Friday, June 27, 2008

Dia de reza forte

Voltando aos meus santos, que estão se acotovelando lá nos céus, em busca de um espaço, não consigo pensar num céu sem escritores. Pensemos em algo assim como uma gigantesca Hollywood, e os escritores vão virando roteiristas para Deus, que, cansado de sua obra, resolveu fazer greve, ou sair de férias. Então pensem num seriado, em que todo o mundo vai metendo sua colher, e teremos nossas vidas aqui embaixo (porque em baixo? estamos soltos no espaço, afinal!) interrompidas, modificadas, sem coerência, pois as idéias vão se misturando, as tramas vão se esgarçando, personagens se mudam sem explicação, teorias se multiplicam, escândalos explodem... O cenário também começa a decair, os figurinos mudam, algumas coisas parecem ainda perdurar, mas, um exame mais atento, vai revelando suas contradições, suas falhas, os defeitos e os vícios dos roteiristas, nem todos assim tão talentosos. E a mistura, o jogo de vaidades e de personalidades, os estilos diferentes, tudo isso contribui para que não se consiga obter uma homogeneidade. Acho que falta edição! Já que estou alfinetando a criação, aproveito para ver se algum santo ou roteirista me ouve neste momento, e peço-lhe que me facilite a entrevista de visto americano. Lá vou eu ter que me explicar que quero ir para lá, mas que não quero ficar. E que não tenho intenção de modificar o american way of life. Mas que pretendo ir a muitos museus, a muitas livrarias, a teatros e parques de diversão. Que tenho vontade de voltar a Disney, para ver as novidades. Que talvez ainda me entusiasme a descer o Rio Colorado numa balsa, ou que resolva enfrentar os calores do deserto para ver um geiser, quase tão old e tão faithfull quanto eu. Ou canyons, mais profundamente rasgados que o meu coração. Que gostaria de visitar amigos que deixei por lá, e de quem me lembro com carinho. Convencê-los de que meu trabalho não depende da economia americana -- sei lá, talvez até dependa, tudo parece depender daquela borboleta que bate asas lá longe e nos desequilibra o mundo por aqui. Que não vou com intenção de fazer compras, mas que já sei que cairei na tentação e que comprarei tudo o que meu orçamento permitir... Que vou comprar maquiagens que não uso e cremes que me prometem conservar uma aparência que já não tenho. Que descobrirei mais um aparelhinho sem o qual não conseguirei viver nas duas semanas após sua compra, e que depois ficará esquecido numa gaveta, com baterias descarregadas, obsoleto. Que comerei sem reclamar as comidas da moda, sejam elas tailandesas ou africanas, desde que a companhia seja boa e gentil. Que, sozinha, substituirei o almoço por um balde de frappuccino, deliciada com essa maravilha que ainda não chegou até nós.
Bem, estou indo. Munida de papéis e recibos e extratos de banco, atestados de bons antecedentes, sorrisos inúteis, que resvalarão nos rostos treinados dos funcionários, e cairão por terra, agonizantes. Depois, à noite, vou ao teatro, ver a Noviça Rebelde. Será que quer dizer alguma coisa, essa coincidência?

3 comments:

Guido Cavalcante said...

Muito saborosa a sua proposição de um céu pleno de santos interessantes, com o seria este céu cheio de santos escritores (embora de santos os escritores de um modo geral tenham muito pouco), antes seriam anjos (como aquele anjo Rimbaud, ou, quiçá, Lautréamont), agora irremissívelmente condenados a estancar a poesia em favor da mais simples e corriqueira “bondade”. E esta proposição que você pondera, tem algo a ver também com as viagens – esta forma humana de conhecer o Paraíso – ao arremedarmos no encontro com o desconhecido de outras terras e lugares, a última jornada no caminho da Eternidade. Pois o destino de uma viagem se assemelha, por enquanto, na Terra, com o destino de uma vida plena e agradável, onde o cotidiano é anulado e nos encontramos com uma vida “sem finalidade” (como ela talvez seja no céu), antes de sermos arremessados de volta à nossa origem, quando a viagem termina. Viajar pode ser uma das coisas mais deliciosas da vida, principalmente quando o destino é um hotel onde passamos a chamar de “nossos” àqueles objetos que foram reunidos num quarto, sem destinar-se à uma pessoa em especial e que ela mesmo nunca escolheu.

Guido Cavalcante said...

Este comentário é apenas para mostrar um artista que me deixou fascinado: BLU, e que vcs podem ver no seu blog aqui:

http://www.blublu.org/blog/ (não sei fazer links).

Nos últimos tempos tenho me tornado um voraz "consumidor" de grafitis, não destes grafiteiros de galeria que agora estão na moda e nos jornais, mas daqueles "brabos", de rua - acho grafiti a grande revolução da arte que veio depois da Pop Art. Quando saio vou "con la barba sobre el ombro" olhando as paredes...

E aqui

http://theartinquirer.blogspot.com/2008/06/muto-wall-painting-animation-by-blu.html

tem um grafiti animado de BLU

Guido Cavalcante said...

Sobre o frappuccino, acho que foi uma invenção da Starbucks. Aqui no rio tem algo semelhante naquela leiteria que fica no Edf. Av. Central (não pinto lá há anos, pelo lado da São José. Eles faziam um café com sorvete de baunilha e creme realmente deslumbrante. Essa é a diferença, pois o frappuccino é quente e usa pectina seca. Toda vez que ia à cidade, pedia o meu café gelado com sanduíche de roquefort. Fica a dica pra quem vai à Leonardo da Vinci :-)