Tuesday, March 02, 2010

Terremotos

Me lembro (acho que me lembro) que no dia do terremoto do Haiti eu tinha acordado muito cedo e me deixado maravilhar pelo nascer do dia. E de ter pensado: num dia assim só podem acontecer coisas boas. Aí a televisão veio me contar as tragédias e me senti quase que ofendida com a "traição". 
Não me lembro se no dia do terremoto do Chile o dia estava bonito ou triste, mas me lembro da TV contando as tragédias e da presidente Bachelet falando na TV. Descartava o risco de tsunami no Chile, dizia que a situação era de catástrofe, mas que eles estavam preparados para enfrentá-la. Eu bem que indaguei aos meus botões (algo que aprendi a fazer com Machado) como alguém, mesmo que seja um país, pode estar preparado para uma catástrofe. Catástrofe é um termo saído do teatro grego que indica a reviravolta que traz o fim da tragédia, é o acontecimento principal, culminante da tragédia, o clímax. Se estamos falando de teatro grego, e as tragédias contavam as histórias dos heróis míticos, compreendo que toda a plateia estivesse preparada para a catástrofe. Quem se sentava nas arquibancadas dos anfiteatros estava careca ou cabeludo de saber que Ifigênia seria morta pelo pai, que Édipo mataria o pai e casaria com a mãe, que Fedra se apaixonaria por seu enteado, essas coisas. Mas acho que os gregos, freudianamente (não resisto!), estavam interessados em entender como é que se deve lidar com essas reviravoltas e as lições eram severas. Acho que os gregos da plateia queriam era saber como é que os protagonistas, surpreendidos (pois eles não sabiam) reagiam frente à catástrofe, para a qual eles nunca estavam preparados ( e depois a filosofia vai tentar sempre informar e preparar, mas sem grandes resultados – há sempre uma peça do quebracabeças que está faltando).
La Bachelet também não sabia, seu país não sabia que o tsunami chegaria, que os incêndios se ateariam, que o desespero levaria pessoas pacatas a saquear os supermercados, que o medo levaria outros a se armarem ameaçadores. Aposto que, a essas alturas, ela deve de estar contando o tempo para entregar a faixa presidencial.
Fui vítima indireta de um terremoto. Há muito tempo atrás um terremoto destruiu a bela cidade natal de meu marido. Na falta de internet, ficamos dias tentando falar ao telefone para saber da família dele. Muitas perdas materiais, mas estavam todos vivos. Ficamos tranquilizados de longe. Mas, quando finalmente nos encontramos outra vez, descobrimos que eles estavam mudados. A catástrofe os transformara inteiramente. Algo foi destruído no espírito de minha sogra. Algo desapareceu para sempre do olhar de meu sogro. Suspeitei, então, que as piores vítimas eram as que sobreviviam.
Nunca estive num terremoto, não sobrevivi a nenhum furacão, as enchentes que enfrentei foram amenas. Mas sou vítima de uma catástrofe pessoal. Meu terremoto ainda balança o chão sob meus pés, apesar do tempo que já se passou. Perdi minha "terra firma", piso sobre escombros e sobre um chão sem sustentação.  Estou vivendo no exílio…

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