Bem, nem sei por que tenho que explicar por que gosto de um jornalista que só conheço de texto e que não reconheceria se cruzasse com ele na rua. Digo isso porque ontem estava numa loja no Leblon e depois em outra, e notei a agitação que percorria as vendedoras. Na primeira, falavam da simpatia da pessoa e nas idiossincrasias de seu marido. Na segunda, mencionaram seu nome: Roberta Sá. Acontece que essa talentosa menina é sobrinha de uma amiga, e eu já estive até na casa dos pais dela. Já a vi algumas vezes. E, no entanto, ontem nem sequer vi que ela estava ou esteve nas mesmas lojas em que entrei. Eu tenho dessas coisas: me desligo, e vou no piloto automático, sem perceber o mundo que me rodeia. De noite, fui ao coquetel do lançamento do novo romance do Silviano Santiago. Ele nunca foi meu professor, mas foi professor de alguns amigos, e é colega de muita gente que admiro. Lá fui eu. Encontrei muitos amigos, que não via há tempos. Uma dessas pessoas é a prof. Marlene de Castro Correa. Com ela conheci Drummond, de quem ela afirmava ser uma "mistura de paixão com meticulosidade". Com ela fiz uma pequena antologia de Castro Alves, um dos exercícios mais interessantes que já me deram para desenvolver meu espírito crítico. Tive que escolher dez poemas para formar uma antologia e justificar minhas escolhas. Sofri. Tinha que escolher os representativos? Tinha que exemplificar cada faceta? Já não me lembro dos que integravam a coletânea, mas me lembro do primeiro que escolhi, e em torno do qual construi minha antologia: Adormecida
Aqui vai, de brinde para os leitores:
Adormecida
Uma noite,eu me lembro...Ela dormia
Numa rede escostada molemente...
Quase aberto o roupão...solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
Stava aberta a janela.Um cheiro agreste
Exalava as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilavam ao tom das auras,
Iam na face trêmulos- beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
Para não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
" Ó flor!... tu és a virgem das campinas!"
"Virgem!...tu és a flor da minha vida!..."
CASTRO ALVES
S.Paulo, novembro de 1868
E agora? Por que escolhi esse poema? Talvez pela mesma razão pela qual gosto do Xexeo: a domesticidade, a capacidade de transformar nosso cotidiano em assunto, em tema de reflexão. Uma moça adormecida e seu balanço na rede, em contrapartida ao espectador insone, ou ao inveterado crítico das incongruências das novelas de TV. Um descanso das intrigas, da violência, dos desassossegos. E ainda tem mais, como não gostar de alguém chamado xexeo: um sussurro, um trinado de pássaro, um vai e vem de rede?...
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