Sunday, February 28, 2010

Confissões de quem não é santa

Às vezes tenho a sensação de que passo a vida me confessando. Será? Mas não é bem confissão, são relembranças que, graças à minha educação católica, sempre são acompanhadas de uma certa dose de culpa. Pois um dos ensinamentos de alguma catequista bem intencionada, mas fraca em psicologia, uma lição que ecoa até hoje em meus ouvidos é a de que "não sou nenhuma santa". E como já sofri por causa disso! Pois juro a vocês, meus quase 17 leitores, que houve um tempo em que eu queria mesmo ser santa! Lia aquelas vidas de santas que, numa certa época, eram publicadas com mais regularidade que bestsellers, e me derramava em lágrimas, almejando ser tão boa e desprendida como aquelas jovens, ou aquelas não tão jovens, que depois de pecar à grande, se arrependiam e santificavam. A culpa deve ter sido da maluca de minha mãe que fez a promessa de me vestir de Santa Teresinha durante não sei quantos anos. Pelo menos de um ano tenho certeza: tenho um retrato para provar isso. E até que estou bonitinha, pois eu era lourinha e sorridente, é fácil achar uma criança lourinha e sorridente bonitinha. Na foto (eu devia estar com uns 4 ou 5 anos) devem ter me recomendado seriedade, pois estou fazendo um visível esforço para não sorrir. Se algum dia eu voltar a mexer em fotos, prometo que escaneio e coloco na internet, e não é por mim, é pela perfeição da roupa que eu usei. Era mesmo uma roupa "oficial", só que em tamanho infantil. Tinha tudo perfeitinho como nas vestimentas das antigas freiras. E era feito daquela fazenda quente dos ternos de antigamente. Acho que lã. Mas não sei. Só sei que tive meu momento Macondo (muitos anos depois…) ao virar uma esquina em Roma e descobrir lojas e mais lojas vendendo batinas e roupas religiosas. Incrível, ainda vou voltar lá e comprar uma roupa de santa outra vez! A rua tinha um nome engraçado, tipo rua do Triplo Burro, e aí fiquei lembrando de minha vida de Santa Teresinha.
Volto às culpas, perdão pela digressão (olha aí!, juro que foi sem querer!). Pois bem, na minha casa acreditavam na educação pela censura ("Vovó, tirei 9,5 na prova!" "Como?! 9,5?! Se tivesse estudado direito tinha tirado 10!") Daí que, mesmo quando estava certa, a única certeza que tinha era a de estar fazendo algo errado.  Quando passei em segundo lugar no Vestibular, ao invés de comemorar, minha mãe disse: Está vendo? Sempre tem alguém melhor que você…  E tem mesmo, e a Cecília, minha amiga querida até hoje, tirou o primeiro lugar muito merecidamente. Devo à Cecília muitos dos melhores momentos que passei na Faculdade. Ela era uma espécie de mãe de todos nós. Acho que ela já estava com uns 50 anos quando fez o Vestibular. Ela era professora aposentada do Sion, tinha (tem) quatro filhos que estavam na Universidade, morava (mora ainda) num apartamento que tinha quintal e boteco de beira da estrada, o Bar Roco (já não sei mais se ela ainda pode usar o espaço, o edifício precisou criar cercas de segurança). No verão, ela montava uma piscina inflável no quintal e a gente virava criança (na verdade, éramos crianças). Havia uma química boa entre nós, os membros do grupo, hoje desfalcado pela morte do André, justo o mais novinho de todos. Saudades, meu querido.  Foi Cecília quem me diagnosticou: "A Lúcia sofre de carência lúdica!" É que era tão bom ter parceiros de brincadeiras! A gente jogava MANIA, ou DICIONÁRIO (adoro jogos de palavras). Acho que também jogávamos BATALHA NAVAL. E mais um outro jogo de cartas que se chamava CRAPEAU (???) Uma espécie de buraco em que se podia mexer no jogo do outro, já não lembro mais. E, na casa dela, havia diferentes jogos de tabuleiro, de damas a War. Tinha épocas em que chegávamos lá e havia uma mesa desmontável onde algum quebra cabeças de  umas 18 mil peças estava sendo montado por toda a família e os amigos. A gente chegava, conversava, ia até o tabuleiro colocava duas ou três peças, ou conseguia montar um pedaço isolado que ficava esperando até que o quadro crescesse mais. Me lembro de um que foi montado e depois o grupo se dividiu, uns queriam que as peças fossem coladas e transformadas num quadro, outros queriam desmontar tudo e começar de novo. Acho que o segundo grupo venceu, pois não me lembro de nenhum quadro. 
Bem, nessa época eu já não queria mais saber de ser santa. Já estava até casada e, nos quatro anos de duração do curso de Letras, tive dois bebês, terminando o curso com três. Sim, porque já tinha uma filha ao entrar para a Faculdade. Precoce, não? Nada santa. Graças a Deus!

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