Thursday, December 04, 2008

Laços...

Já é a segunda vez que começo a escrever um post e desisto, no meio do caminho. Geralmente embarco numa idéia e me distraio com ela, como quando, na praia, achamos uma conchinha, levantamos da areia e a reviramos entre os dedos, olhando seus desatinos. Cada concha, em sua precisa matemática, é um desatino -- um desvio, um subterfúgio. Desenhos e cores, arquitetura e esconderijo, firmeza e fragilidade. Não admira que a gente ainda se fascine com elas, que, cada vez mais raras, desaparecem nas praias. Quando era pequena, meus pés as temiam. Perigosas, elas cortavam, doíam, transformavam em desprazer o delírio da praia. Mais tarde elas passaram a tabus -- nada de levar conchas para casa, para não ter "azar". Mas eu gosto de conchas e de corais. Gosto de peixes e de anêmonas. Gosto de belicosos caranguejos, de lagostas criteriosas exercendo seu trabalho de edição. Uma vez passei uns tempos numa casa com um aquário. Um aquário enorme, onde nadavam tartarugas, lagostas, budiões, sargentos, garoupas. As estrelas do mar grudavam-se do lado de fora, desenhando na parede um firmamento sem firmeza. Todos os dias eu contemplava os peixes, como um deus contemplando sua criação. E, como esse deus, não fazia idéia do que se passava na cabeça dos peixes. Estariam entediados ali dentro? Ou se sentiriam felizardos, a salvo de tubarões e de redes? Nunca compreendi aquele mundo, e, depois de um tempo, findas as férias, o abandonei, sem remorsos.
Olho agora para o céu azul e me pergunto se haverá um rosto me contemplando, distraído. Olhos que olharão sem ver, curiosos, mas indiferentes. Ou será que este rosto que não vejo pertence a alguém que já se foi e nos abandonou nas mãos de algum caseiro encarregado de nos alimentar e pouco mais?
Meu avô, que acreditava em tudo, estava convencido de que não chegaríamos ao ano 2000. E dizia que a primeira destruição do mundo tinha sido pela água e a segunda seria pelo fogo. Mas acho que as águas estão tentando, mais uma vez, demonstrar sua eficácia destrutiva. Ou, pelo menos, revelar nossa absurda displicência com a vida. Será que algum autor estará preparando uma revisão da Bíblia, para acomodar tantas tragédias naturais? O livro dos déspotas, em contraponto ao Livro dos reis, onde se contariam as histórias de figuras terríveis que nos assolaram nos últimos tempos. O Cântico dos desencânticos -- terrível trocadilho -- mas que não merece título melhor já que versaria sobre o desamor. Uma versão revista e ampliada do Apocalipse, incluindo os refinamentos tecnológicos que agora nos podem atormentar... Para neutralizar tudo isso, aconselho um remédio vindo lá do século XVII: Sermões de Vieira. Hoje e amanhã o Pedro Paulo Rangel está oferecendo uma leitura na ABL, às 12:30h. Grátis. Vamos lá?

1 comment:

Ana Cristina Melo said...

Poxa, por que eu só li seu post agora? Acabei de voltar do almoço. Poderia ter dado uma esticadinha, visto que trabalho pertinho da ABL.

Amanhã tentarei passar por lá.