Biquini novo, chapéu novo, filtro solar, toda pronta para a praia e a pessoa vem para cá, para a frente do computador… Pode? Deve poder, pois aqui estou eu, preferindo contemplar minha nesguinha de azul, de longe, a suar em pleno sol. Já fui mais animada, mas acho que sofri tanto com as proibições de sair que acabei me convertendo, genuinamente, à vida contemplativa. No entanto, admiro essas pessoas que levam a vida fora de casa, ativas, incansáveis, numa animação a toda prova. Vejam os exemplos com que me deparei ontem: depois de ir almoçar com uma amiga, fiquei com pena de voltar para casa, num dia tão lindo e…fui para o cinema! Claro, ia fazer o que, na rua, sozinha? Me enfiei, com a sessão começando, no cinema geladinho e fui escutar e ver Tom Jobim. No final, depois de todos os créditos lidos, pois eu ignorava ou não lembrava quem eram aqueles cantores todos que apareciam na tela e os diretores não acharam que deviam identificá-los durante o filme, vou saindo quando vejo uma senhora, não aparentando muita idade, mas com uma dificuldade enorme de locomoção, sendo ajudada pela acompanhante para sair do cinema. Aquilo mexeu comigo, me fez valorizar a capacidade de caminhar e a benção que é ter independência. Até porque o pé, que ainda me doi um pouquinho, me deixa mais sensível a estas coisas. Pois vinha refletindo sobre isto quando me encontro com um fiapo de bloco, na esquina de Ataulfo com Artigas. Alguns músicos, uma bailarina em pé naquelas inexplicáveis bolinhas colocadas na passagem de quem pretende atravessar a rua, chamando com gestos os passantes para dançar e… animadíssima, uma senhora toda fantasiada se agitando numa cadeira de rodas, feliz com a festa! De tão admirada com ela, nem reparei em quem a empurrava, se homem ou mulher, filha ou empregada. Só sei que devia ser uma pessoa animada também, pois ia coreografando ziguezagues pela calçada. Voltei para casa, e escutei um grupo de rapazes falando sobre um concurso que pretendiam fazer. Um deles, em voz mais alta do que teria se a cerveja que estivesse na mão ainda fosse a primeira, dizia que era preciso dar o "c*". "Tem que dar o c*!", ele bradava, e parecia que estava fazendo um manifesto. Não fosse o sinal estar vermelho, eu teria ficado com a impressão de que era isso mesmo, um aficcionado conclamando, tal como a bailarina da outra esquina, as massas para compartilharem de seu prazer.
Se eu fosse subir num palanque para conclamar alguém a fazer alguma coisa, acho que minha opção seria um convite à leitura. Leiam! Entreguem-se a este prazer que também vicia (qual o prazer que não vicia? perguntem aos ratinhos da experiência!), mas que alimenta e dá um maior carinho pelo mundo. Pois a leitura nos leva à compaixão (no sentido de compartilhamento de emoções) e à empatia (capacidade de entender o ponto de vista alheio). E também nos devia tornar mais atentos ao mundo que nos cerca, mas ando cada vez mais desatenta. Somente hoje viro a página da folhinha, que este ano tem quadros de Van Gogh. O que ilustra o mês de fevereiro, que costumo chamar de meu, pois é o mês de meu aniversário, retrata um par de botinas velhas. Um sentimento contraditório me invade: acho pouco apropriado, mas, depois, reflito que são mais apropriadas do que podem parecer. Ainda estou sob o signo do pé machucado, por exemplo. Botinas é o nome de um antigo paraíso particular, que agora abandonei por conta de estar sendo muito frequentado, as ilhas lá de Angra, adoráveis. Escrevo sobre Rimbaud e falo sobre suas botinas constantemente, alternando com suas sandálias de vento. E existe sapato mais confortável que aquele velhinho, já acomodado a nossos pés, amaciado, domesticado, que nos leva, sem reclamar, aonde precisarmos de ir?
Portanto, vivam as botinas de fevereiro! Que elas me levem longe!
Se eu fosse subir num palanque para conclamar alguém a fazer alguma coisa, acho que minha opção seria um convite à leitura. Leiam! Entreguem-se a este prazer que também vicia (qual o prazer que não vicia? perguntem aos ratinhos da experiência!), mas que alimenta e dá um maior carinho pelo mundo. Pois a leitura nos leva à compaixão (no sentido de compartilhamento de emoções) e à empatia (capacidade de entender o ponto de vista alheio). E também nos devia tornar mais atentos ao mundo que nos cerca, mas ando cada vez mais desatenta. Somente hoje viro a página da folhinha, que este ano tem quadros de Van Gogh. O que ilustra o mês de fevereiro, que costumo chamar de meu, pois é o mês de meu aniversário, retrata um par de botinas velhas. Um sentimento contraditório me invade: acho pouco apropriado, mas, depois, reflito que são mais apropriadas do que podem parecer. Ainda estou sob o signo do pé machucado, por exemplo. Botinas é o nome de um antigo paraíso particular, que agora abandonei por conta de estar sendo muito frequentado, as ilhas lá de Angra, adoráveis. Escrevo sobre Rimbaud e falo sobre suas botinas constantemente, alternando com suas sandálias de vento. E existe sapato mais confortável que aquele velhinho, já acomodado a nossos pés, amaciado, domesticado, que nos leva, sem reclamar, aonde precisarmos de ir?
Portanto, vivam as botinas de fevereiro! Que elas me levem longe!
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