Foi esta a hora. Em outro fuso, talvez, mas a hora foi esta. No entanto, o sol poente não traz as lágrimas e as angústias. Tudo isso se encontra aprisionado em um momento do tempo, imobilizado dentro de mim. Porque, descubro, o tempo pode parar, e para sempre.
Podemos eternizar um momento de angústia e dele fazer um abrigo. Nas chagas abertas, apenas o momento do choque não dói, daí voltar, e voltar, e voltar ao instante passado.
Na praça distante, o presente é um mal-estar. Estar mal sob o sol que arde e faz arder. O sol que enfeita os rostos dos outros com sorrisos de prazer, que ilumina as fachadas com os tons dourados do outono. Todo o mal-estar se encontra aqui, em meu rosto franzido, protestando contra a luz, Nos meus olhos vagueando pelas esculturas da fachada monumental, passeando pelas cores das bandeiras, evitando os rostos tranquilos dos caminhantes.
A hora foi esta e ainda é esta. O corpo se rebela e tonteia, como se o chão faltasse, mas o chão não falta. Está presente nas pedras que se organizam em torres à procura do céu. Desenham arabescos contra o azul do céu, sempre indiferente às nossas misérias. Azul, palavra ou cor, sempre mágica. Azul de tantos tons, tantos matizes, significando sempre algo que não foi ainda dito.
Quanto mais baixo o sol, mais douradas as pedras, mais douradas as árvores, mais dourados os reflexos de vinho nas taças levantadas. Contrastando com o sol, as sombras começam a se desenhar e o vento suavemente acorda as bandeiras para que elas acenem seus adeuses aos que partem.
Ele partiu. Foi essa a hora. E a partida foi súbita. Num instante o riso, no outro o choro.
A catedral se doura toda, celebrando. Uma gaita de foles começa seu lamento,pensando-se canção.
Ele se foi. O vento esfria os derradeiros raios de sol, e inquieta as aves que procuram um pouso na praça sem árvores, agitada de gente. Dentro de mim, o coração bate,violento. Melhor seria dizer que ele se debate e esbarra nos outros órgãos, empurra o estômago, oprime os pulmões. No rendilhado do ferro meus olhos distraem-se das lágrimas. Pedi ao santo uma graça que não me foi dada. Recebo, em troca, uma fachada dourada, com um céu azul e os sons da gaita.
A bandeira do Brasil se abre, única que dança na brisa suave que ainda não consegue esfriar o sol poente. As sombras parecem ter fugido do mundo. Aqui só há sol. A igreja resplandece, dourada. As vozes nunca se calam, o azul não desmaia, o mundo parece em paz. Refletido numa vidraça, o sol me ofusca, me cega. Mais um minuto se escoa, o tempo vai passando vagaroso: são dois os anos que se foram.
Ele partiu. E eu tento reconstruí-lo a cada dia, em cada palavra. E, tal como as pedras que se organizam em torres e escadas tentando chegar aos céus, eu empilho palavras que o reconstruam Será que meus monumentos atrairão a luz do poente? Será que outros verão esses tons dourados crescendo contra um céu azul, descuidado?
Hei de escrever-te até que você se torne mais concreto que minha própria vida. Hei de escrever-te, e por mais que te escreva você continuará sendo o azul por entre as pedras da torre, o azul unindo as embarcações no mar, o azul sustentando o vôo dos pássaros. Mesmo assim continuarei, pois as palavras são tudo o que me resta, por isso, te escreverei.
2 comments:
Lucia,
Muito bonito, me fez sentir saudade de alguem tambem. Sabe, lia seu texto enquanto olhava pela janela o por-do-sol no horizonte. Engraçado, tudo estava dourado e eu viajei até você. A distancia ficou curta, o pensamento extenso e a saudade imensa.
Forte Abraço.
Esse seu texto acolhe todos os que já sentiram ou sentem essa dor. Eterno, o seu texto. Grande abraço, T.T. (E continuo aqui, na minha jornada aos seus posts. Não comento todos, mas leio todos. Este aqui, lido hoje, 07 de janeiro de 2011, me deixou até sem palavras, tamanha a emoção que você colocou nele. E tamanha a beleza dele).
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