Como meus leitores habituais já sabem, não sou organizada. Admiro os blogs perfeitos de outros e outras, que têm formatos de revista, separam seus assuntos em pastas, classificam. Eu vou jogando tudo aqui, numa espécie de diário, que não impõe forma, nem assunto, nem mesmo ordem. Então, hoje, sábado, não vou colocar uma poesia, como o faria a Adriana. Indisciplinada, preguiçosa e bagunceira, vou falar de filmes que assisti, anteontem e ontem.
Benjamin Button e Austrália -- os dois no cinema Leblon. Eu mesma me entrevisto:
-- Gostou?
-- ...
Bem, as reticências já revelam que estou indecisa, que os filmes não me provocaram uma reação forte e apaixonada. Fui ver o Benjamin porque sabia que era uma adaptação de um conto do Fitzgerald, e porque, há muito tempo, ando brincando com uma história de uma mulher que pára de envelhecer, enquanto seu marido continua. Juro que não tinha lido o conto e fiquei curiosa com o assunto. Fui ver o filme e acho que alguma coisa não funcionou, e talvez seja o compromisso com a realidade que a história, fantástica, deseja criar. Do conto original, sobrou muito pouco. Pouquíssimo, na verdade. Talvez só o nome do personagem. E aí veio toda aquela leitura de o tempo andar ao contrário, para se ter de volta os filhos perdidos na guerra. E mais aquela baboseira de uma criação de maquiagem que transforma o velho num monstro, um etzinho meio simpático, meio bobo que distrai e dilui. E aí, outro grande problema, o filme transforma a história numa história de amor através das idades, e cria uma "elevação sentimental" que talvez agrade a alguns sonhadores, mas que não satisfaz como proposta -- um amor sem conflitos, ha, quero ver! E tem mais, lembrando do sucesso de O paciente inglês, criam uma maquiagem de Ninja Turtle para a pobre Kate (Blanchett?) e um livrinho gasto para substituir o Heródoto, e põem a pobre da Julia Ormond ( que bem poderia ter recebido uma maquiagem mais amena) substituindo a doce e sempre bela Juliette Binoche.
Continuo a entrevista:
-- A que você atribui as 13 indicações ao Oscar que o filme recebeu?
-- ...
Outra vez reticências? Vou mudar de entrevistada, pois eu sou muito ruim para responder. É bem verdade que meu desconhecimento técnico e teórico de cinema não me permitem criar uma teoria mirabolante. Mas, por mais que eu vire e revire as imagens do filme em minha cabeça, não imagino porque alguém quereria premiar esse filme. Para mostrar que no quesito maquiagem eles continuam fazendo a mesma coisa? Para indicar que nas histórias adaptadas ninguém liga para a história original? Para revelar que estamos vivendo num mundo em que os negros já não são mais retratados no cinema americano como seres inferiores e incapazes de cultura, mas que continuam fazendo papéis de empregados fiéis? Para impor uma visão conciliadora e romântica do mundo? Para demonstrar que a montagem do filme, ao invés de fazer um trabalho ágil, agora procura nos anestesiar com histórias que duram mais que o interesse que podem suscitar?
Não me entrevisto mais, e aproveito para dizer que esse Oscar de filme mais longo do ano tem um concorrente de peso: Austrália. Neste "épico"que vem colocar o " creamy " não mais como um ser inferior e incapaz de cultura, no entanto, relegado a papéis de empregados fiéis -- é, além do mais, me repito muito, mas não é culpa minha! -- vemos a história, sem força, se socorrendo de artifícios técnicos que já eram usados nos tempos de Vivian Leigh. Austrália também vai concorrer ao Oscar de desmaquiagem, eu acho -- tirando do herói sua condição de lobisomem e forçando-o a representar, nos relembra um título do Lara -- bonitinho, mas ordinário. O corpo perfeito, os dentes tratados, as roupas justas realçam a falta de expressão, o convencionalismo, essas coisas que antes pretendiam ser evitadas. Enquanto isso, aquele espantalho que querem nos impingir como sendo a Nicole, faz caras e bocas, pinga colírios para avermelhar os olhos, e tenta, tenta, tenta mesmo nos fazer lembrar de outros filmes. Costurando tudo, os sorrisos adoráveis do creamy, as tomadas misteriosas do King George, que nos lembram nosso saci pererê, os horrores da guerra, a cobiça, o preconceito, o ser humano intrinsecamente bom versus o ser humano intrinsecamente mau... Que enjôo! E outra vez, narração. Ora, dêem-me a narração, mas do jeito que o Woody Allen fez em V.C.B. -- Grande filme? Talvez não, mas inteligente, permitindo que a gente discuta alguns dados inerentes ao ser humano, como sua eterna insatisfação, com a vivacidade da percepção contemporânea.
Para terminar, mais uma pergunta:
-- Por que você tem que falar sobre coisas que não entende?
-- Porque não entendo, mas gosto...
1 comment:
Você não entende de filmes? Então isto é ótimo, pois os seus comentários são os mais vigorosos e perspicazes - além de naturalmente muito divertidos. Acho que você deveria mexer os pauzinhos, arranjar uma página e começar a escrever pra um desses cadernos domingueiros, geralmente tão chatos e óbvios. Em alguns momentos seu texto hoje me fez lembrar dos melhores momentos do meu saudoso (e odioso para muitos) Paulo Francis, na forma mais ou menos aguda com que você sublinha alguns detalhes. É claro que o Paulo não tinha nem um pingo da afetividade que você exuda - algo que parece bem natural em seus escritos e que deve ser uma marca pessoal. Sou dos seus amigos que não te conhecem, mas isso no momento não é um impedimento pra "fazer o meu dia". Realmente, você e muito saborosa :-)
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