Bem, agora vamos a mais um emocionante capítulo de minha novelinha efervescente. E, com sorte, consigo mais uma foto de Veneza.
Capítulo VII
Caminhava apressada pela praça. Não tinha razão para se apressar, mas ela não sabia como se comportar de outra maneira. Precisava acreditar que seu tempo era precioso, que não podia desperdiçá-lo em caminhadas lentas e sem propósito. Mesmo de férias ela planejava o dia de maneira a não perder tempo, dividindo-o em fatias racionais, preenchidas por atividades. Naquela manhã tinha planejado uma visita à basilica de São Marcos. Fizera o seu dever de casa. Sabia que esta era a terceira igreja a ser construída no local. A primeira, de 832, construída pelos mercadores venezianos que haviam roubado as relíquias de São Marcos da cidade de Alexandria, tinha sido destruída pelo fogo. A segunda dera lugar, no século XI, à nova Basílica, tão grandiosa que exigia várias visitas antes de esgotar seus tesouros.
Tinha planejado chegar na Igreja às onze e meia da manhã, para poder observar os mosaicos em toda sua glória. Nessa hora, quando a igreja está totalmente iluminada, o esplendor dos desenhos dourados se desvela ante os olhos maravilhados de quem não sabe se olha para os tetos, as paredes, ou o próprio chão. Procurou com os olhos o losango, em frente à entrada principal, onde o imperador Barba Ruiva se viu obrigado a fazer um tratado de paz com o Papa Alexandre III. Andou para lá, sem perceber que o homem magro e alto de olhos fixos no teto, dava passos para trás que o levariam ao mesmo lugar para onde ela caminhava. Seu encontro parecia inevitável, mas a entrada de um grupo de turistas alemães, caminhando com passos pesados e cadenciados tirou o homem de seu embevecido contemplar, e o fez mudar a direção. Ele atravessou o pórtico, a passos largos, mas sem pressa. Ela desafiou os corpos maciços, tentou se posicionar sobre o losango e fazer as pazes consigo mesma, mas a guia parecia determinada a expulsá-la dali, a fim de mostrar o lugar a seus conterrâneos, e ela capitulou, cedendo o lugar, e afastando-se fustigada pelos sons guturais que se amenizavam com os efeitos do eco.
Optou por subir os precários degraus que levam ao museu da Basílica. Lá de cima, do balcão onde, no passado, os doges assistiam as cerimônias festivas na praça, ela poderia ver de perto as réplicas dos cavalos de bronze que enfeitam a fachada da igreja. Os originais, que haviam sido roubados do hipódromo de Constantinopla, já não ficam mais expostos ao tempo, e são exibidos numa sala ao fundo do museu. Da galeria, a vista que se podia descortinar do interior da basílica era impressionante, e ela se deixou ficar ali por instantes, quando percebeu a cabeleira negra e revolta que parecia flutuar sobre o chão desenhado da igreja. Aquele vulto masculino parecia a materialização de seus devaneios, e ela, com a respiração suspensa, atravessou outra vez o espaço e foi para o balcão, tentando descobrir para onde ele se dirigia. O homem saiu da Igreja e parou, parecendo ofuscado pelo sol a pino. Depois seguiu em frente, olhando por sobre o ombro esquerdo para o Campanile e para as longas filas de turistas que aguardavam para subir no elevador.
Sem pensar no que fazia, ela desistiu de ver os cavalos de bronze originais e desceu as escadas, na esperança de descobrir para onde ele seguia. Chegou na praça um tanto sem fôlego, segurando com a mão úmida a alça da grande bolsa que carregava atravessada nos ombros. Procurou a cabeleira escura, mas não conseguiu distingui-la no mar de pessoas que tomavam a praça. Percebeu que o local em que se encontrava parada era o mesmo onde, há muitos anos atrás, tirara uma fotografia com os braços e ombros recobertos de pombos. Notou, então, que eles haviam desertado a praça. Seguramente os venezianos haviam descoberto algum meio de afastar as aves dali.
Ela esqueceu a urgência que sempre a acompanhava e se deixou ficar ali, imersa numa sensação de perda. Queria os pombos de volta, com seus arrulhos e seu incessante bater de asas. Neste instante, os mouros tomaram vida e, cansados, bateram o sino, avisando que era uma hora.
4 comments:
Oi Lucia!!
Voce escreveu as 10.45 de domingo e eu leio as 00.27 de segunda feira.
Nada mal, pois esta muito legal sua novela,ah! pare de dizer novelinha ta muito boa mesmo.
Fico feliz que seu piano vai soltar a voz outra vez, ja era hora mesmo. Não acha?
Ah! lembrei, li em La Paz o seu Blog de aniversario e por coincidencia, fez aniversário que nos conhecemos, lembra?
Parabéns para nos dois. Eu mereço mais, pois tive a sorte de conhecer voce.
Forte Abraço minha amiga e muito sucesso. Ainda vou escutar seu piano. eheheh!
Ops! Lembre, é Amauri com "i" ou o com "y" é outro?
Lúcia,
estou seguindo seu romance com tanto interesse...Já que você e um outro leitor colocaram o horário, coloco também a hora em que acabei a leitura: 8:50 de segunda feira (dia 19, dia da Bandeira).
As imagens casam com o texto. Mas meu palpite é que os possíveis enamorados não vão se encontrar. A não ser que...
Uma vez, lendo uma história em quadrinhos do Corto Maltese (já ouviu falar?), soube que em Veneza, no velho ghetto judeu, há uma porta que, se atravessada na hora certa, é um portal que nos leva a viajar no tempo.
Em uma das tardes daquele Carnaval, fui ao bairro judeu (imagine que virou "trendy" frequentar os restaurantes kosher daquela área) e comecei a procurar pela porta. Quase desistindo, entrei em uma lojinha que vendia artigos religiosos judaicos (aqueles candelabros, barrinhas para o batente da porta etc.) e perguntei ao vendedor pela porta. Com os olhos arregalados ele respondeu: os portões do ghetto foram destruídos quando Napoleão entrou em Veneza.
Uau. Mil beijos da Eugenia.
Mana,
Pára mesmo de dizer "novelinha" ou coisa parecida! A novela está muito boa, deliciosa. Estou relendo com grande interesse.
Beijos do
Dré.
que bom que fomos juntas a esta maravilha...muitas outras noites destas virão... agora deixa eu ler a novela, pois não posso perder nenhum capítulo, aliás a única que acompanho.bjs minha amiga
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