Saturday, October 13, 2007

Centésima!

Esta, me informa o blog, é a centésima postagem que faço. Coloco então, para comemorar, o texto que preparei para servir de base à minha fala em USC (Universidade de Santiago de Compostela). Como foi uma fala de duas horas, obviamente que não fiquei lendo o que escrevi por duas horas. parti dali para falar sobre os meus autores mais queridos do momento. Achei até um jeitinho de encaixar o Mia Couto, e o Josué Guimarães, o escritor gaucho que dánome ao prêmio que ganhei em Passo Fundo. Vou falar de novo, sobre o mesmo assunto, na Universidade de A Corunha. Portanto, se lembrarem de alguma coisa ou se discordarem do que eu disse, favor avisar. E eu, prá variar, falei muitas abobrinhas a respeito de meus contos, e de mim mesma. Mas isso foi de improviso, e graças a Deus não tenho registro.
Então aqui vai,
A Fala:

Meu nome é Lúcia Bettencourt e estou aquí na USC porque ganhei um prêmio literário da Universidade de Passo Fundo.

Passo Fundo fica no estado mais ao Sul do Brasil, no Rio Grande do Sul. A Galícia está ao Norte de Espanha e é de admirar como podemos nos entender perfeitamente – nao só em termos linguísticos, mas em sensibilidade.

Há muito em comum entre nós: desde as cantigas galego-portuguesas que me fazem desejar ver as “ondas do mar de Vigo” – que, me informam, hoje já não têm nada em comum com as cantadas por Martín Códax – até a alegria e gentileza das pessoas que encontro aquí. Informais, carinhosos, abertos ao diálogo e hospitaleiros, os galegos me conquistaram desde o primeiro contato.

Agradeço a todos os que já encontrei a acolhida tao generosa.

Acredito que alguns aquí tenham tido a oportunidade de ler um de meus contos, “A secretária de Borges”. Este conto dá nome ao meu livro, que também recebeu um prêmio, o prêmio SESC. Nao é graças a este prêmio que estou aquí. O prêmio que me trouxe a esta universidade foi o “Josué Guimarães” que recebi por três contos inéditos, a saber: “A caixa”, “Manhã” e “A mãe de Proust” Creio que a Revista Agalia vai publicar um deles, e agradeço muito o interesse do Carlos Quiroga.

Este prêmio SESC, que começou a ser distribuído em 2003 apenas para a categoria romance, e que em 2005 passou a premiar também a categoria contos, visa a publicação, por uma editora de prestígio e de boa distribuição, como é o caso da editora Record, de autores inéditos em cada categoria. É uma excelente forma de premiação, pois todo autor sabe como é difícil batalhar por uma publicação. Alguns mais tímidos, ou mais covardes, como eu, adiam essa batalha, com medo das cartas de rejeição. Há tantos autores, tanta gente escrevendo, e tão poucos editores que é quase impossível que não se receba pelo menos uma carta de rejeição. Mas o importante é insistir e procurar seu “caminho” -- O meu me trouxe a Santiago, vejam só, e eu nem sou Paulo Coelho nem nada. Na verdade, devo ser uma das poucas pessoas no mundo que nao apreciam as obras de Paulo Coelho. Ele, portanto, nao constará de minha lista de autores contemporâneos já que tenho a liberdade de vir aquí expor o meu gosto pessoal.

Falo, então, dos outros ganhadores do prêmio SESC – O primeiro ano teve como vencedor um romance histórico Santo Reis da Luz Divina, de Marco Aurélio Cremasco, contando a saga da família de Santo, o autor se aproveita para contar a exploração do Paraná – recuperando modos de falar e tradições do passado. No segundo ano, a vencedora foi uma mulher com o romance intitulado As netas da Ema. Essa Ema é a Bovary –heroína do século XIX cuja sexualidade e idéias pouco convencionais levaram-na à ruína e ao suicídio. Eugênia Zerbini resgata suas “netas” e mostra as estratégias de sobrevivência da mulher moderna em nossos dias.

No terceiro ano, o SESC começou a premiar contos e eu fui a vencedora com o conjunto que aquí vocês vêem. Sao dezessete contos de temas variados, mas volto a falar deles depois. Continuo falando de André de Leones e de seu Hoje está um dia morto, romance de formação que comove em sua contundente demonstração de falta de perspectiva que acomete os jovens brasileiros de hoje. Seu romance é iconoclasta e revela que as opções encontradas “sexo, drogas, rock e religião” não são suficientes para a salvação – o único que sobrevive é quem escreve a história trágica dos amigos, indicando que existe, talvez, uma possibilidade de salvação através da literatura.

Este ano os vencedores foram Nereu Afonso da Silva, com seu Correio Litorâneo – uma coletânea de contos muito bem humorada, mas onde o riso se trava por um atento exame dos descaminhos a que o ser humano se vê levado a percorrer; e Wesley Peres, um jovem psicanalista, dono de uma poderosa prosa poética, com um romance de amor e reflexão chamado Casa entre vértebras. Na impossibilidade de escrever a carta que a mulher amada lhe pede, o narrador vai-se construindo em textos densos, líricos e altamente simbólicos.

