Saturday, February 06, 2010

Carnaval

Nos tempos em que estudava literatura medieval, li muita coisa engraçada. O pessoal da época, sempre lembrado pela religiosidade e guerras, já se amarrava numa comédia, e havia muita gente boa praticando o gênero. Um dos livros engraçados e inteligentes era o Libro de Buen Amor.  O bom amor, como é entendido pelos cristãos, é o amor a Deus. A pretexto de estimular o tal do bom amor, o espertinho do arcipreste de Hita, a quem atribuem a autoria da história, vai revelando quais os "maus amores" que devemos evitar. Claro que aí vai se sucedendo uma série de situações que deixaria as pornochanchadas para trás. Para citar uma delas, o narrador pretende se afastar do mundo e virar um ermitão. Nas montanhas encontra uma "pastora" que, isolada, há muito tempo não vê um homem por aquelas alturas. Apiedada do estado de fraqueza do narrador ela o alimenta e aquece para, logo em seguida, usá-lo como objeto sexual. O que começa por deleitá-lo, mas depois o deixa exausto, esgotado, e ele tenta fugir e essas são as cenas mais hilárias de todas. Pois hoje, tentando escapar dos blocos que tomaram o Leblon, me senti vivendo uma dessas histórias medievais. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Quando se acaba de tomar um banho e passar perfume, colocar uma roupinha levinha e descontraída, existe coisa pior do que encontrar um bloco cheio de gente suada e bebendo cerveja? E todos com espírito de confraternização? Foi o que me aconteceu hoje, quando ia encontrar com a família para almoçar. Incauta, cruzei com o tal do Imaginou? Então amassa! Por conta de não conseguir nem imaginar, dei longas voltas até chegar a meu destino, e ainda agradeci aos céus por estar a pé, pois de carro teria ficado presa por horas no trânsito. Depois, esquecida da emoções do almoço, peguei uma carona para voltar para casa. Achei que a Dias Ferreira já estava liberada, mas, qual o quê! Ao virar a esquina descobri que a rua estava tomada por um bloco que parece ter estacionado para sempre aqui ao lado de casa. Não sei o nome, mas é o bloco com os músicos mais desafinados da história do Carnaval. Os caras do cavaquinho estão tocando sempre a mesma coisa, não importa o que o pessoal do bloco cante e o ritmo que a bateria imprima às canções. Eles tocam como se tivessem aprendido a tocar fazendo acompanhamento para karaokê. Sabe aquelas frases musicais que não combinam com nada nem dão ideia do que está sendo tocado? Ficam naquele barulho apressadinho do cavaquinho, e deixam a todos zonzos. Muito chato isso. Leio Marques Rabelo e descanso com Lillian Hellman. Dois livros de memórias, tão diferentes como suco de uva e água. Como homem e mulher. Como faca e garfo. Mas cada qual com seu valor e utilidade. E combinando em minha cabeça, me mostrando um mundo desaparecido, que teve seus encantos e seus horrores. O bloco dos desafinados me dá a deixa para terminar, com a linda música do Gonzaguinha, que eles vão assassinando sem piedade: Viver e não ter a vergonha de ser feliz! A vida é bonita, concordo com o compositor. Só que às vezes cansa…

1 comment:

Anonymous said...

To gostando cada mais no "Nada do Nada", muito bom! E agora então com ilustrações....bjs. Márcio Galli