Ontem tive um desses dias de turista em minha própria cidade. Fui almoçar com uma amiga, e me deliciei não apenas com as conversas, mas com a comida também. No quesito conversas, aprendi um aforismo alemão cujo sentido repasso: até o vinho sabe mal se tomado sem amigos.
Depois ela voltou para o trabalho, e eu gazeteei o meu e fui à exposição do CCBB: O tempo sob medida. Fiquei encantada, com esse tempo redescoberto em relógios que marcavam horas tão diferentes: as horas eróticas, como o relógio nº 17, com um incansável amante entre as pernas da amada, ilustrando os tique-taques. Ou, no relógio seguinte, marcando as horas de recolhimento e paz em frente a uma lareira doméstica. Ou horas de pompa e circunstância, em relógios assemelhados a condecorações. Ou ainda a caixinha em que o tempo se materializa belo e canoro, como um rouxinol.
Também me encantaram as ampulhetas montadas num tinteiro em âmbar e marfim, marcando o tempo de escrever. O relógio embutido na coroa da virgem e o no crucifixo, onde o mundo se apressura em girar em torno do ponto fixo do trauma cristão. Para terminar, menciono o relógio montado num turíbulo, incensando as horas da missa, sem deixar que o padre se excedesse nos sermões.
E termino por aqui, sem falar do filme, de roteiro do Luís Dolino (seria o meu amigo? ou trata-se de um homônimo? vou esclarecer com ele) nem da bela exposição Onde a terra encontra a água, de fotos de Carol Armstrong; Fernando Azevedo e Leonardo Kossoy. Calo-me sobre estas imagens porque dali fui à Academia Brasileira de Letras, escutar uma palestra sobre Vieira e seu tempo. O prof. Silvano Peloso e a profa. Sônia Salomão, ambos da Universidade de Roma La Sapienza falaram sobre este século de mudanças que foi o século XVII, quando a Terra deixou de ser o centro do Universo e passou a gravitar em torno do Sol. E hoje em dia fala-se em re-engenharia... Re-engenharia foi isso!
Brincadeirinhas a parte, o professor citou alguém, cujo nome perdi, que disse haver mais história naqueles cem anos que nos 4000 anos do mundo. Bem, entende-se o que ele quis dizer, embora, limitado pela Igreja,talvez, o mundo do falante só tivesse 4 milênios.
Vieira nasceu em 6/2/1608 viveu praticamente até o final do século, passou 50 anos de sua vida no Brasil, e os outros 40 nas cortes mais importantes da Europa. Foi dos píncaros da glória aos subterrâneos das masmorras da Inquisição. Viajou do interior da Amazônia e do Maranhão aos explendores de Lisboa, Paris, Haia, Amsterdã e Roma. Foi o "ministro das relações exteriores" do rei D. João IV, o primeiro a reinar em Portugal depois do período de unificação das coroas de Portugal e Espanha. Tentou conciliar o conhecimento do novo mundo, que servia de estopim para a explosão das luzes do século seguinte, com as escrituras de um mundo que se desequilibrava e começava a girar como uma nave.
Foi um ótimo dia. Mas, talvez, o que tenha me feito ficar rindo sozinha, ao voltar para a casa, foi a cópia, a giz, numa das paredes do Bar Academia, de uma frase de Machado de Assis:
"As melhores mulheres pertencem aos homens mais atrevidos".
Ele era de um tempo em que ainda não havia "predadoras"...
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