Como vocês podem ver, o fato de compartilharmos todos o mesmo prêmio não significa, em absoluto, uma uniformidade. Somos tão diferentes quanto os diversos peixes do oceano ou as numerosas aves do céu da Galícia

Isso me leva a dizer que a produção literária contemporânea no Brasil é também diversificada. Talvez mais tarde os estudiosos encontrem um fio condutor dessa geração que abriga nomes como Marcelo Moutinho, Adriana Lisboa, Daniel Galera, Luís Ruffato, Verônica Stigger, João Paulo Cuenca ou poetas como Mariana Ianelli e Henrique Rodrigues. Suas produções se embrenham por estradas diferentes, “senderos que se bifurcan”, como diria Borges, mas todos são caminhos literários, de busca por uma expressão.

Há tantos caminhos quantas pessoas, talvez se pudesse dizer, mas, cada um de nós não hesita em reconhecer dívidas com relação a escritores que nos antecederam. Mia Couto, autor moçambicano de minha predileção, reconhece abertamente suas dívidas com relação a Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Raros são os autores que não se deixaram “emprenhar” por suas leituras. Alguns, como Verônica Stigger, seguramente revelam sua inspiração pela arte visual e pelas convenções dos vídeo-clipes e das revistas em quadrinhos. Com uma obra muito diferente, até repulsiva, em alguns casos, mas cheia de humor, ela procura um caminho novo ainda por explorar.

Mariana Ianelli (Almádena) e Henrique Rodrigues (A musa diluída), para citar dois excelentes poetas, buscam nos textos clássicos sua inspiração, não apenas formal, mas até temática. Enquanto uma cria uma poesia vigorosa e dialoga com os clássicos num discurso elevado e denso, o outro, como o título indica, dilui a inspiração clássica para mostrar que a opção pela cotidianeidade não impede o olhar poético.

Marcelo Moutinho, contista, possui um texto fortemente comprometido com um universo popular, onde não existem heróis, ou melhor, onde o maior heroísmo é a sobrevivência. Seu universo de pequenos funcionários e travestis lembram o mundo de Lima Barreto, mas seu lirismo o afasta dessa fonte e o aproxima de autores mais modernos, como Oswald e Clarice. Seu livro, publicado pela Rocco, chama-se Somos todos iguais essa noite, título retirado de uma canção popular, o que demonstra como as fontes em que todos nos abeberamos são variadas – Estamos abertos ao mundo – artes visuais, música, internet, tudo o que nos rodeia vem a ser apropriado por nossos apetites literários.

Chegamos,assim, a um autor como Daniel Galera, cujas primeiras incursões literárias foram livros publicados pela WEB e que acabou sendo descoberto e publicou seu romance Mãos de Cavalo pela Cia das Letras.

A rapidez do mundo moderno também provoca que os autores dos nossos dias repartam seu tempo entre escrever e organizar volumes de antologia ou séries de romances como é o caso de Ruffato, que todos aqui já conhecem, e do Cuenca. Aliás este último está lançando seu romance O dia Mastroianni (Agir), e, apesar de não conhecer o texto, afinal está sendo lançado hoje, posso apostar, e acho que vocês também fariam o mesmo, que tem a ver com o cinema...

Demonstrando que a globalização toma conta de todos nós, não são poucos os autores que, como Adriana Lisboa, procuram em lugares e autores distantes a inspiração para suas obras.

Espero que esse breve apanhado de autores brasileiros lhes abra o apetite para conhecer o que se está produzindo na atualidade, mas que não se esqueçam de ler, ou reler, autores já consagrados como Alberto Mussa (O trono da Rainha Jinga, O enigma de Qaf e O movimento pendular, todos da Editora Record) e Cristóvão Tezza (com seu último lançamento O filho eterno), e os ainda muito amados Rachel Jardim, Antônio Torres e Helena Parente Cunha. Esses autores, em plena produção, já têm consagração e reconhecimento, e seus novos livros são saudados sempre com alegria.

Agora passo a palavra a vocês – quero responder às suas curiosidades quanto ao conto que leram e me colocar à disposição para responder quaisquer perguntas sobre o que acabo de falar e sobre a minha obra. E igualmente sobre o prêmio SESC, pois está aberto a inscrições também a partir do estrangeiro.

Obrigada a todos.

4 comments:

Anonymous said...

Parabéns pelo texto.Aproveite toda a viagem.
Ernane Catroli

Anonymous said...

Querida, muito obrigada por sua menção às minhas Emas. Muito merci, mesmo.
No mais, só o desejo de uma boa continuação de viagem. O beijo da Eugenia.
(lindo o texto acima...)

Anonymous said...

Lúcia, brigadão pela menção e parabéns mais uma vez. Bj grande do Henrique.

Unknown said...

Mais autores para a minha lista: muito bom!
Abraços,
Tereza.