
Proust, meu querido autor, é chamado por alguns de "especialista em duquesas". Na verdade, elas foram as top models da época, com seu charme, suas jóias, seus salões iluminando as noites da Belle Époque. E, foi a partir de beldades como as que conheceu nos salões que o autor frequentou que o narrador criou sua fascinante e impertinente duquesa de Guermantes, que reinou até sobre as princesas de sangue real. Se ele estivesse vivo, sem dúvida estaria acompanhando as marchas e contramarchas deste casamento da duquesa de Alba. Só o nome já me transporta: espero logo ver um quadro de Goya, com suas cores quentes, com as jóias que enfeitam e aprisionam seus retratados. Nada me prepara para o que vejo: uma face em papier-mâché, moldada por uma criança sem capricho para uma festa de dia das Bruxas. No entanto, minhas leituras de Proust deveriam ter me preparado para essa visão: o baile final a que o narrador comparece revela exatamente a mesma coisa desta foto: pessoas que, somente sabendo viver das aparências e dos valores externos, envelhecem como caricaturas de si mesmas. Incapazes de aceitar a passagem do tempo, de incorporar as mudanças de valores, elas continuam se comportando como há vinte, trinta, cinquenta anos atrás. E dançam flamenco em suas festas de casamento, ou fazem trejeitos considerados charmosos no século passado, ou se enganam com amores tão naturais como flores de plástico.
Resolvo vir escrever, deixar que essa minha incredulidade se escoe e que esses sonhos ruins se afastem. E penso no barbante da Cora: o barbante com que aprendi a fazer tapetes de crochê, que fizeram xales e bolsas, tantos trabalhos manuais ensinados pela minha avó. E no papel de pão, sem cor e sem graça, trazendo o pão nosso de cada dia, frente ao papel cor de rosa, com barbantinho colorido que trazia para nossa casa delícias compradas na cidade pelo vovô. Rissoles, coxinhas, empadinhas que tanto amei e para as quais hoje torço o nariz, achando tudo muito grosseiro, muito engordurado… Eu, que me habituei a comer sushi e ceviche, que peço grelhados e elogio o pobre chuchu, já me horrorizei com a possibilidade de ter de comer peixe cru e bifes sem molho.
Recordar é viver? Ligar os pontos do passado para ver o sentido da presente, seria esta a receita? Ou será melhor, como a duquesa, viver num eterno presente, esquecer o próprio rosto e aprender a se reinventar?
Não há fórmulas, eu sei. Um pouco de cada coisa, talvez seja o melhor, para que a morte não nos pegue de surpresa no meio da festa.
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