Estive em Angra, meu paraíso particular. Cada um tem o paraíso que merece, e o meu ainda precisa de alguns ajustes, para não ficar como o conto do Agualusa. Na história dele, Borges morre e vai para o paraíso, mas acontece algum engano e ele se descobre no paraíso de Jorge Amado, entre palmeiras e mulatas, sol e Carnaval. O que para Amado era o Paraíso, para ele era um Inferno. Meu paraíso fica a meio termo entre Borges e Amado. Quero sol, palmeiras, dispenso as mulatas e o samba. Mas quero livros, telefone e internet. E TV, para assistir a DVD's. Por enquanto, meu paraíso está meio estropiado nas comunicações, mas em breve darei um jeito nisso. Os livros eu levo comigo. Levo o computador e o celular, na esperança que…Mas não tenho linha, creio que devido à minha operadora, pois os telefones dos outros funcionam. Internet? Nem pensar! Já tenho TV, e portanto, pude assistir a Vida de Balzac, que levei comigo, estrelada pelo Gerard Depardieu e pela Fanny Ardant e Jeanne Moreau. Chego à conclusão que as pessoas que filmam as biografias dos escritores para a TV não são muito amigas dos biografados. Ou é mesmo uma tarefa difícil fazer a vida de um escritor virar um assunto interessante. O que é que a gente faz, afinal? Escreve. Enquanto um vai ser terrorista e bombardeia as Torres Gêmeas, a gente fica em casa e escreve sobre o episódio. Enquanto uns vão percorrer o mundo para encontrar os caminhos para as Índias, o que é que um escritor faz? Fica em casa e escreve sobre essa aventura. Sejam escritores atuais ou imortais, são raríssimos os que fizeram alguma coisa emocionante na vida. Escreveram coisas emocionantes, sem dúvida. Mas sentados em suas casa, batucando em suas máquinas, lambuzando os dedos de tinta nas suas penas antiquadas, ou queimando os olhos na frente de um computador, a vida do escritor é isso mesmo: uma sucessão de páginas, de cadeiras mais ou menos confortáveis, de devaneios. Como contar isso? Balzac, Hugo, Eugène Sue e Stendhal (Henri Beyle?) desfilam nesta mini-série sem muito o que mostrar. Sue se limita a mostrar que não aprecia Balzac, pois este parece sujo, glutão, grosseirão. Hugo, magnânimo, reconhece o gênio do escritor da Comédie Humaine, desde o príncípio. Balzac aprecia o gênio de Stendhal, que se lamenta que sua Chartreuse e seu Le Rouge et Le Noir não tiveram mais que cem leitores. Para dar uma gracinha à vida de Balzac, só mesmo recorrendo às mulheres de sua vida. Sua amante mais velha, Mme. Laure de Berny, representada por uma ainda lindíssima Virna Lisi, volteia a seu redor, carinhosamente, como uma borboleta. Enquanto isso, Balzac, que no filme parece um ogro, se gaba de ser capaz de conquistar as mulheres graças à sua habilidade de derrubar os quadros das paredes, com sua risada. Com um mau gosto atroz, vestido como um bufão, ele se dedica à conquista de Laure Junot, duquesa de Abrantes, que, o filme nos dá a entender, havia dormido com toda a corte napoleônica. Mas as duas principais femmes fatales do filme são Mme Hanska, com quem ele acaba se casando depois de mais de 20 anos de, digamos, namoro, e sua mãe, Charlotte Laure, que nunca lhe deu amor suficiente. Um duelo entre as duas grandes atrizes, que se cruzam numa única cena e trocam olhares de tamanho ódio que a gente sente que aquilo ultrapassa a própria tela. Fanny Ardant, e Jeanne Moreau, sem dúvida excelentes. Assisti uma peça com a Fanny, em que ela representava Sarah Bernhardt. Acho que a beleza da Fanny prejudica sua atuação. E, aliás, acho que ela nem estava tentando atuar muito. Ela só desfilou a beleza, madura, mas sem os sinais de decadência que o papel exigia: por exemplo, a personagem reclamava de sua artrite, mas Fanny corria, flexível, pelas planícies cobertas de neve, demonstrando um desembaraço que me fez pedir a Deus que, se um dia me fizer sofrer de reumatismo, que seja deste tipo! E a Jeanne Moreau, com sua voz rouca, seu olhar queixoso, sua elegância e firmeza, manteve-se todo o tempo fria e distante, mas, na cena final, faz uma declaração de amor ao filho, arrependida… Acho que a direção do seriado foi muito fraquinha, sinceramente. Dos romances, a gente não aprende muita coisa. Quem conhece a obra de Balzac, reconhece os títulos mencionados, mas a impressão que se tem é a de que ele era um escritor prolixo, muito interessado em dinheiro, muito vulgar, muito despreparado e cuja principal atividade foi fugir do cobrador que lhe batia em todas as portas como um inexorável Javert. Será que foi assim que Victor Hugo encontrou sua inspiração?
O que eu mais gostei do filme? A ideia, não sei se do próprio Balzac, ou se uma liberdade tomada pela ficção, de, na falta de quadros, desenhar espaços vazios na parede e anunciar : Aqui um quadro de Rembrandt, aqui um David, etc. Posso fazer isso: escolho e escrevo na parede: Ceci n'est pas un Manet (penso nos aspargos, proustianos até dizer chega!); Ceci n'est pas un Picasso (aquele Arlequim azul, que tanto cobiço). Já tive posters de Matisse, de Modigliani, de Miro espalhados nas paredes de minha casa, nos EUA. Mas não favoreço muito esse tipo de coisa. Gostei mais da ideia do Balzac. O espaço demarcado preenchido por palavras e sonhos. Quadros de escritor…
O que eu mais gostei do filme? A ideia, não sei se do próprio Balzac, ou se uma liberdade tomada pela ficção, de, na falta de quadros, desenhar espaços vazios na parede e anunciar : Aqui um quadro de Rembrandt, aqui um David, etc. Posso fazer isso: escolho e escrevo na parede: Ceci n'est pas un Manet (penso nos aspargos, proustianos até dizer chega!); Ceci n'est pas un Picasso (aquele Arlequim azul, que tanto cobiço). Já tive posters de Matisse, de Modigliani, de Miro espalhados nas paredes de minha casa, nos EUA. Mas não favoreço muito esse tipo de coisa. Gostei mais da ideia do Balzac. O espaço demarcado preenchido por palavras e sonhos. Quadros de escritor…
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