Monday, April 26, 2010

Eldorado Vs. Z

Fui a um casamento que parecia um conto de fadas. Deslumbre, foi o que senti ao sair da banalidade da noite, no lado de fora, e entrar num céu estrelado cobrindo uma extraordinária disposição de flores, mesas, objetos, tudo surgido como se por artes de uma varinha de condão.
Quando foi que nos transformamos em especialistas em festas de sonho? Não faz muito tempo, a gente afastava os móveis da sala, preparava sanduiches de pão de forma que víamos sendo cortados, na hora, na padaria, numas maquininhas perigosas mas que deixavam as fatias fininhas e sem cascas. Todos colaboravam, uns enchiam bolas, outros enrolavam brigadeiros, alguém emprestava bandejas, os mais elegantes contratavam garçons, que ao fim da festa estavam caindo de bêbados, intoxicados de tantos "restinhos" surripiados.
Os dotes culinários de cada família eram exibidos orgulhosamente. Falava-se da torta de D. Fulana e do Bobó de Sicrana, e todos balançavam as cabeças, concordando e salivando, ou tímidamente oferecendo um comentário que dizia que o de Beltrana não ficava atrás. Um dia as coisas mudaram. Para fazer uma festa tínhamos que contratar buffês ou banqueteiras. Depois passamos a ter que alugar mesas, e contratar cerimoniais, que por sua vez contratam RP's e Valet's, seguranças particulares, vigilantes para os banheiros, etc. Para darmos uma festa precisamos virar empresas, ou capitulamos e vamos a uma casa de festa que se encarregará de todos os detalhes, desde que possamos pagar por eles. Dos cajuzinhos e brigadeiros, dos bem casados e beijinhos de coco, já só conhecemos a memória. Os doces, irreconhecíveis em seus disfarces de flores, de bonecos, de animais, de cartões de visita, de carrinhos, instrumentos musicais, xícaras, permanecem como enigmas a serem decifrados pelas bocas gulosas. Mordemos um retratinho do bebê e descobrimos que foi feito com um doce de abacaxi e gotas de chocolate. Cravamos os dentes num fradinho barrigudo e provamos um doce de banana recheado de ovos moles. As flores nos entregam, entre suas pétalas, doces de ovos sem ovos e bombons de nozes sem as mesmas, preocupados que estão, nossos anfitriões, em manter nossa saúde. Por isso mesmo, as frituras foram banidas dos coquetéis: barquetes de pepino recheados de ricota, canapés de aipo com passas e wraps de tomate seco desfilam, elegantes, entre as bandejas de mini comidinhas. Num copinho de cachaça nos dão um aperitivo de feijoada, enquanto que nos bares, que se multiplicam, nos afogam em mil sabores de caipirinhas feitas com vodka, sakê, tequila, vinho do porto ou seja lá o que mais inventarem.
Falei tanto que fiquei com saudade dos almoços em que serviam o velho e hoje desprestigiado "arroz de forno". Ninguém nem sabe mais o que é isso! Sei até de um caso (verídico) de que a empregada pediu as contas depois que a patroa lhe pediu para fazer um arroz de forno.
"Que absurdo! Contratam a gente pedindo trivial e depois querem que a gente faça desses pratos complicados! Se ela ainda quisesse um risoto, dava para fazer, mas um arroz de forno! É exploração!"
Mas o post já está muito longo. Depois volto ao assunto.

1 comment:

Cris Lira said...

Lúcia, quantas saudades este seu texto me despertou. Viajei no tempo, nos potinhos de batatinha ao molho. Faz muito tempo. Eu era criança e o mundo se resumia a uma batatinha que eu furava com um palito e a deliciosas coxinhas. As festas mudaram mesmo. Mudamos.
Cheiro de casa de vó, brigadeiro invadindo o ar, a mulherada toda organizada para enrolar os docinhos. Ê, tempo bom!