Sunday, August 24, 2008

Feliz Aniversário

Semana de muita correria, mas tentando reservar tempo para os amigos. Assim sendo, consegui me encontrar com pessoas queridas, ir ao teatro duas vezes, ir ao encontro literário do Henrique Rodrigues para escutar o Marcelo Moutinho; ir ao CCBB para ver a exposição de Clarice com outra escritora, a Elomar Nascimento; bater papo na praia com Alcione Araujo; na Argumento com a Valéria Martins, seus filhos adoráveis e mais um escritor e historiador, o Diego; e ainda, jantar com minha filha; almoçar em família e comemorar o aniversário de 90 anos de uma amiga proustiana, a Maria Flora. Relembro assim um dos meus contos prediletos de Clarice, "Feliz aniversário", em que a velhinha se rebela contra aquela família toda cheia de segundas intenções, cujos membros esqueceram o que é o amor e a vida para lhes dar uma lição de irreverência. Estou aqui pensando num livro cuja resenha fiz recentemente, do Pierre Bayard, cujo título é mais ou menos Como falar de livros que não lemos, para corroborar o fato de que a minha leitura (feita há tanto tempo) já não me permite lembrar o enredo com clareza -- o que é mesmo que acontece em histórias todas passadas nos pensamentos das personagens? -- Cada leitura é única e pessoal, depende de nossa interpretação, de nossos sentimentos. Proust, um especialista sobre leitura, sabia que a circunstância em que lemos os livros influenciam sua leitura. Por exemplo, depois da morte do Guilherme (e, por incrível que pareça, quase três anos após o fato, ainda não consigo falar, ou pensar ou escrever estas três palavras juntas sem que meus olhos se encham de lágrimas) fiquei um tempão sem conseguir ler. Sei que tem gente que nem se importa com isso, mas, para mim, que sou movida a leitura, isso equivalia a estar morta também. Sem ler, não sou eu. E eu não lia nada. Nem jornal, nem revista, nem livros. Meus amigos me ofereciam livros, me mandavam artigos, e eu nada... Até que ganhei de uma das proustianas, o livro Fazes-me falta, da Inês Pedrosa. Esse livro rolou um tempo junto dos outros, mas o título mexia comigo e levei-o comigo para Trancoso onde a Helena, outra proustiana, tentava me fazer sobreviver aos horrores dos ritos de passagem de Natal e Ano Novo. Li o livro entre lágrimas e soluços, sentada sozinha no varandão do hotel, de tarde, enquanto Helena dormia sua sesta. Acho que sublinhei todas as frases do livro, como se fossem revelações. No entanto, nem lembro do que se tratava ali. Sei que a situação era oposta à minha, o homem sobrevive à mulher, e se correspondem, ela escreve de um lado, ele de outro. O que eles se diziam? Não sei. Só sei do título, fazes-me falta, que ecoava a única coisa que eu era capaz de pensar naqueles meses de tanta angústia e desespero. As pessoas dizem que as dores passam com o tempo, mas eu garanto que não passam. Proust me ensinou que não passam. Nós é que, sutilmente, sem nos apercebermos, deixamos de ser quem éramos, nos tornamos outras pessoas. A Lúcia amada pelo Guilherme deixou de existir. Sempre, porém, que alguma coisa dispara a lembrança involuntária, essa Lúcia ressurge por átimos de segundo, e a dor da perda a ataca sem piedade, esmaga-a, e ela então desaparece mais uma vez e deixa essa aqui, sem graça, escrevendo blogs, que se distanciam de seu objetivo principal, que é mostrar como Literatura e vida interagem, em festas de aniversário, em episódios do cotidiano, em "novas maneiras de ler".

4 comments:

Anonymous said...

Pequenos relatos de uma grande escritora. Aqui; onde sempre volto.
Ernane C.

André de Leones said...

amo-te. você é forte. irmãzona.

Vera Helena said...

Eu também, sem ler não sou eu! Lúcia, não a conheço pessoalmente, mas imagino o que deve ter passado, a ponto de ter se afastado dos livros. Queria poder confortá-la de alguma forma. Sei que é difícil, pois não a conheço e moro longe. Por isso, contento-me com um abraço virtual cheio de carinho, amizade e admiração que envio por este comentário.



Vera

Anonymous said...

Concordo com André. Só sendo muito forte para externar ao mundo os seus mais profundos sentimentos. Forte e caridosa, você não imagina o quanto importante são essas declarações para quem está passando por situação semelhante, mesmo que por livre vontade.

bjs