Thursday, November 15, 2007

Feriado de mim mesma

Hoje passei um dia assim, meio que anestesiada. Esses dias de chuva, muito nublados, me deixam meio deprimida. Mas hoje não foi dos piores dias, só que não produzi nada do que contava fazer. Só mudei tapetes de lugar, assisti filmes na TV, com preguiça de enfrentar a chuva e ir ao cinema. Não li, não escrevi, não telefonei...
Mas aqui estou eu, colocando mais um capítulo de minha historinha de amor...

Capítulo IV

Teria sido preciso atravessar a minúscula ponte para poder encontrá-lo, mas ela estava cansada, e os degraus a desanimaram. Procurou com o olhar um lugar onde pudesse se sentar. Atrás de si, uma minúscula pracinha exibia uma fonte, que murmurava sempre o mesmo segredo. Ela pensou em sentar-se ali, com os pés mergulhados na água fria e buliçosa, mas lembrou-se de ter lido, em algum lugar, que as fontes eram protegidas por uma legislação muito rigorosa. Aquela cidade, nascida das águas, poderia ilustrar o suplício de Tântalo: rodeada de água por todos os lados, sofria de escassez de água potável.

Pensou em como Veneza era cheia de ironias como essa. Tinha sido fundada para evitar a vinda de invasores, e hoje suportava hordas de turistas que a invadiam diariamente, sem piedade, e ocupavam seus cafés, seus teatros, seus museus, além de agitarem as águas de seus canais com seu incessante ir e vir. Outra ironia era que a cidade, que tinha ficado famosa pela biografia de Casanova e por seus licenciosos Carnavais, tinha sido o berço de vários Papas.

Divisou um pedaço de mureta plano o bastante para poder servir de assento e ali se acomodou. Descarregou no chão, ao seu lado, a bolsa pesada, e abriu as páginas muito manuseadas de seu guia, para se decidir sobre seu próximo destino.

Alheia aos passantes, não reparou no homem alto e moreno, com os cabelos mal cortados que se rebelavam contra a brisa que começava a soprar. Quase todas as pontes em Veneza são arqueadas, algumas são pequeninas escadarias que sobem e descem, exigindo um constante exercício. Com esse formato peculiar, as pessoas parecem sair do solo, num nascimento para o alto: primeiro os cabelos, depois o rosto e os ombros, braços e troncos, e, finalmente, as pernas e os pés, em constante movimento. No topo da ponte, ele hesitou por um momento, antes de dar meia volta e começar a desaparecer aos poucos: primeiro os pés e as pernas, em seguida o dorso, e finalmente a cabeleira, negra, onde se destacavam os primeiros fios prateados.

Ela terminou a leitura e olhou na direção da ponte, com um suspiro. Pensava em como lhe seria agradável encontrar alguém interessante, com quem simpatizasse, e que lhe servisse de companhia nos dias que tinha para explorar a cidade. Em seu devaneio pensou que preferiria alguém do sexo masculino, que falasse uma das línguas em que ela podia se comunicar. Foi compondo, sonhadora, uma figura forte, de um homem magro e alto, pernas compridas, quadris estreitos, de aparência um tanto ou quanto descuidada, e olhos sonhadores.

O som dos sinos na igreja próxima a sobressaltou. Logo os vários campanários ecoavam as mesmas horas, avisando-a de que era tempo de se apressar, para não perder a performance em que músicos, vestidos com roupas do século XVII, tocariam um Concerto Barroco para turistas calçados de hediondos sapatos confortáveis e coloridos, carregados de mochilas, com o pensamento na hora do jantar que se aproximava.

Guardou o guia depois de uma última olhada no mapa, atravessou a bolsa nos ombros e recomeçou a caminhada. Finalmente atravessou a ponte, mas, do outro lado, só a aguardavam as margens vazias do canal.

1 comment:

Anonymous said...

Querida,
li os capítulos da sua história de amor. Nunca toparia essa de escrever uma dessas, nem impressa nem expressa.
Amor...um dia mostro para você minhas fotos do Carnaval de Veneza.
Foi em 1993; de máscara, de sexta de Carnaval, à noite, em um baile estilo Il Gattopardo (o século XIX em toda sua glória) até terça-feira gorda (em um passeio de gondola à meio noite, depois do night cup no Daniele).
Quando, na quarta, fui à missa receber as cinzas - Igreja de São Pantaleão -, me sentia nua sem a máscara no rosto.
As roupas eram "affitatas", mas valorizadas por toques importantes.
No baile do Gattopardo, por exemplo, as duas camélias no cabelo e a terceira do decote, custaram 100 dólares. Camélias, no inverno de Veneza, você pode imaginar...
Teve pic-nic em gôndolas, outro baile no palácio em que Byron se hospedou durante sua longa estada em Veneza (eu estava de Carmen, quase me ajoelhando para lamber o chão quando desembarcamos da lancha), uma serata no La Fenice (optei por uma discreta colombina tutta en nero). Rodeada por hussardos, imperatrizes, Madames et Messieurs (era um grupo de franceses, alguns morando em Monte Carlo).
De recordação guardei os convites,a capa de veludo preto que me abrigava no frio, e a filha que nasceu 9 meses depois.
Para me recordar que tudo não foi "just a figment of my imagination".
Se eu escrevesse, ninguém iria acreditar mesmo!
Beijos da Eugenia.