Depois de tantos dias de sol, uma ameaça de dilúvio. A luz prateada, não muito intensa, os barulhinhos confortantes da chuva, quando se está abrigado, são um convite irresistível à leitura e a escrita.
Pouco a pouco vou me desemaranhando do mar de pequeninas tragédias que me acometeram -- carro quebrado, armário tomado por cupins, computador silente e emburrado--, e vou mergulhando na montanha dos livros e leituras que tenho para fazer. Um dos textos mais instigantes foi o que me foi dado pela Rachel. Ela, além de grande escritora, parece ter sido abençoada com o mais perfeito timing que se pode alcançar. Seus textos parecem que vêm preencher lacunas, responder a perguntas não formuladas. Estou com um conto chamado Estrela de Belém, que ela recuperou através do perfeito leitor e amigo. É um texto que revela um encanto juvenil com a vida, compromissado com sua capacidade de maravilhamento com as coisas mais corriqueiras. O conto não se passa no Natal, não tem nada de religioso, mas é um conto de esperança, de recomeço -- e nós, nestes nossos dias de Obama, estamos todos aptos a absorver estas aragens, a nos deixarmos amolecer de tanta fé na capacidade de regeneração humana.
Temos sobrevivido graças à esperança, não acham? E agora, esse belo jovem, alto e ereto como uma lança, cheio de boas intenções, com uma sólida formação acadêmica e uma família que parece ser verdadeiramente amada, vem com discursos que revelam um lado adorável de ingenuidade, de crença nas boas tradições, de recuperacão de valores humanos e éticos, que abandonem,ao menos por um tempo, toda a ganância, o egoísmo, o meuprimeirismo que andam nos assolando. Chegamos a acreditar que será possível mudar. Ele mesmo já mudou imperceptivelmente seu discurso -- Não mais yes, we can -indicador de possibilidade, para yes, we will - indicador de compromisso e ação.
Inclusão, pés no chão, rostos alegres e entusiasmo para o trabalho. A festa que presenciamos, não só em Washington, mas pelo mundo afora nos anima. Talvez o século XXI esteja, finalmente, começando, e comece, diferentemente do XX, não com guerras, mas com a paz. Que este seja o século que todos esperávamos: reinventando a civilização baseada no conhecimento e no amor ao próximo, em que todos tenham valor igual. Oferecendo, ao invés de tomar. Construindo juntos, ao invés de destruir. Pondo ordem em nossa casa, cuidando dos recursos naturais, alimentando filhos, contando nossas histórias uns aos outros, aceitando e admirando as diferenças...
Para terminar, uma palavrinha a respeito das roupas de Mrs. Obama -- teremos chegado ao fim das ilusões de super estrelas? Pois os trajes escolhidos por Michelle não foram nada especiais -- foram roupas de realidade, que passam uma mensagem ao povo dizendo -- a gente não vale pelo invólucro, não é o papel que faz o presente. Eu não me visto para ofuscar, estou aqui como alguém que vai a uma festa importante, mas que não empenha as jóias para alugar um vestido.
Bravo, dona primeira dama! Obrigada por ostentar as cores brasileiras -- isso talvez signifique alguma coisa. Obrigada por sorrir e acenar calorosamente quando via alguma coisa que a agradava ou alguém de quem gostava. Nada do ar blasé do passado: apetites naturais e humanos, reações sinceras e transparentes, dinamismo... Obrigada por ser, e demonstrar que é, gente como a gente.
2 comments:
Simplesmente adorável o seu comentário. Por coisas assim, ditas com o sentido aguçado pela generosidade e afeto, vale a pena a 'convivência' com os quase-conhecidos que nos preenchem o coração. Tks a lot :-)
Lucia, às vezes me pergunto se apenas eu leio o seu blog? Isso pq geralmente há um mutismo gélido diante de algumas belas páginas que vc produz. Creio que o blog seria muito mais bacana se mais gente estivesse disposta a comentar, criticar, dar pitacos... Será que eu estou fora de tom, ao quase sempre deixar um comentário? Pode ser que este seja um blog de mão única, e eu estou na rota errada. Sabe aquela piada do cara dirigindo na contra-mão numa autoestrada? O rádio deu o alarme: cuidado, tem um motorista fantasma na contra-mão!!! E o distraído ao volante: um só, não. Tem milhares!!
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