Imitação da água
(João Cabral de Melo Neto) Foto de Howard Schatz
De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada,
na praia te parecias.
Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.
Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.
Uma onda que parara
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista
e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.
Uma onda que guardasse
na praia, cama finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,
e em sua imobilidade,
que precária se advinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas
mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.
Beleza, não? Para rivalizar com o dia deslumbrante de hoje.
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