Hoje fui ler os comentários de meus amigos, e agradeço. Suspeito que a sereia, por falar francês, seja Eugênia. Acertei? E, no entanto, a figura é cara à Nina, que não escreveria...Outro dia volto às sereias, seres que me fascinam por híbridos. Gosto de compará-las com o Minotauro... O homem híbrido, que é único, mas incapaz de pensar, versus a mulher híbrida, múltipla, pensante e, talvez por isso mesmo, escorregadia. Belas e atemorizantes, soltas nas ondas, versus terrível e atemorizante, preso no centro mesmo do labirinto do eu.... Todos esses seres mitológicos, quando com cabeça humana, portanto dotados de pensamento, recebem também alguma marca da liberdade -- sejam asas, ou um corpo veloz de cavalo, ou patas de bode que lhes permitam galgar as mais altas montanhas... Realmente, o pensamento e a imaginação nos levam longe... Tão longe como estou agora de meu desejo de ruminar a indiferença olímpica do Obama. Híbrido também, meio americano meio africano, meio ocidental meio oriental, como ele seria representado pelos homens mais perspicazes do passado? Que traços o representariam? Sua indiferença olímpica, própria dos deuses que jamais se importaram com os humanos, cientes de que eles nada poderiam fazer já que o destino humano não lhes pertencia, será motivada pela consciência de se saber um títere? O perfeito boneco, bem articulado, para agradar aos interesses de um Destino cujo nome verdadeiro desconhecemos? Isso num ano de Olimpíadas, de jogos, de disputas, de ânsias e medos...
Deixo o resto para vocês ruminarem. Volto aos meus pensadores, mas antes lembro aqui o nome de um livro: O voo (saudades do acento) da Guará Vermelha, falando de como a leitura liberta. Conheci a autora na Bienal do Livro, em 2007. Freira, trabalhando com pessoas destituídas no interior do Brasil sob a capa da clandestinidade, pois Maria Valéria Resende era perseguida política, ela se dedicou a alfabetizar pessoas e, segundo elas, libertá-las. Esta seria a verdadeira teologia da libertação, pelo que eu entendi. Gostei tanto das palavras dela, e, no entanto, não consegui ainda ler seu livro. Mas hei de lê-lo. Acho que o mano Dré já leu, e gostou. Eu gosto da imagem e das palavras da autora...
E agora, depois de uma última e furtiva olhadinha para o mar, pintadinho de ondas travessas, vou a Benjamin.
5 comments:
Minotauro tinha corpo de homen e cabeça de touro, é isso?
Rumino, aguardando você voltar às sereias.
Ah! como é bom sonhar com elas..
Querida, acertou. Sou euzinha mesma, mergulhada até a alma em Nápoles, fundada em cima do túmulo da rainha das sereias, Partenope.
Beijos, Eugenia.
Há anos li um conto de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (Il Gattopardo), simplesmente maravilhoso: "O Senador e a Sereia." E não me lembro agora do autor de um livro escrito durante a guerra na Itália, quando um peixe semelhante a uma mulher é servido num banquete para oficiais em Palermo... E tem o meu conto "A Sereia da Guanabara", que qualquer dia publico na web :-) e que foi desclassificado numa das edições dos contistas de O Globo (creio que a temática era sobre a cidade do Rio de Janeiro).
O autor esquecido é Curzio Malaparte e seu romance 'A Pele', apresenta uma sereia ao natural, criada em aquário e servida num jantar oferecido a oficiais americanos, durante a ocupação da Itália. O personagem recorta os ossos do peixe de forma a parecer unhas humanas e as deixa na borda do prato...
Sua frase...
"O perfeito boneco, bem articulado, para agradar aos interesses de um Destino cujo nome verdadeiro desconhecemos?"
...me fez pensar num cyborg, e por extenção em Blade Runner, o filme de Ridley Scott (1982)- que de certa foprma visita o drama existencial de Frankstein na personagem do "replicante" ou cyborg, uma criatura fabricada, superior aos humanos em todos os sentidos, exceto (no filme) pela programação de uma vida limitada.O cyborg é a última construção humana no sentido de uma "modernidade complicada" - dolorasamente consciente de sua inerente limitação.
Tem um texto do qual só li trechos, mas que vale a pena:
Donna Haraway, "A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century,", que vc pode ler aqui:
http://www.stanford.edu/dept/HPS/Haraway/CyborgManifesto.html
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