Saturday, April 03, 2010

Minhas amigas


Cris Nadruz, brincalhona, comentando um post meu disse que pensar cansa. Concordo. E ainda completo: cansa e nos trai. Houve um tempo, acredite quem quiser, que antes de beber o leite era necessário fervê-lo. Passei muitas manhãs de minha vida, me sentindo escravizada na frente de um fogão, aguardando o leite, impassível, que por sua vez, aguardava minha distração para se derramar por toda a parte. Eu ficava ali, concentrada na leiteira, tentando não pensar, apenas vigiar o leite, que demorava, aguardando seu momento exato. Bastava que meu pensamento se desviasse dele por um segundo, e já estava o leite derramado, queimado, grudado de uma maneira que depois exigia horas de esfregação. Mas, mesmo assim, aquele segundo de distração tinha valido a pena. Pensar é tudo de bom. Mesmo que exija sacrifícios sem fim. Pensar também pode nos livrar de broncas. Tive um chefe, Bill Maddox, que me ensinou muitas coisas. Uma delas foi quando ele me encontrou, um dia, distraída, pensando. Eu era tradutora, e estava com o texto aberto à minha frente, mas devia estar "viajando", sonhando com alguma coisa. Não vi meu chefe entrando e acho que até devo de ter me assustado quando ele me perguntou, em inglês, o que eu estava fazendo. Respondi, sem pestanejar, com a mais pura verdade: Pensando. Ele me sorriu e respondeu: "Esta é a única resposta que me deixa sem ação: pago a você para pensar. Espero que você esteja pensando no trabalho". Será que eu estava? Hoje sei que nossos pensamentos estão sempre ligados, vão formando uma teia que vira trama, que vira história, que vira livro, que vira vida… Tanto que agora, lembrando disso, lembro de minha entrevista com ele, minha primeira entrevista de emprego. Eu era tão novinha, estava tão assustada, e vestia um vestido amarelo clarinho que eu tinha acabado de ganhar no Natal. Era minha roupa mais bonita, embora não fosse, talvez, a mais adequada para ir procurar emprego. Já tinha falado com um cara do DP, que me levou ao chefão que queria checar meu inglês. Eu estava tão nervosa, mas fui falando, o Bill era um homenzarrão, muito simpático, e eu fui ficando mais à vontade até que ele me perguntou sobre meu "aikyw" Eu não fazia idéia do que ele estava falando, e fui respondendo meio evasiva, disse que não podia informar quanto a isso (até porque não imaginava o que fosse). Ele me ofereceu um cafezinho e eu aceitei, e continuamos a conversa e eu ia respondendo ao mesmo tempo que ia tentando descobrir o que era o tal do aikyw. Ele lamentava que no Brasil as pessoas desconhecessem o próprio aikyw, que nos EUA todos sabiam qual era o valor do seu, etc. , e eu de repente descobri que aikyw era QI, só que, em inglês, a ordem das letras era diferente. Mas não adiantava nada minha descoberta porque até hoje não sei do meu aikyw. Só que eu estava tão embevecida com a descoberta, satisfeita de mim, que peguei o cafezinho que me entregaram e, toda cheia de modos, de dedinhos delicados segurando a xícara com cuidado, segurando o pires com a mão esquerda, ao invés de levar o líquido até a boca, estaquei no meio e derramei o café no meu vestido. Claro que a entrevista se encerrou ali. Saí quase chorando, vestido todo manchado, achando que não era à toa que eu ignorava o valor do meu aikyw. Eu nem devia de ter isso! Cheguei em casa chorando, depois de ter atravessado a cidade num ônibus (o lugar era tão longe de minha casa!) Eles já tinham telefonado duas vezes para minha casa. Liguei, achando que queriam ter a certeza de que eu nunca mais apareceria por lá, mas foi o contrário. Eles me contrataram e traduzi todos os manuais de treinamento que Mr. Maddox queria adaptar do Jack-in-a Box para o Bob's. Foi a única vez que curti fazer tradução. Geralmente sofro muito, pensando nos tesouros escondidos em cada palavra, que não consigo ressaltar na tradução. Mas ali a linguagem era simples, o que eles queriam era motivar as pessoas a se comportarem pró ativamente. Tinha tido, uns tempos antes, uma campanha que dizia: Mexa-se, você pode mudar o mundo. E o manual dizia, a toda hora: Do it! Perguntei ao Bill se podia usar o mexa-se, e ele adorou!
Para terminar. Comecei com a foto da gata adormecida entre os livros, uma brincadeira com meus amigos de FB. Termino agora com esta estante meio maluca, deixo as conclusões para vocês!

2 comments:

Ana Cristina Melo said...

Fico imaginando se essa gata resolve ir para a outra estante! rsrs

Quantas lembranças você me trouxe com o leite derramado!

Bjs

Anonymous said...

Excepcional. Como algo do dia a dia como ferver o leite pode ser tão importante, quantas ilações poderiam ser feita. Encheu a tarde de domingo. Irei continuar a leitura da biografia do Chagal. Bjos Marcio